Eu trabalhava mais do que o habitual, tentando acompanhar a crescente demanda. No balcão de vidro, onde os telefones eram exibidos, eu observava o movimento frenético ao meu redor. No entanto, minha mente estava perdida em pensamentos, dominada pelo temor da iminente semana natalina.
Minha família se reunia todos os anos na casa da minha avó Maria, uma mulher bondosa e forte que criou seus três filhos sozinha. Possuía um carisma e uma força que nenhum outro membro da família parecia ter herdado. Sentia o peso sobre meus ombros, pois a ceia de Natal sempre girava em torno da minha solteirice.
Passei muito tempo tentando namorar caras que me viam apenas como uma segunda mãe ou uma empregada. Ao sentir-me cansada e desvalorizada, terminava os relacionamentos antes mesmo de apresentá-los à família, sabendo que seriam alvo de críticas. Nada do que fazia parecia ser suficiente para agradar a todos.
Minha mãe constantemente reclamava, dizendo que eu era desastrada e que nenhum homem desejaria casar comigo. Meu pai, embora mais amoroso, nunca levantava a voz para me defender diante da minha mãe. Minha irmã era compreensiva e sempre estava ao meu lado, mas minhas tias eram o verdadeiro problema. Os primos bem-sucedidos da família eram constantemente jogados em meu rosto, reforçando a ideia de que eu não tinha um parceiro.
Os comentários e fofocas corriam soltos entre os familiares, inclusive durante os encontros familiares, como a ceia de Natal. Ali, todos sorriam falsamente, enquanto falavam mal uns dos outros em cantos da casa. Eu estava cansada de tudo aquilo e comecei a considerar a possibilidade de não comparecer à ceia deste ano. Planejava passar a noite em casa, usando meu pijama natalino, assistindo televisão. A desculpa perfeita seria fingir que estava doente.
No entanto, sabia que tanto minha mãe quanto minha avó se sentiriam decepcionadas com minha ausência. Mesmo assim, eu não queria passar outra noite com dores de cabeça, cuidando dos sobrinhos e lidando com as expectativas e críticas da família. Entendia que ter um amor em minha vida faria toda a diferença, não apenas aos olhos da família, mas para mim mesma. Desejava alguém que me defendesse, que pensasse em mim constantemente e que nunca me deixasse passar fome de afeto.
A realidade era complicada e a proximidade da semana natalina aumentava a dor de cabeça e a ansiedade. Enquanto estava perdida em meus pensamentos, um cliente me chamou estalando os dedos na minha frente, trazendo-me de volta à realidade. Acordei, dei um sorriso tímido e perguntei:
- Pois não, senhor?
O homem de meia-idade me encarou com os olhos estreitos por um momento e balançou a cabeça em desaprovação antes de sair irritado. Murmurei baixinho para mim mesma, certificando-me de que ninguém mais me ouvisse:
- Como pode? - Fiquei revoltada. Poderia matar esse homem, se ele voltasse aqui. - Esse homem me tirou dos meus pensamentos só para me irritar. - Era o que eu tinha que suportar, por trabalhar com o público. - Como posso continuar trabalhando neste lugar ano após ano? Como as pessoas podem ser tão ruins? Cadê o clima natalino?
Minha mãe adora passar na minha cara o quanto sou uma decepção. Ela iria gostar de explanar esse assunto, se me visse nessa situação.
Nesse momento, minha amiga e colega de trabalho se aproximou de mim.
- Amiga, eu acho melhor você parar de falar sozinha ou ficar distraída. O gerente está de olho em você e você sabe quanto ele é inteligente.
Olhei de relance e o vi. Ele estava furioso, me encarando com seus olhos cerrados. Poderia me matar, se pudesse.
- Quero que ele se f...
Ela me impediu de continuar.
- É melhor continuarmos com o trabalho.
Enquanto o movimento continuava intenso, eu me esforçava para atender cada cliente com um sorriso no rosto, mesmo que por dentro estivesse lutando contra minha própria insegurança. Sabia que precisava encontrar uma maneira de lidar com as expectativas da família e com a pressão que sentia durante o Natal. Talvez fosse hora de tomar as rédeas da minha vida e ser mais assertiva em relação às minhas próprias escolhas.
Quando chegou o fim do expediente, respirei aliviada. Eu estava exausta, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Caminhei até o ponto de ônibus, sentindo o ar fresco da noite acalmar meus pensamentos turbulentos. Naquele momento, decidi que não deixaria mais as opiniões alheias controlarem minha felicidade. Eu merecia ser valorizada e amada, independentemente do meu estado civil.
Cheguei em casa e me joguei no sofá, deixando que a sensação de alívio me envolvesse. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para minha irmã, compartilhando meus sentimentos e incertezas em relação à ceia de Natal.
"Olha, eu não deveria estar dizendo isso, mas acho melhor você se preparar."
Olhei para a mensagem, sem saber o que pensar. Do que ela estava falando?
Então, pensei por um minuto e me achei burra. Obviamente, os comentários sobre mim, este ano, não mudariam muito. Eles sempre fazem questão de jogar meus erros em minha cara.
Então, digitei em resposta:
"Anna, estou ciente de que, novamente, serei o assunto do Natal, então, não precisa se preocupar.
"Não é só isso não."
Encarei o telefone por um tempo, refletindo. O que ela quis dizer com isso?
"Como assim: Não é só isso?"
"O que quer dizer?"
Ela estava digitando a resposta. Os pontos dançavam na tela, enquanto ela escrevia. Demorou tanto que achei que ela estava digitando uma história completa. Isso me deixou ansiosa. O que ela quis dizer com isso? Será que vão me vestir de Papai Noel e me fazer entregar os presentes das crianças ou de anão de jardim?
"A mamãe me mata se souber que eu te disse isso. Ela quer fazer uma surpresa, pois sabe que você não vai concordar. Aliás, nem vai vir para o Natal, se souber disso, então é melhor você fechar esse bico. Você é minha irmã e eu te amo. A mamãe e as nossas tias estão... planejando uma surpresa. Elas vão trazer um amigo do Thomas, nosso primo. Ele é solteiro, e a fofoca que está rolando é que eles querem juntar vocês dois..."
Meu cérebro parou de funcionar quando li essa linha. Como eles podem ser tão malvados?
Quis jogar o telefone contra a parede, mas continuei lendo.
"Ele até que é bonito. É advogado, mas não acho que vá gostar da surpresa. Todos dizem que esse é o melhor presente para dar a você."
Coloquei o telefone sobre o sofá. Tentei respirar fundo e me concentrar na realidade. Como eles podem ser tão malvados? Sério que vão me fazer passar por essa vergonha?
"Juro que vou tocar fogo na cama de todos eles."
Eu estava furiosa. Se estivesse lá, gritaria com todos eles. Isso não pode ser possível.
"Juro que este ano não vou para a casa da vovó."
"Não faz isso. Sabe que ela ama ter a família reunida no Natal."
"Ama me ver sendo humilhada, também?"
"A vovó não sabe de nada. Com certeza ela não concordaria."
"Isso é tão humilhante."
"Também não gostei. Tentei argumentar, pensando que assim eles desistiriam da ideia, mas não consegui."
"Obrigada, Anna. Amo você."
"Amo você, também."