Seu estômago revirou. Gotas de suor começaram a brotar em sua testa. Ela sabia muito bem o que viria com aquele bloqueio. Não era apenas a perda dos bens. Era o colapso total. O processo deixaria de ser apenas administrativo e passaria a ser criminal. Seria questão de dias até a falência completa. A fábrica e a loja seriam fechadas. A casa onde os pais e a irmã moravam seria confiscada e leiloada para quitar parte da dívida. E todos os nomes listados no Contrato Social seriam negativados, destruindo sua vida financeira.
Isso, claro, se o pior não acontecesse: prisão.
E o mais desesperador era saber que aquela nem era a dívida completa. Era apenas a ponta do iceberg.
O valor informado era de R$ 968 mil, sem juros. Quase um milhão de reais apenas em impostos acumulados, não pagos ao longo dos anos. Helena se sentia sufocada. Sentou-se devagar no chão frio atrás do balcão da loja, ainda segurando a notificação. Sentia a visão embaçar, o coração disparado no peito. Era como se tudo estivesse desabando lentamente - e ela não pudesse fazer nada para evitar.
Pensou no pai, o principal responsável por tudo aquilo. Ele havia desviado dinheiro da empresa para fins pessoais durante anos. Viajens de luxo, compras desnecessárias e vício em jogatina. Tudo às custas do sacrifício da família.
Engoliu a raiva, tentando se manter firme. Respirou fundo algumas vezes, tentando evitar um ataque de pânico.
"Me estressar não vai resolver nada." - murmurou para si mesma.
A única coisa que podia fazer naquele momento era acionar sua contadora. Tirou uma foto da carta e enviou para Rose com uma mensagem simples: "Há como renegociar isso? Qualquer chance?"
Sabia que era inútil. Rose já havia avisado em outras ocasiões que a Receita não aceitaria mais prorrogações. Mesmo assim, mandou.
Era um fio de esperança - ainda que desfiando. Rose era mais que uma contadora. Tornara-se uma aliada, quase uma amiga. Havia embarcado no caos quando o navio já estava afundando. Mesmo diante do cenário mais desolador, ela continuava tentando remar ao lado de Helena.
Ao redor, caixas empilhadas, bombons embrulhados, pastas com notas fiscais e um aroma constante de chocolate preenchiam o ambiente.
Helena estava organizando documentos e materiais importantes. Nos últimos meses, fizera de tudo para conter os gastos. Fechou o escritório administrativo, demitiu todos os funcionários da fábrica e da loja. Vendeu seu carro para pagar parte das rescisões. Agora, fazia o trabalho de trinta pessoas - literalmente.
A Bombom & Cia, que já fora considerada a maior e mais refinada fábrica de chocolates artesanais do País Z, agora beirava o colapso. Restava ela - e seu orgulho.
A loja ainda era bela. Tinha paredes cobertas por prateleiras de madeira clara, repletas de bombons dos mais diversos tipos. Havia linhas tradicionais, gourmet, de frutas, veganas, sem glúten, sem lactose e até uma fitness. Os produtos chamavam atenção, e ela se esforçava para manter tudo impecável.
No centro da loja, uma fonte dourada de chocolate derretido atraía olhares de adultos e crianças. Era comum clientes pedirem para tirar fotos ao lado dela.
A decoração era delicada e sofisticada, com detalhes em cobre, espelhos e iluminação suave. Um lugar que exalava aconchego - mesmo escondendo uma tempestade.
Helena adaptara o balcão de atendimento para embalar bombons nos momentos de menor movimento. No início, não tinha prática nenhuma, mas agora, após meses na função, era capaz de embalar mais de 500 unidades por dia com precisão e velocidade.
Mas o que mais exigia de seu corpo era a produção. Apesar de o maquinário ajudar, o processo de temperagem do chocolate ainda exigia que ela manipulasse a massa quente com espátulas pesadas sobre uma bancada de mármore. Seus ombros viviam doloridos por causa da bursite nos dois lados, a mão direita estava afetada por tendinite, e seus pés e costas pareciam carregar o peso do mundo.
Ela estava terminando de embrulhar uma leva de bombons de ameixa com chocolate meio amargo quando ouviu o sino da porta tocar.
Levantou-se automaticamente e forçou um sorriso de vendedora.
- Boa tarde, seja bem-vin... - sua voz morreu na garganta.
Ela o reconheceu.
Era ele.
O homem que arruinara sua carreira. O seu último paciente do Hospital Safe-Health. O rosto que assombrava seus pesadelos havia meses. O homem que a levara a abandonar tudo o que construiu como enfermeira.
Seu corpo enrijeceu. O instinto de correr foi imediato, mas ela se forçou a manter a calma.
Analisou-o com atenção. Estava diferente. Agora em pé, ela percebia o quanto ele era alto. Usava um terno escuro sob medida. Os cabelos negros, bem cortados. A barba rala, os olhos verdes intensos. O maxilar forte. O corpo mais definido do que se lembrava.
Ele a olhou como se não a conhecesse.
- Estou procurando um presente - disse com voz grave, suave, mas segura. - Pode me recomendar algo especial?
Ela engoliu em seco, sem saber se ele fingia ou realmente não a reconhecia.
- Claro. - respondeu, voltando ao modo profissional. - Temos diversas opções. Essa linha aqui é nossa mais recente. Chocolate com lavanda e flor de sal. Bastante sofisticado.
Ele se aproximou da prateleira e examinou os bombons com atenção genuína. Parecia encantado com os produtos.
- Esses com folha de ouro são lindos. - comentou.
- São nossos mais vendidos. Perfeitos para presentes. - respondeu, ainda tentando manter a compostura.
Ele hesitou um segundo.
- Tem alguma sugestão de embalagem?
- Temos uma caixa em formato de coração. Muito procurada pelos namorados.
Ele riu, um som baixo e charmoso.
- Não é para uma namorada. É para minha irmã.
Ela prendeu o ar. Como alguém podia ser tão bonito e ainda mais atraente corando?
- Nesse caso, temos uma opção dourada, mais elegante. - disse, pegando a caixa e já começando a embalar.
Na hora do pagamento, os dedos dos dois se tocaram de leve. Um choque percorreu seu corpo. A pele dele era quente. O toque, firme.
- Obrigado, Helena. - disse ele, pegando o cartão de volta e sorrindo.
Helena congelou.
Ela não usava crachá.
Não dissera seu nome.
Ele sabia quem ela era.
E isso a aterrorizava.