"Sim, meu pai me contou. Não consigo acreditar. Sinto muito, muito mesmo pela sua perda, querida."
Querida. A palavra soou obscena.
"Onde você está?", ela perguntou.
"Estou no apartamento. Vim direto para cá." Uma pausa. "Por que você não está aqui? Todas as suas coisas sumiram."
"Estou na casa da minha mãe."
"Certo. Claro." Ele pareceu aliviado por ela não ter simplesmente desaparecido. "Olha, eu me sinto péssimo. Eu deveria ter estado lá."
"Sim," ela disse. "Deveria."
Ele suspirou. Era o som dele se preparando para uma briga que considerava injusta. "Júlia, precisamos conversar sobre o que aconteceu. A Helena está completamente arrasada. Ela se culpa totalmente."
Júlia não disse nada. Observou um carro passar lentamente pela rua tranquila.
"Ela está aqui comigo agora," Caio continuou, baixando a voz. "Ela não para de chorar há dois dias. Queria te ligar, mas estava com muito medo."
Uma risada fria borbulhou na garganta de Júlia, mas ela a engoliu.
"Passa pra ela," disse Júlia.
Houve um som abafado, Caio sussurrando. Então a voz de Helena, frágil e chorosa.
"Júlia? Oh, Júlia, eu sinto tanto, tanto. Não sei o que dizer. Eu amava sua mãe. Ela sempre foi tão doce comigo."
A mentira era tão audaciosa que quase tirou o fôlego de Júlia. Sua mãe tolerava Helena, por causa de Júlia.
"Foi um acidente," Helena soluçou. "O César nunca, nunca machucou ninguém. Ele só estava brincando. Sua mãe deve tê-lo assustado, ou talvez... talvez ela tenha tropeçado? Ela me disse que se sentiu um pouco tonta naquele dia."
Aí estava. A mudança sutil. A semente da culpa, plantada com tanto cuidado.
"Ela não estava tonta, Helena," disse Júlia, a voz como gelo.
"Ah. Ok. Bem, eu só... não consigo parar de pensar nisso. O Caio tem sido incrível. Ele está cuidando de tudo. Já falou com os advogados dele para garantir que não haja... problemas. Para mim."
A verdadeira preocupação. Proteger a si mesma.
"Que bom saber," disse Júlia.
Caio voltou à linha. "Viu? Ela está um caco. Eu disse a ela que não é culpa dela. Foi um acidente bizarro. Essas coisas acontecem."
"Acontecem?", Júlia perguntou.
A paciência dele finalmente se esgotou. "O que isso quer dizer? Você está culpando ela? Me culpando? Eu estava numa viagem de negócios, Júlia. Uma viagem para garantir nosso futuro. Não posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo."
Sua voz estava subindo, cheia da indignação de um homem que nunca foi responsabilizado por nada.
"O médico disse que o cachorro não estava vacinado," Júlia afirmou, seu tom inalterado.
Um silêncio mortal.
"Isso não é verdade," disse Caio finalmente, a voz dura. "A Helena tem todos os papéis dele. Ela é meticulosa com essas coisas. Você deve ter entendido mal. Você está abalada, não está pensando direito."
Ele a estava chamando de mentirosa. Ou de histérica.
"Não torne isso mais difícil do que precisa ser, Júlia," ele disse, a voz suavizando para um tom de razão condescendente. "Nós vamos superar isso. Eu vou cuidar de você. Faremos uma homenagem, cuidaremos dos bens da sua mãe. Apenas... se acalme. Deixe que eu resolvo."
Ele estava falando com ela como uma criança. Um problema a ser gerenciado.
Ele estava protegendo Helena, construindo um muro ao redor dela, usando seu poder e dinheiro para fazer todo o negócio sujo desaparecer.
E Júlia, a filha enlutada, era apenas parte da bagunça que ele tinha que limpar.
"Preciso ir," disse Júlia.
"Espera. Quando você volta para o apartamento? Precisamos..."
Ela desligou.
Bloqueou o número dele. Bloqueou o número de Helena.
Sentou-se na varanda enquanto o sol começava a se pôr, lançando longas sombras pelo gramado. O frio da xícara de café se infiltrara em seus dedos, mas ela não percebeu.
A vida pela qual ela lutou, o homem que ela amou, tudo era uma miragem. A ilusão final havia sido queimada.
Não havia mais nada a que se agarrar.
Havia apenas a casa silenciosa atrás dela, cheia de fantasmas, e a longa e aberta estrada à frente.