Com a maioridade batendo à porta, era hora de seguir em frente. Foi então que uma das irmãs, percebendo minha angústia, recorreu à ajuda de Berta Still, uma mulher generosa que decidiu me acolher em sua casa. Berta não apenas me ofereceu um lar temporário, como também me arranjou um emprego. Sempre sonhei em cursar Medicina, e tão logo
comecei a trabalhar, ingressei na faculdade com muito esforço e gratidão no coração.
O problema é que trabalho para o senhor Stark. Damian Stark. Um homem sério, de semblante duro, e que exala uma aura de autoridade que me faz estremecer só de pensar em encará-lo. Sei que preciso vencer essa timidez, afinal, não faço ideia de quanto tempo ele vai tolerar meus deslizes e minha inexperiência e os meus desastres.
Assumir o cargo de secretária na empresa dele nunca foi algo que imaginei para meu primeiro emprego. Achei que começaria com algo mais simples, algo que combinasse com alguém que mal conhece o mundo real. Mas ao receber a proposta, vi ali uma oportunidade única, um desafio à altura dos meus sonhos. E, quem sabe, uma porta que me levasse mais perto do futuro que desejo.
Contudo, meu primeiro encontro com Damian Stark foi tudo, menos acolhedor. Ao entrar em sua sala, com um sorriso educado e esperançoso, fui imediatamente engolida por aquele olhar impetuoso que parecia atravessar minha alma. Havia algo de feroz e selvagem em seu olhar, algo que me obrigou a engolir o sorriso na mesma hora.
- Bom dia, senhor Stark! Eu sou sua nova secretária e vim para atualizá-lo sobre a sua agenda, anunciei, tentando manter firmeza na voz, mas falhei miseravelmente.
Ele não respondeu. Apenas me observou em silêncio, sentado em sua imponente cadeira de couro, e com um gesto seco, apontou a cadeira à minha frente. Sentei-me com as mãos trêmulas e, em um deslize desastroso, deixei cair a agenda eletrônica no chão. Pedi desculpas rapidamente, tentando não demonstrar meu desespero, mas percebi sua impaciência crescendo. Meu jeito retraído e o hábito de manter os olhos baixos pareciam irritá-lo.
Ainda assim, ele nada disse. Apenas me instigou, com o olhar, a continuar. Tomei fôlego e comecei a ditar sua agenda: reuniões com fornecedores, entrevista para a revista Forb Car, visita aos galpões de exposição e um jantar com Madeleine Stark, sua mãe.
Ao encerrar, ergui os olhos e encarei o CEO por um breve instante. Ele me observava com atenção, como se estivesse tentando decifrar cada camada da minha alma.
- Eu já terminei - disse, com um leve tremor, esperando que me dispensasse para voltar à segurança da minha mesa. Mas não foi o que aconteceu. O telefone tocou e, por um segundo, acreditei que poderia sair da sala. Em vez disso, ele levantou a mão e me ordenou, sem palavras, que permanecesse. Enquanto falava ao telefone, afastado de mim, aproveitei para observá-lo com mais atenção.
Seu rosto era quadrado, de traços fortes e inexpressivos. As sobrancelhas grossas se uniam com frequência, formando uma expressão de constante desagrado. Seus lábios finos, de um rosado pálido, se comprimiam a cada resposta ríspida. Era impossível decifrar o que se passava por trás daquela fachada. E então, por um breve instante, juro que vi algo estranho, um leve brilho amarelado em seus olhos.
Não, isso foi coisa da minha cabeça. Deve ter sido a luz. Tentei me convencer.
- Senhorita Cross, preciso que me traga as pastas com os documentos de engenharia e desenvolvimento. Preciso revisar os desenhos técnicos e avaliar dimensões, tolerâncias e desempenho dos croquis para as novas frotas - disse ele, sem rodeios.
Ele não pedia. Ordenava.
Aliviada pela chance de sair de sua presença, levantei-me prontamente e corri para cumprir a tarefa. Havia algo nele que me deixava inquieta, quase como se... meu instinto quisesse me alertar sobre um perigo invisível.
Após entregar tudo que ele solicitou, voltei à minha mesa e mergulhei no trabalho: responder e-mails, organizar os compromissos do dia seguinte, e tentar em vão afastar da mente a imagem daquele olhar que parecia esconder algo mais profundo... e sombrio.
Nos primeiros dias, me se sentia como uma peça fora do lugar.
A rotina na Stark Tech era intensa, marcada por prazos apertados, reuniões frequentes e funcionários que se moviam com precisão quase militar pelos corredores envidraçados. Todos pareciam saber exatamente o que estavam fazendo menos eu.
Chegava antes das sete, mesmo que o expediente começasse às oito. Precisava de tempo para respirar, organizar a mesa, revisar a agenda do dia e preparar os relatórios que Damian exigia pontualmente. Os olhos dele não perdoavam atrasos. E, ainda que não gritasse ou fizesse escândalos, o silêncio carregado de reprovação era o suficiente para fazer me encolher por dentro.
Seu escritório era minimalista, moderno, e impecavelmente limpo. Suspeitava que até a poeira tivesse medo de aparecer ali.
As manhãs eram tomadas por atualizações de cronogramas, conferência de contratos e e-mails longos demais que ela tinha que traduzir e sintetizar para o CEO. À tarde, organizava documentos, acompanhava Damian em reuniões ou repassava pautas com os setores jurídico e comercial. Aprendeu a lidar com os temperamentos difíceis de alguns diretores e o desprezo de algumas secretárias veteranas que me tratava como se fosse um erro de RH.
Mas o que mais consumia sua energia era a constante tensão ao redor de Damian. Ele parecia onipresente, mesmo quando estava trancado em sua sala. O som de seus passos no corredor bastava para fazer o meu coração acelerar.
Tentei aprender rápido. Passava noites estudando termos técnicos, engenharia básica, estratégias empresariais. Era a forma de sobreviver, e provar que não estava ali apenas por sorte.
Apesar disso, cometer erros era inevitável. E Damian não era condescendente.
- Senhorita Cross, o relatório da Forb Car deveria ter sido entregue ontem às 18h, não hoje pela manhã - disse ele certo dia, com a voz grave e baixa, enquanto folheava os papéis que ela havia deixado sobre a mesa.
Diana baixou a cabeça.
- Eu... tive problemas com o anexo, senhor. Achei que havia enviado, mas...
- "Achou" não é um verbo que serve em uma empresa como esta. Aqui, lidamos com certezas, não suposições.
Ela engoliu em seco, sem ousar responder. Por dentro, a raiva e a vergonha brigavam para ver quem a derrubaria primeiro.
Por outro lado, havia momentos, raros e confusos, em que Damian parecia observá-la com algo diferente nos olhos. Curiosidade, talvez? Ou era apenas sua imaginação tentando amenizar a pressão?
Certa tarde, enquanto organizava arquivos na sala de reuniões, ouviu a porta se abrir discretamente.
- Você sempre fica depois do horário?
Ela se virou, surpresa. Era ele. Sem terno, com as mangas da camisa dobradas e o olhar menos frio do que o habitual.
- Sim, senhor. Ainda tenho algumas pendências - respondeu, tentando manter o tom neutro.
Ele a observou por um tempo que pareceu longo demais. Em seguida, apenas assentiu e saiu sem dizer mais nada. Fiquei parada por alguns segundos, sem entender aquele breve momento de... humanidade?