A notificação vibrou no celular em cima da mesa de vidro.
Peguei o aparelho sem pressa, com a taça de vinho na outra mão, os olhos ainda voltados para o jardim do palazzo.
Abri o vídeo.
Demorei alguns segundos para entender. Minha noiva - a mesma que o conselho tinha me prometido desde moleque - estava deitada na cama, gemendo. Mas não era meu nome que ela chamava.
Era o de um maledetto capo.
Trinquei o maxilar. O cristal da taça quase estourou nos meus dedos.
O vídeo acabou, mas a imagem dela continuava queimando dentro da minha cabeça. Essa puttana jurava que seria a esposa perfeita para o herdeiro Strondda, enquanto se abria para qualquer um que tivesse coragem de desafiar meu sobrenome.
No mesmo instante, a porta do reduto abriu sem ninguém bater.
Maicon, meu tio e consigliere do meu pai, entrou como se a sala fosse dele.
- O conselho decidiu que chegou a hora, Vinícius. - Falou direto, cruzando os braços. - Assim que seu pai voltar da viagem, quer a resposta: você vai assumir o posto de Don ou vai continuar agindo como se não fosse o herdeiro da família Strondda?
Soltei um riso curto, sem humor.
- "Assumir" não é o problema, tio. O problema é a condição ridícula que eles colocaram pra isso.
- Casamento? - Ele assentiu, como quem repete uma sentença. - A tradição é clara. Precisa estar casado antes de ser nomeado Don, oficialmente.
Mostrei a tela do celular para ele. O vídeo ainda estava parado na imagem mais nojenta possível. A feição dele mudou imediatamente.
- Essa é a tradição que querem pra mim? Eu nunca vou casar com essa vadia. Meu pai derrubou um aliado por tentar mandar nele, e agora querem me forçar a usar uma aliança de uma puttana?
- Não estamos falando de qualquer casamento. - Maicon se aproximou, apoiando as mãos na mesa. - É estratégico, algo político. Eu me casei por uma ordem do seu pai. Olha só pra mim hoje... Estou ótimo assim.
Olhei para ele e bebi mais um gole.
- Estratégico pra eles, bom pra você, talvez. Pra mim, é só uma armadilha.
Maicon desviou o olhar, engolindo seco.
- Ela está no jardim, esperando para colocar a aliança oficial no dedo porque sabe que seu pai está pra chegar.
Deixei a taça sobre a mesa e fechei o casaco preto.
- Então vamos acabar logo com isso.
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O sol da manhã iluminava as rosas vermelhas alinhadas quando atravessei o corredor e cheguei ao jardim.
Uma mesa comprida, meia dúzia de homens de terno, e- minha "noiva" - levantou-se com o sorriso ensaiado e o brilho de quem achava que me enganava.
Um dos acionistas mais velhos e tio da maledetta, se ergueu antes mesmo que eu chegasse.
- Finalmente, o princeso herdeiro resolveu aparecer. Achei que fosse deixar os negócios da famiglia para homens de verdade.
O jardim inteiro pareceu prender a respiração.
Parei a menos de um metro dele.
- O que você disse?
- Disse que, se não tem coragem de seguir as regras, não merece a cadeira que seu pai vai deixar. Fica enrolando pra casar. Imagino o resto.
Sorri de canto. A mão já estava na 357.
Meu disparo ecoou seco. O corpo dele tombou para trás, derrubando a cadeira.
Ninguém gritou. Todos sabiam: aqui era território do Don. Se meu pai não estava, eu mandava.
Guardei a pistola, limpei a mão na lapela do terno.
- Que sirva de exemplo pra qualquer maledetto. Principalmente os traidores. Não é, figlia de puttana?
Passei por cima do cadáver e caminhei até minha noiva.
- Pensou que eu nunca descobriria?
Ela ainda sorria nervosa, tentando disfarçar o pânico.
- Vinícius... eu posso explicar...
Encostei a arma no peito dela e curvei o rosto bem perto, o suficiente para que apenas os mais próximos ouvissem.
- Explicar o quê? Como o perfume do capo rival ficou grudado na sua pele? Ou como você gemeu o nome dele enquanto deveria guardar o meu?
O sorriso dela morreu na hora, a cor esvaiu do rosto.
Os acionistas se entreolharam em silêncio, entendendo o que eu já sabia.
- Não... não é o que você pensa... - gaguejou, os olhos marejados. - Eu posso explicar?!
- Pode, no inferno. De preferência para o diavolo.
Atirei.
O vestido branco ficou manchado de vermelho. O corpo caiu sobre as rosas.
O silêncio foi total. Até o vento parou. É claro que eu não deixaria pra depois. Aprendi desde criança... Lugar de traidor é queimando no inferno com o diavolo.
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Foi então que percebi o movimento no canto do jardim.
Uma mulher corria pelo gramado lateral, contornando a fonte. Calça justa preta, blusa simples, coque bagunçado com mechas escuras e bem vermelhas escapando.
Não era do conselho. Não era convidada.
- Quem é aquela? - perguntei baixo a Maicon, sem tirar os olhos dela.
- Não faço ideia. Com tanto monitoramento, já deveria estar morta.
Ele puxou a arma, mas segurei seu braço.
- Não. Ainda - ele ficou me olhando.
A intrusa parou um instante para respirar, apoiando as mãos nos joelhos, sem perceber que era observada.
- Tragam ela pra mim. - Ordenei.
VDois soldados se afastaram da mesa e cruzaram o gramado. A mulher percebeu tarde demais e tentou fugir, mas foi agarrada pelo braço. Se debateu, chutou, xingou, mas foi arrastada até mim.
- ME SOLTEM! EU NÃO FIZ NADA! - gritou.
Quando parou diante de mim, seus olhos verdes me acertaram em cheio. Estava com raiva, não medo.
- Soltem. - Falei baixo, tirando a 357 do bolso e lustrando no tecido da roupa.
- O que acha que está fazendo? - ela cuspiu as palavras, ofegante.
Dei um passo à frente, estudando o rosto delicado.
- Garantindo que ninguém entra no meu território e sai vivo. - Ela olhou para todos os lados.
- Eu só estava correndo. - A voz dela tremia de fúria, não de pavor.
Inclinei a cabeça, meio sorriso surgindo.
- Odeio mentirosos. - Empurrei-a contra uma árvore, prendendo seu braço. - Tem um minuto pra me convencer a te deixar viver.
- Está louco? Eu só fugi de um cara!
- Perdeu alguns segundos. Seja mais eficiente.
Ela respirou fundo, os olhos faiscando.
- Pulei seu muro porque é o mais alto. Achei que ninguém notaria. Só isso. É só fingir que não viu e me deixar ir embora.
Passei a mão pelo corpo dela, firme, verificando se não carregava arma.
- Que ragazza... - sussurrei.
Alisei desde os braços até a bunda, cintura, bunda, coxas. Mamamia. Uma mulher dessas não passa despercebida em lugar nenhum.
- Me solta! Me solta! - ela gritava, mas nem ouvi o que dizia.
Eu só estava verificando se estava armada, mas essa puttana me deixou excitado.
- Mamamia.
Ela tinha a bunda farta, cheguei até as coxas grossas.
- Qual seu nome? Idade? Estado civil? - disparei as perguntas.
- É... Eu...
- VAMOS PORRA! DIGA!
- Lucia Bianchi. Vinte e quatro. Italiana.
- É solteira? - ela pareceu pensar.
- Sim.
Sorri de canto.
- Agora não é mais.
Arrastei-a pelo braço e a entreguei para meu tio.
- Prendam ela. Se querem casamento, vai ser assim. A noiva vai ficar presa. E eu escolho as regras.
Ela começou a espernear.
- Não! Eu não posso! Não vou casar!
Virei as costas sem olhar.
O conselho estava em choque, o jardim coberto de sangue, e eu já tinha decidido.
Meu tio se aproximou e perguntou:
- Não perguntou se é virgem?
- Não. Tanto faz. Não sei se vou esperar até a cerimônia.
- Merda! Seu pai vai nos matar.
- Foda-se. Se o preço para ser Don era uma esposa, que fosse a intrusa de olhos verdes que teve a ousadia de invadir meu território.
Um Strondda não pede permissão. Ele toma.
- Me dêem licença... Vou verificar minha noiva de perto...