PONTO DE VISTA DA JÚLIA:
No dia seguinte ao funeral, Caio ligou. Sua voz estava carregada de um pedido de desculpas impaciente, quase ensaiado.
"Sinto muito pela sua mãe, Júlia. Foi um acidente trágico."
Eu não disse nada. O silêncio se estendeu entre nós, denso e desconfortável.
"Meu Beta me disse que você se mudou da casa que preparei para você nas terras da alcateia", ele disse, seu tom mudando. Não era mais de desculpas; era acusatório. "Por que você faria isso?"
"Eu queria ficar na casa da minha mãe", respondi, minha voz plana e vazia.
Ele suspirou, um som de pura exasperação. "Olha, toda essa situação tem sido muito estressante. A Helena está completamente arrasada. O Lobo de Guerra dela está agitado desde... o incidente."
Ele estava falando sobre os sentimentos do lobo. Não sobre a morte da minha mãe. Não sobre o meu luto.
"A Helena está com você agora?", perguntei, minha voz perigosamente calma.
"Sim, está", ele admitiu. "Ela tem sido um grande apoio."
"Passe o telefone para ela."
Houve uma troca abafada, e então a voz enjoativamente doce de Helena encheu meu ouvido. "Júlia, querida, eu sinto muito, muito mesmo. Me sinto péssima. Meu pobre Ares nunca machucaria uma mosca. Sua mãe deve ter entrado na área de treinamento dele por engano..."
Ela continuou falando, sua voz um zumbido meloso, mas uma frase ficou presa na minha mente.
"...Caio foi tão bom com isso. Ele fez o Curandeiro da alcateia assinar o relatório oficial. Um acidente completo, claro. Ninguém tem culpa."
Eles tinham encoberto. Eles tinham falsificado um relatório para protegê-la.
Senti uma onda de náusea. "Deixe-me falar com o Caio."
Sua voz voltou à linha, dura e defensiva. "O que ela te disse?"
"Ela me disse que você enterrou a verdade", eu disse.
"Ares estava defendendo seu território", Caio rosnou. "É um comportamento compreensível para um Lobo de Guerra."
Uma clareza estranha e fria me invadiu. "O médico disse que o lobo não tinha tomado as vacinas inibidoras. As que impedem que o veneno em sua saliva seja fatal para humanos."
Um rosnado baixo ecoou pelo telefone. "*Chega!*" A força de seu *Comando de Alfa* me atingiu, um peso familiar e esmagador, exigindo submissão. Mas desta vez, algo novo se ergueu para enfrentá-lo - um fragmento de fúria gelada.
"Você está transtornada pelo luto", ele continuou, sua voz pingando condescendência. "Fique na casa. Não vá a lugar nenhum. Eu vou resolver tudo quando voltar."
Ele estava falando comigo como uma criança, como um problema a ser gerenciado. Eu era uma mancha que eles precisavam limpar.
Eu não disse adeus. Simplesmente encerrei a chamada.
Então fechei os olhos e alcancei minha própria mente, procurando pelo fio cintilante que me conectava a ele. O Elo Mental. Era quente, familiar, uma parte de mim.
Com um grito silencioso e psíquico de vontade, encontrei aquele fio prateado e cintilante... e o puxei até que ele se partisse em dois.
A quilômetros de distância, eu sabia que ele teria sentido - uma dor súbita e aguda atrás dos olhos. Ótimo.