PONTO DE VISTA DA JÚLIA:
Nos dias que se seguiram, comecei a me apagar. Saí silenciosamente de todos os grupos de redes sociais conectados à Alcateia da Mata Negra. Bloqueei números que sabia pertencerem a membros da alcateia. Eu estava me tornando um fantasma.
Alguns dias depois, uma solicitação de mensagem apareceu de uma conta que eu não reconhecia. Meu estômago se contraiu. Era de um dos bajuladores da Helena, eu tinha certeza.
Eu abri. Era uma única foto.
Helena, usando o anel da família Bolton, estava ao lado de Caio na varanda da residência oficial do Alfa. Todo o território da Mata Negra se estendia atrás deles como um reino conquistado.
A mensagem abaixo dizia: "Espero que você possa entender, Júlia. Isso é para o futuro de ambas as nossas alcateias."
Olhei para a foto, para o sorriso triunfante dela e o perfil estoico dele, e senti... nada. Nenhuma dor. Nenhum ciúme. Apenas uma pena distante e clínica. Tirei uma captura de tela, salvei em uma pasta oculta e depois bloqueei a conta.
Naquela tarde, a Sra. Guedes, da casa ao lado, apareceu com uma lasanha. Ela era uma anciã aposentada de uma alcateia vizinha, de olhos aguçados e língua ainda mais afiada.
"Vi o Beta do Caio estacionado do outro lado da rua ontem", ela disse, colocando o prato no balcão. "Vigiando a casa. Mandei ele passear com algumas palavras bem escolhidas."
Ela olhou para mim, seu olhar se suavizando. "Helena Peterson é veneno vestido de seda. Sua mãe sabia disso. Ela sempre dizia que você tinha uma leoa adormecida dentro de você, criança. Dizia que você só precisava de um motivo para acordá-la."
Naquela noite, sonhei com um tempo antes de tudo azedar. Eu era uma adolescente de novo, e Caio também. Estávamos sentados à beira do rio, e ele tinha acabado de sentir meu cheiro pela primeira vez. No sonho, seus olhos se arregalaram de admiração, e seu lobo interior sussurrou, um som que ecoou em minha alma: *Minha!*
O sonho não me deixou triste. Me deixou com raiva. Me lembrou da coisa pura e sagrada que ele pegou e quebrou por lucro.
Acordei com uma nova determinação. Fui até a velha caixa de madeira, a marcada com 'Ferraz', e a abri novamente. Escondido sob um maço de cartas antigas da minha mãe, encontrei o que estava procurando. Lembrei-me da minha mãe reclamando sobre isso meses atrás, um quase acidente em uma reunião da alcateia.
Era uma conta de um veterinário especialista.
Datada de seis meses atrás. O nome do paciente era 'Ares', proprietária Helena Peterson. O motivo da visita estava listado como 'agressão não provocada e mordida'. A recomendação do veterinário era clara: 'Recondicionamento comportamental imediato aconselhado.'
Na parte inferior, uma nota manuscrita: 'Proprietária recusou o tratamento.'
Helena não tinha sido apenas negligente. Ela sabia que seu lobo era uma arma carregada, e ela se recusou a colocar a trava de segurança. Ela tinha mentido. E Caio a tinha ajudado.