"Ele o que?"
As palavras não entraram de imediato na minha cabeça. Ecoaram, flutuaram no ar, como se fossem irreais demais para serem assimiladas.
O celular escorregou da minha mão, caindo no chão com um som seco. Agarrei-me à cabeceira da cama para não cair junto, mas minhas pernas cederam. Sentei-me no chão frio, sem ar, sem rumo.
Era como se adagas invisíveis me atravessassem o peito, uma após a outra. Não.
Não podia ser verdade.
O Simon não podia estar morto. Ele era forte, era luz, era vida. Ele era a única parte de mim que ainda era pura.
Como essa parte de mim poderia não existir mais nesse mundo?
Não era verdade. Eu me recusava a acreditar.
- Não é possível! - Murmurei, em negação.
- Como poderia ser? Não é verdade.
Não fazia nem vinte e quatro horas desde a última vez que conversamos. Eu podia ouvir o som da sua risada ainda fresca em meus ouvidos, como se ele estivesse ali, ao meu lado.
Como poderia ter desaparecido assim, sem aviso, sem despedida?
Atordoado pela notícia, deixei que meu corpo escorregasse para o chão, a memória da última vez que nos falamos me invadindo sem piedade.
- Ninguém mais se comunica por cartas! Reclamei
- Por que insiste em me escrever, se podemos conversar normalmente por telefone?
- Por telefone não parece sincero, é artificial demais! Ele respondeu, rindo.
- E além do mais, eu gosto de escrever.
- Uma carta demora semanas para chegar até aqui! Resmunguei
- Uma ligação leva segundos. Conversamos em tempo real.
- Mas escrever uma carta é bem mais sincero! Ele rebateu, e eu podia jurar que ouvi o sorriso na voz dele.
- Mas, mudando de assunto, faltam apenas dois meses...
- Dois meses para o quê? Perguntei, confuso.
- Não se faça de desentendido, você sabe muito bem do que eu estou falando, Maxon! - disse ele, um pouco irritado.
- Simon, do que está falando? Questionei novamente.
- Do que mais séria senão o nosso encontro anual, finalmente está chegando! Respondeu, entusiasmado.
- Eu não acredito que você se esqueceu, Maxon!
Não consegui segurar o sorriso que escapou, mesmo estando à milhões de quilômetros de distância.
- Do que está sorrindo? Ele perguntou.
- Eu não me esqueci! Confessei.
- Estava apenas zoando você.
- Seu desgraçado, filho de uma...
- Cuidado com as suas palavras! O cortei.
- Lembre-se de que a sua mãe e a minha são a mesma pessoa. Infelizmente.
Ele riu, mas logo ficou sério.
- Quando vai parar de ser tão rancoroso, Maxon? Questionou.
- A mamãe realmente te amava. Não pode simplesmente esquecer e deixar o passado para trás?
Não. Eu não podia. Não queria.
- Como está o clima em Portland? Mudei de assunto, como sempre fazia.
Ele suspirou, mas entrou no jogo.
- Chuvoso, frio e cinzento! disse, com sua típica animação.
- Não está do jeito que você gosta. Mas, felizmente, quando você vier, já vai ter mudado. O sol vai estar brilhando no céu.
Ele me conhecia como ninguém. E era por isso que, apesar de tudo, eu ainda voltava a Portland, não pela cidade, mas por ele.
- O que eu acho realmente engraçado é que uma criatura como você goste de climas agradáveis e odeie tanto climas frios! Eu podia sentir a ironia dele de longe.
- Uma criatura como eu? Perguntei.
- Uma pobre alma sombria e atormentada pelo vazio da sua própria existência! Ele respondeu
- Não deveria ser eu a amar o sol ao invés de você.
"Mas você teve cuidados maternos que te ajudaram a superar a tempestade." Pensei enquanto o ouvia tagarelar.
- Eu mal posso esperar para te ver! Ele continuou
- Quero muito te apresentar a uma pessoa.
Meu coração se aqueceu. Finalmente. Talvez, finalmente, Simon tivesse encontrado alguém que correspondesse à sua bondade. Ele merecia ser feliz.
- Você vai adorar conhecê-la! Acrescentou.
- Ela é gentil, focada, trabalhadora e educada. Era para eu ter apresentado vocês dois antes, mas ela é tão ocupada...
- Ah, então é uma mulher? Provoquei.
- Você é um idiota, Maxon! Ele retrucou, e logo riu.
- Eu te amo, irmão...
A lembrança se dissipou como fumaça quando a voz fria de Madeleine voltou a invadir meu ouvido.
- Maxon? Você está me ouvindo, filho?
"Filho". Quantos anos fazia desde a última vez que ela havia me chamado assim? A palavra soava estranha, deslocada.
Um longo suspiro escapou de mim, pesado, dolorido. Me abaixei, recuperei o celular do chão e levei-o de volta ao ouvido, ainda que minhas mãos tremessem tanto que mal consegui segurá-lo.
- Eu estou voltando! Declarei, a decisão saindo de mim antes mesmo que eu pudesse refletir.
Diziam que gêmeos tinham uma conexão diferente, algo inexplicável, quase místico. Uma linha invisível que os unia para sempre.
Que mentira!
Gerados na mesma bolsa. Alimentados pelo mesmo cordão umbilical. Partilhando o mesmo sangue, as mesmas memórias de infância, os mesmos segredos. E, ainda assim, eu não consegui sentir a dor dele. Não consegui proteger o meu irmão.