Caio chamou de "acidente" e a defendeu. Ele me disse que Karina estava tão abalada que talvez tivesse que ir com ele para nossa lua de mel em Fernando de Noronha para se sentir melhor. No nosso jantar de ensaio, quando Karina sugeriu que eu tinha me machucado para chamar atenção, Caio me humilhou publicamente por chateá-la. A despedida de solteiro dele acabou sendo um encontro a sós com ela.
Eu encontrei o acordo pré-nupcial que ele queria que eu assinasse: se nos divorciássemos, eu não receberia nada. Mas o golpe final veio na noite anterior ao nosso casamento. Enquanto ele dormia, ele agarrou meu braço e sussurrou o nome dela.
"Karina... não vai."
Percebi então que eu era apenas uma substituta, um corpo quente no escuro. Meu amor por ele tinha sido uma estratégia de sobrevivência em um mundo que ele construiu para mim, e eu estava finalmente sufocando.
Na manhã seguinte, no dia do nosso casamento, eu não caminhei até o altar. Eu saí pela porta com nada além do meu passaporte e fiz uma ligação que não fazia há quinze anos. Uma hora depois, eu estava a caminho de um jato particular, deixando minha vida antiga para queimar atrás de mim.
Capítulo 1
Clara Ribeiro encarava suas mãos enfaixadas.
A gaze era grossa, limpa e branca. Por baixo dela, sua pele gritava. Uma queimadura química que ardia sem parar há dois dias.
Sua carreira não estava apenas naquela gaze. Estava sendo sufocada por ela. Uma carreira de dez anos como uma das principais modelos de mãos de São Paulo. Arruinada.
Ela ouviu a porta da frente abrir e fechar. Passos pesados e confiantes no piso de madeira.
Caio Montenegro entrou na sala de estar, afrouxando a gravata. Ele era lindo, do tipo de beleza que fazia o mundo girar. Ele tinha sido todo o meu universo desde que me tirou da minha cidadezinha no interior de Minas aos dezoito anos.
Ele era meu salvador. Meu príncipe. O homem que me prometeu uma vida que eu nem sequer poderia sonhar.
Ele olhou para as minhas mãos, a testa mal se franzindo.
"Ainda doendo?", ele perguntou. O tom era casual, como se perguntasse sobre o tempo.
Clara assentiu, a garganta apertada. "A agência ligou. Eles cancelaram a campanha dos diamantes. O cliente não pode esperar."
Um milhão e meio de reais. Perdidos.
Caio suspirou, passando a mão pelo cabelo impecável. Era um gesto de irritação, não de compaixão. "É um contratempo, Clara. Não o fim do mundo."
"Minhas mãos são o meu mundo, Caio."
"Não faz drama", disse ele, a voz ficando ríspida. Ele foi até o bar, servindo-se de um uísque. "Falei com a Karina. Ela se sente péssima. Foi um acidente. Um produto novo, uma reação ruim."
Karina.
O nome caiu como uma pedra no fundo do meu estômago. Karina Matos. Sua namorada do colégio. A dona do salão que ele insistiu que eu frequentasse.
"Ela disse que era o tratamento mais sofisticado deles", disse Clara, a voz trêmula. "Ela prometeu que era seguro."
"E ela cometeu um erro", Caio retrucou, virando-se para encará-la. Seus olhos estavam gélidos. "Você vai arruinar o negócio dela por causa de um acidente? Ela já passou por muita coisa."
A injustiça daquilo queimava mais do que o fogo químico em sua pele. Ele estava defendendo a mulher que havia destruído seu sustento.
"E eu?", ela sussurrou.
Caio tomou um longo gole de seu uísque. Ele olhou para ela, a expressão indecifrável. "Você está comigo. Você vai ficar bem."
Ele disse isso como se estivesse anunciando um fato. Como se sua presença fosse a cura para tudo.
Clara olhou para suas mãos enfaixadas novamente.
Pela primeira vez em dez anos, a segurança de suas palavras pareceu uma jaula, não um conforto.
O zumbido em sua pele não era mais apenas dor.
Era um alarme.