Clara começou a construir um muro.
Tijolo por tijolo digital.
Ela vasculhou suas redes sociais e começou a deixar de seguir os amigos de Caio, um por um. Silenciou os membros da família dele. Estava encolhendo seu mundo, cortando os fluxos de informação que pareciam pequenos cortes de papel em sua alma.
No dia seguinte, uma mensagem de texto de Karina apareceu em seu celular.
Era uma foto. Uma selfie dela e de Caio, sorrindo radiantes. Ao fundo, uma agência de viagens, com um pôster de Fernando de Noronha claramente visível atrás deles.
A legenda dizia: Ele é tão fofo, tentando me animar! Mal posso esperar por um pouco de sol! ;) xx
Clara encarou a tela até a imagem ficar embaçada.
Ela não sentiu raiva. Não sentiu ciúmes.
Ela não sentiu nada. Um vazio vasto e oco.
Ela digitou de volta uma única palavra.
Legal.
Apertou enviar e largou o celular.
Mais tarde naquela semana, ela encontrou a mesma mulher de olhos gentis do jantar de ensaio enquanto pegava um café.
"Clara, querida!", disse a mulher, o rosto cheio de preocupação. "Fiquei tão preocupada com você. Você e o Caio são um casal tão perfeito. Ele tem sido tão bom para você."
As palavras pairaram no ar. Um casal perfeito.
Clara deu um sorriso pequeno e tenso. "Nós éramos", disse ela, o tempo passado deliberado e afiado.
A mulher pareceu confusa. "Éramos?"
"As pessoas mudam", disse Clara simplesmente, pegando seu café. Ela se afastou, deixando a mulher parada ali com a boca ligeiramente aberta.
Por dentro, uma voz gritava. Ele foi bom para mim? Ele me tirou de uma jaula e me colocou em outra, mais bonita. Ele era meu dono. Isso não é bondade. É posse.
Naquela noite, ela teve um sonho.
Ela era uma menina de novo, de volta ao sítio de sua família. Seu pai estava gritando, o rosto vermelho. Sua mãe chorava silenciosamente em um pano de prato. Estavam bravos porque ela não queria se casar com o filho do vizinho. Bravos porque ela queria mais.
Então Caio apareceu na porta, banhado em luz dourada. Ele estendeu a mão. Prometeu-lhe São Paulo. Prometeu-lhe tudo.
Ela pegou a mão dele, e o sítio se dissolveu.
Ela acordou com um suspiro, o peito apertado.
O sonho não foi um conforto. Foi uma história de terror.
A maior crueldade não foi o descaso ou a traição. Foi que ele lhe deu esperança primeiro. Ele a fez acreditar no conto de fadas antes de incendiá-lo.
No dia seguinte, ela vasculhou seu armário. Encontrou o vestido que deveria usar na lua de mel. Um lindo vestido de verão branco.
Ela o segurou. Parecia um figurino para um papel que ela nunca interpretaria.
Ela o jogou em um saco de doação.
Nesse momento, Caio entrou. Ele viu o vestido no saco.
Ele riu. Um som curto e sem humor.
"Já desistindo disso?", disse ele. "Não se preocupe. Tenho certeza de que suas mãos estarão boas até o nosso primeiro aniversário."
Ele não viu isso como um ato de desapego. Ele viu como uma rendição temporária.
Ele ainda achava que ela não tinha para onde ir. Ele ainda achava que ela estaria sempre lá, esperando.
Esse foi o maior erro dele.