Juntos Ressurgimos das Cinzas
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Capítulo 3

Ponto de Vista: Gloria Almeida

O mundo do lado de fora da janela do meu hospital continuava, alheio. Carros se moviam, pessoas caminhavam, a vida se desenrolava. Lá dentro, o tempo havia parado, congelado em um quadro de luto e branco antisséptico. Três dias se passaram em um borrão de dor, soro e o silêncio sufocante da ausência do meu marido.

Então meu celular vibrou. Uma mensagem de vídeo. De Florence.

Meu polegar tremeu quando apertei o play.

A imagem que preencheu a tela era uma obra-prima de crueldade calculada. Florence, parecendo pálida e frágil em um robe de seda, estava apoiada em uma montanha de travesseiros no que era claramente a cama de Caio. O próprio Caio estava sentado na beirada, pacientemente dando sopa para ela, sua expressão uma máscara de intensa concentração e preocupação. César estava do outro lado dela, descascando uma fruta com uma pequena faca de prata.

- Vocês dois são simplesmente os melhores - arrulhou Florence, sua voz um sussurro açucarado. Ela colocou a mão em sua barriga ainda lisa. - Obrigada por cuidarem tão bem de mim... e do bebê. Eu não sei o que faria sem vocês.

A câmera se moveu um pouco, mostrando uma multidão de amigos e familiares reunidos no quarto, todos olhando com sorrisos de adoração. Era uma festa. Uma celebração.

Alguém fora da câmera perguntou:

- Onde está a Gloria? Ela não deveria estar aqui?

A pergunta foi rapidamente abafada por um coro de elogios sobre como os gêmeos Conrad eram devotados.

O vídeo terminou.

Não era uma mensagem. Era uma volta da vitória. Uma provocação deliberada e cruel.

Olhei para Charlene. Ela segurava seu próprio celular, o rosto uma máscara rígida de fúria. Ela havia recebido exatamente o mesmo vídeo.

- É isso - disse ela, a voz perigosamente calma. - Cansei de ficar triste. Agora, estou apenas com raiva.

- Eu também - sussurrei, um fogo frio se acendendo em meu peito. Respirei fundo, a dor nas minhas costelas uma pontada surda. - Faça a ligação, Char.

Enquanto Charlene contatava o advogado da nossa família, naveguei até o portal oficial do governo no meu celular. Meus dedos voaram pela tela, preenchendo os formulários. Nome: Gloria Almeida. Cônjuge: Caio Conrad. Motivo da dissolução: Diferenças irreconciliáveis.

Apertei 'enviar' sem um momento de hesitação. Um e-mail de confirmação chegou instantaneamente. O divórcio estava protocolado. O primeiro tiro oficial em nossa guerra havia sido disparado. Encaminhei os documentos para o e-mail pessoal de Caio com um simples assunto: Assinatura Necessária.

Dois dias se passaram. O silêncio do lado dele era absoluto. Nenhum e-mail. Nenhuma ligação. Nenhum sinal de reconhecimento através do nosso elo agora rompido. Era como se eu não existisse. Minha paciência, já por um fio, se partiu.

Disquei o número dele. Ele atendeu no segundo toque.

- O que você quer, Gloria? - Sua voz era dura, impaciente.

- Você recebeu meu e-mail?

- Estive ocupado. E, francamente, depois da sua ceninha, você tem sorte de eu estar falando com você. Você tem alguma ideia do problema que causou? Arrastando a Charlene para o seu melodrama.

- Você. Recebeu. O e-mail.

- Sim, eu recebi a porcaria do e-mail! - ele explodiu. - E pode esquecer. Não vou assinar nada. Você quer agir como uma criança, tudo bem. Mas você ainda é minha esposa. Agora pare de me incomodar. Se continuar com isso, talvez eu nem queira mais voltar para casa.

A arrogância pura e estonteante daquilo me deixou sem palavras. Ele achava que isso era um jogo. Uma birra. Ele achava que eu estava tentando chamar sua atenção. O narcisismo egocêntrico era tão profundo que era quase cômico.

Então ouvi a voz dela ao fundo, doce como mel.

- Caio, querido, quem é? Está tudo bem?

Ele a silenciou, mas não antes de eu ouvi-lo murmurar:

- Apenas negócios.

Uma risada amarga escapou dos meus lábios.

- Ocupado cuidando da Florence, pelo visto. Ela está se sentindo melhor? Sei como uma unha quebrada pode ser traumática.

- Não se atreva a falar dela assim! - ele rosnou. - Ela não está se sentindo bem. Ela está grávida, pelo amor de Cristo. Ela precisa ser cuidada. Ela precisa de descanso.

Grávida. Bebê. As palavras foram como punhais no meu coração. Minha visão turvou. Todo o ar saiu dos meus pulmões.

- E o nosso bebê, Caio? - A pergunta era uma ferida aberta, arrancada da parte mais profunda da minha alma. - Você alguma vez perguntou sobre o nosso bebê? Seu filho?

Seu silêncio foi uma confissão.

Então a voz de Florence, mais perto desta vez, escorrendo falsa simpatia.

- Oh, Gloria, queridinha, você ainda está chateada com isso? Eu sinto muito, muito mesmo pela sua perda. De verdade. Mas talvez... talvez tenha sido para o melhor. Você parece tão... instável. Provavelmente é uma bênção disfarçada.

Um som estrangulado saiu da minha garganta. Minha mão voou para a minha boca como se para conter o grito que se formava dentro de mim. O quarto começou a girar. Eu não conseguia respirar. Uma dor física, aguda e lancinante, atravessou meu abdômen, um eco do chute que tirou meu filho de mim.

E Caio... Caio não disse nada. Ele a deixou dizer aquilo. Ele a deixou chamar a morte de seu filho de uma 'bênção'.

- Viu? - ele finalmente disse, a voz fria e distante. - Você está histérica. A Florence está certa. Você precisa se acalmar.

Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e silenciosas. Ele nunca entenderia. Ele nunca se importaria. Para ele, nosso filho era um inconveniente. Minha dor era um drama. Eu era apenas um incômodo no caminho de sua devoção a ela.

Ele já havia cortado o elo mental, mas agora parecia que ele estava rompendo minha própria alma. A conexão murchou e morreu, deixando um vazio negro e escancarado onde costumava estar.

A dor era avassaladora. Deixei o telefone cair e me curvei, um soluço cru e animalesco rasgando meus pulmões.

Charlene estava ao meu lado em um instante, seus braços me envolvendo, suas próprias lágrimas molhando meu cabelo.

- Ele não vale a pena, Glo - ela sussurrou ferozmente, a voz grossa de raiva. - Ele é um monstro. Os dois são.

Ela pegou meu celular, seus olhos ardendo.

- Não vamos esperar pela permissão deles - disse ela, a voz como aço.

- Vamos direto à Justiça. Vamos conseguir um divórcio litigioso. Vamos ver se eles ignoram isso.

            
            

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