No dia em que recebemos alta, estávamos na ala administrativa do hospital finalizando a papelada quando o vi. César. Ele corria pelo corredor, o rosto marcado pela preocupação, um buquê de flores caras na mão. Ele nem sequer olhou em nossa direção, seus olhos fixos em uma porta no final do corredor.
A placa acima da porta dizia: Maternidade.
Um nó frio se formou no meu estômago. Sem uma palavra, Charlene e eu o seguimos, mantendo-nos nas sombras do corredor. Observamos enquanto ele entrava em um quarto particular. A porta foi deixada ligeiramente entreaberta.
Lá dentro, Florence estava apoiada na cama, parecendo radiante. E ao lado dela, Caio balançava gentilmente um pequeno berço. Um bebê. O bebê dela.
- Estou com tanto medo, gente - Florence choramingou, agarrando a mão de Caio. - Dar à luz foi a coisa mais difícil que já fiz. Me sinto tão fraca.
César correu para o lado dela, colocando as flores em sua mesa de cabeceira e acariciando seu cabelo.
- Shh, Flo. Estamos aqui. Cuidaremos de tudo. Você só precisa descansar.
Os três formavam um quadro perfeito e doentio de felicidade doméstica. Uma família feliz.
Minha mão instintivamente foi para minha própria barriga lisa e vazia. Ao meu lado, Charlene fez o mesmo. A dor fantasma de nossa perda compartilhada era tão intensa que era quase física.
Agarrei o braço de Charlene, minhas unhas cravando em sua carne.
- Vamos embora - engasguei, puxando-a para longe antes que o grito que eu estava engolindo pudesse escapar.
De volta à segurança do nosso apartamento alugado, enviei uma única mensagem de texto para Caio: *Torre Conrad. Escritório do meu advogado. Amanhã às 10h. Esteja lá para assinar os papéis. Se não estiver, entrarei com o divórcio litigioso e citarei abandono de cônjuge e negligência criminosa durante uma emergência médica.*
A ligação dele veio menos de um minuto depois. Deixei cair na caixa postal. Ele ligou de novo. E de novo. Uma enxurrada de mensagens de texto raivosas e exigentes se seguiu. Desliguei meu celular. A dinâmica de poder havia mudado. Eu cansei de implorar por sua atenção.
Na manhã seguinte, Charlene e eu fizemos uma última parada antes da reunião. Fomos à delegacia central da cidade e registramos um boletim de ocorrência oficial sobre o atropelamento e fuga, detalhando o ataque, nossos ferimentos e, o mais importante, a recusa de nossos maridos em ajudar.
O policial que registrou nossa queixa parecia sério.
- Esta é uma acusação grave. Por que esperaram três semanas para denunciar?
Uma risada amarga me escapou.
- Porque os homens que deveriam nos proteger nos disseram que estávamos sendo dramáticas e que deveríamos resolver sozinhas. Estávamos no hospital, policial. Sozinhas. - Empurrei um arquivo pela mesa. - Já solicitei os registros telefônicos daquela noite. Você encontrará nossas chamadas de socorro e encontrará as recusas deles.
Seus olhos se suavizaram com simpatia. Ele carimbou o boletim.
- Iniciaremos uma investigação completa.
Quando saímos, meu celular vibrou. Outro vídeo de Florence. Era um close do bebê, dormindo pacificamente. A legenda dizia: *Ele se parece com o papai, não acham?* A mensagem havia sido enviada para um grupo que incluía metade da elite de São Paulo. As respostas foram uma enxurrada de parabéns, com pessoas debatendo se o bebê tinha os olhos de Caio ou o queixo de César.
Eles estavam reivindicando publicamente o filho dela, enquanto o mundo permanecia ignorante de que o verdadeiro filho de Caio estava morto.
A raiva era uma chama limpa e fria dentro de mim.
Quando liguei meu celular novamente naquela noite, havia trinta e sete chamadas perdidas de Caio. Liguei de volta.
- Onde diabos você esteve? - ele rugiu antes que eu pudesse falar. - Fui até a casa. Está vazia. Você tirou suas coisas. Que porra está acontecendo, Gloria? Que jogo você está jogando?
- Não há jogo, Caio.
- Então o que é isso? E o que você fez com a Charlene? Ela não atende nenhuma das ligações do César. Você a envenenou contra ele!
Ao meu lado no sofá, Charlene, que estava ouvindo no viva-voz, arrancou o telefone da minha mão. Sua voz era puro gelo.
- Escute aqui, seu cretino arrogante - ela rosnou. - Minha irmã não me envenenou. Você e seu irmão fizeram isso, com sua adoração patética e obsessiva por aquela cobra manipuladora que vocês chamam de meia-irmã. Casar com você foi o maior erro da minha vida, mas é um que estou prestes a corrigir. Estamos nos divorciando de vocês porque vocês não são homens. São garotinhos patéticos e codependentes. E nós terminamos com vocês.
Ela desligou e imediatamente bloqueou os números dos dois.
Na manhã seguinte, houve uma batida hesitante em nossa porta. Era Florence, segurando seu recém-nascido, o rosto uma máscara de vulnerabilidade ensaiada.
- Gloria, Charlene, eu sinto muito, muito mesmo - ela começou, lágrimas brotando em seus olhos enquanto se ajoelhava em uma exibição dramática de remorso. - A culpa é toda minha. Os meninos... eles se preocupam tanto comigo. Eu disse a eles para ligarem para vocês naquela noite, juro que disse, mas eles estavam tão focados em mim.
Ela estava se fazendo de vítima. Tentando nos manipular uma última vez.
Olhei para ela, minha expressão impassível.
- Você está aqui para me dar sua permissão para me divorciar do meu marido, Florence?
Suas lágrimas falsas pararam. Seus olhos se estreitaram.
- Eu só quero que todos nós sejamos uma família novamente.
- Pare - eu disse, minha voz baixa e perigosa. - Pare de se fazer de vítima. Nós duas sabemos o que você é.
Nesse momento, o elevador no final do corredor apitou. Quando as portas se abriram, Florence soltou um suspiro teatral, apertou o peito e deliberadamente tropeçou para trás, desabando no chão.
Caio saiu furioso do elevador. Ele viu Florence no chão e eu de pé sobre ela. Seu rosto se contorceu de raiva.
- O que você fez com ela? - ele berrou, me empurrando com tanta força que perdi o equilíbrio e bati contra a parede. Charlene me segurou antes que eu caísse no chão.
Ele me ignorou completamente, correndo para o lado de Florence.
- Flo, você está bem? Ela te machucou? O bebê está bem?
Depois de se certificar de que ambos estavam ilesos, ele se virou para mim, seus olhos ardendo com uma luz assassina.
Seu olhar desceu do meu rosto para a minha barriga. Para a minha barriga lisa, não grávida. A fúria em seus olhos lentamente se transformou em confusão, depois em horror crescente.
- Gloria... - ele sussurrou, a voz tremendo pela primeira vez. - Onde está o bebê? Onde está o nosso filho?