Ele não me deixou terminar. Ele caminhou até a grande mesa de entrada, pegou um pesado vaso de cristal – um presente de Augusto – e o espatifou no chão. Cacos de vidro explodiram pelo mármore como confete mortal.
"Não se atreva a pronunciar o nome dele", Caio rugiu, o peito arfando. Ele pegou um punhado dos pedaços maiores e irregulares. "Você tem alguma ideia do que passamos? Comendo comida estragada, morando num apartamento de um cômodo com ratos, enquanto você estava aqui, dormindo em lençóis de seda!"
Ele se agachou, forçando meu queixo para cima com uma mão enquanto a outra trazia o vidro afiado para minha boca. "Você quer conversar? Tudo bem. Coma isso."
Ele enfiou o vidro na minha boca.
O mundo se dissolveu em uma cacofonia de dor. As bordas afiadas como navalhas cortaram meus lábios, minha língua, o interior das minhas bochechas. Uma onda de náusea subiu pela minha garganta, mas eu não conseguia vomitar, não conseguia respirar. O gosto metálico do meu próprio sangue preencheu meus sentidos.
Tentei levantar uma mão, arranhar seu rosto, empurrá-lo para longe, mas era como se mover debaixo d'água. Meus membros estavam pesados, inúteis.
Então, uma nova dor excruciante. O salto agulha de sola vermelha de Jéssica desceu com força sobre minha mão estendida, prendendo-a no chão. Ouvi um estalo doentio, e uma agonia incandescente subiu pelo meu braço.
Um grito se formou na minha garganta, mas ficou preso, silenciado pelo vidro e pelo sangue. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, borrando seus rostos demoníacos em um quadro grotesco.
Caio finalmente afastou a mão, um olhar de satisfação sombria no rosto. Ele cuspiu no chão ao lado da minha cabeça. "É isso que prostitutas mentirosas ganham."
Meu corpo inteiro tremia com uma dor tão imensa que parecia que eu estava me partindo. Mas então, meu olhar caiu sobre Jéssica. Ela estava movendo o pé, lenta e deliberadamente. O salto fino e pontudo de seu sapato pairava diretamente sobre a curva da minha barriga.
Um novo tipo de terror, uma rajada ártica de pavor, congelou o sangue em minhas veias.
"Não", a palavra foi um sussurro mutilado e sangrento. "Por favor... o bebê não."
Com uma força que eu não sabia que possuía, eu me lancei, minha mão esmagada esquecida. Enrolei meus dedos em seu tornozelo fino, meu aperto uma morsa desesperada de ferro. Eu morreria antes de deixá-la machucar meu filho.
Este bebê não era apenas um desejo. Foram três anos de esperança silenciosa e decepções esmagadoras. Três anos de exames invasivos, procedimentos dolorosos e conversas sussurradas com especialistas que todos diziam a mesma coisa: o acidente de Augusto havia deixado suas chances de ter um filho perto de zero. Esta gravidez era um milagre. Uma chance em um milhão que trouxe uma luz aos olhos reservados de Augusto que eu nunca tinha visto antes. Este bebê era nosso tudo.
Jéssica me olhou com desdém, o lábio curvado em nojo. "Olhe para você. Como uma cadela protegendo seus filhotes. É patético."
"Acabe logo com isso, Jéssica", disse Caio impacientemente, limpando a mão ensanguentada nas calças. "Não quero que ninguém descubra que uma Soares deu à luz um bastardo enquanto vivia sob o teto dos Mendonça. É humilhante."
A ordem era explícita. A intenção, monstruosa.
"Livre-se disso."
Minha cabeça balançava para frente e para trás, um gesto frenético e inútil. Sangue e saliva escorriam do meu queixo, misturando-se com os detritos no chão. Tentei falar, gritar, fazê-los entender o erro catastrófico que estavam cometendo.
Finalmente, com um esforço de revirar o estômago, consegui cuspir os cacos de vidro. O alívio foi instantaneamente substituído por uma necessidade desesperada de fazê-los me ouvir.
"Augusto", solucei, o nome rasgando minha garganta ferida. "O bebê é do Augusto! Ele é o pai!"
Olhei do semblante incrédulo de Caio para o sorriso zombeteiro de Jéssica, meu coração afundando a cada batida. "Estou dizendo a verdade. É o filho dele. Seu sobrinho."
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