Julietta retornou para a mesa onde Rita e Theo a esperavam. O riso dos dois cessou quando viram a expressão dela.
- O que houve? - Rita perguntou.
Julietta contou tudo: o encontro no corredor, o olhar fulminante de Heitor e a acusação absurda de que ela o estava perseguindo.
Os dois se entreolharam e levaram as mãos à testa ao mesmo tempo.
- Achamos que jogar sinuca ia distrair você, mas parece que sua sorte resolveu brincar pesado. - Rita suspirou. - Se fosse realmente sério, ele já teria te chamado para se explicar. Então, relaxa. Pelo menos, você não vai precisar "persegui-lo" de novo.
Julietta se encolheu na cadeira. A palavra soava como uma sentença. Não queria ser vista como alguém obcecada pelo próprio chefe, e ainda assim... tudo apontava para isso.
Cansados, decidiram encerrar a noite.
***
Julietta tentou se convencer de que merecia descansar: um filme, depois a lavanderia. Mas a paz durou pouco. Um e-mail chegou em sua caixa de entrada.
"Compareça ao meu escritório amanhã cedo. Código de acesso em anexo. - H. Vasconcellos"
Frio, direto, sem explicações. Bastaram duas linhas para roubar todo o descanso do domingo. A cada hora que passava, o peso daquele chamado aumentava. Julietta não conseguia relaxar.
Na manhã seguinte, ela forçou uma expressão determinada antes de bater à porta. Por dentro, estava um caos. Mas sabia que mostrar fraqueza só a prejudicaria.
- Bom dia, senhor - saudou, a voz trêmula.
Heitor não respondeu de imediato. Apenas a observou por longos segundos que pareceram uma eternidade. Em seguida, empurrou um arquivo em sua direção.
O coração de Julietta disparou. Seus dedos tremeram ao segurar a pasta, certa de que era sua carta de demissão. Esperava ao menos uma explicação antes de ser dispensada.
Mas a voz de Heitor quebrou o transe:
- Srta. "July", sente-se. Leia este projeto e me dê sua opinião.
Julietta o encarou como se tivesse visto dois chifres brotarem de sua cabeça. Ele estalou os dedos diante dela, impaciente, e apontou para o arquivo.
Atordoada, abriu o documento. As letras se embaralhavam diante de seus olhos. Como poderia focar se passara a noite inteira imaginando seu fim naquela empresa?
Tudo o que precisava naquele momento era um instante longe daquele olhar incandescente, só para recuperar o fôlego. Mas com Heitor Vasconcellos, escapar parecia impossível.
Parecia que suas preces tinham sido atendidas. O celular de Heitor tocou, e ele se afastou para atender a ligação. Julietta soltou o ar, aliviada. Não seria demitida naquele dia.
Um fio de esperança se acendeu dentro dela: talvez aquela fosse sua chance de mostrar que era digna do cargo. Passara dias se martirizando pela imagem de funcionária inadequada e incompetente. Mesmo sem conseguir desfazer o mal-entendido, ainda assim Heitor havia confiado a ela um projeto importante. Isso, por si só, mostrava a grandeza do homem.
Enquanto o aguardava, Julietta refletia. Compreendia, naquele instante, que todos os prêmios e títulos conquistados por ele não eram mero acaso. Para chegar tão jovem a uma posição tão respeitada, era preciso ter visão além do comum, entender pessoas, prever situações e lidar com responsabilidades colossais. Heitor sabia calcular consequências como ninguém.
E se havia colocado aquele arquivo em suas mãos, cabia a ela apenas obedecer - e provar seu valor.
Determinada, Julietta começou a anotar pontos importantes. Quinze minutos depois, Heitor retornou e sentou-se diante dela, esperando sua análise.
- Sr. Vasconcellos - disse com firmeza. - O projeto não é viável.
As sobrancelhas dele se ergueram. A resposta curta o surpreendera.
- Por quê?
- O custo é extremamente alto. E, pelo que li no esboço, não faz sentido a Vértice Global se envolver em algo tão mundano.
Heitor reclinou-se na cadeira.
- Mas é uma licitação restrita. Poucas empresas receberam convite do governo. Por cortesia, a Vértice Global deve estar entre as propostas. Prepare um orçamento básico e uma alocação de fundos para o centro de convenções.
Julietta respirou fundo.
- Senhor, se vamos propor um orçamento e participar da licitação, significa que estamos tratando como um projeto autônomo.
- E você acabou de dizer que não era viável.
- Não volto atrás em minhas palavras, Sr. Vasconcellos. O relatório tem poucas informações para uma decisão sólida. Mas, com dados melhores, é possível transformar essa proposta em algo viável.
Heitor a encarou, intrigado.
- E como pretende obter esses dados?
- Sugiro uma visita ao local, com o apoio de alguns técnicos.
- Quem exatamente?
- Um engenheiro estrutural, um arquiteto e um corretor de imóveis, por ora.
Heitor chamou Jade e ditou os nomes necessários para a visita técnica. Julietta se sentiu mais aliviada ao saber que Augusto Ribeiro também participaria. Trabalhar ao lado de alguém conhecido lhe traria confiança - talvez fosse justamente essa a intenção de Heitor ao incluí-lo.
Com o arquivo e suas anotações em mãos, Julietta seguiu o grupo até o carro da empresa. Heitor, claro, partiu em seu carro, um Maybach Exelero, imponente, símbolo do poder que carregava até nos mínimos detalhes.