"Quem é o garoto bonito?", Kaila arrulhou, sua voz enjoativamente doce. Ela coçou o cachorro atrás das orelhas.
Zeus, sempre leal, abanou o rabo.
"Sua mamãe sente sua falta?", Kaila continuou, sua voz tornando-se afiada. "A velha desgraçada se pergunta onde foi parar seu brinquedo favorito?"
Ela pegou uma pequena cópia impressa do brasão da família Franco e lambeu o verso. Ela o colou na testa do cachorro.
"Pronto. Agora você se parece com os ancestrais dela. Uma longa linhagem de perdedores falidos e patéticos."
Ela riu, um som agudo e penetrante.
Então, seu rosto endureceu.
Ela deu um tapa no focinho do cachorro. Forte.
Zeus latiu, surpreso e magoado, e se encolheu para longe dela.
"Cachorro mau", ela sibilou. "Você não deveria ser fraco. Você deveria ser um matador. Como ela."
Ela chutou o cachorro nas costelas.
Zeus choramingou, um som baixo e doloroso. Ele não revidou. Ele apenas ficou ali, confuso e com medo, olhando para a câmera com olhos suplicantes.
Estranhamente, enquanto Kaila continuava suas provocações e chutes, os gemidos do cachorro se transformaram em outra coisa. Um rosnado baixo que soava como excitação. Seu rabo deu algumas batidas hesitantes no chão.
Era perverso. Antinatural.
Glória assistiu ao vídeo inteiro de dois minutos sem mudar de expressão.
Quando acabou, ela fechou o laptop.
O silêncio em seu escritório era absoluto.
Marcos entrou, com o rosto sombrio. Ele segurava um envelope grosso e creme.
"Chegou", disse ele.
Ele o entregou a ela.
Era um convite. Gravado em caligrafia dourada estavam as palavras:
Caio Arruda e Kaila Contreras solicitam a honra de sua presença em seu casamento, enquanto celebram sua união e o início de sua nova família.
O casamento seria em um mês. Em sua nova propriedade em Angra dos Reis.
"Precisamos acelerar o plano", disse Marcos, sua voz urgente. "Podemos vazar a conexão com o cartel agora. A CVM congelará seus ativos. Acabará."
Glória balançou a cabeça.
"Não", disse ela suavemente.
Ela olhou para o convite, para a escrita elegante e sinuosa anunciando o início de sua nova família.
"Ele quer uma celebração. Um grande espetáculo."
Ela se levantou e caminhou até a parede de janelas, olhando para as luzes da cidade.
"Então, nós lhe daremos um."
Um sorriso frio se espalhou por seu rosto.
"O casamento prosseguirá como planejado. É importante dar a um homem um dia de felicidade perfeita antes de destruí-lo."
O dia do casamento chegou, uma tarde perfeita e ensolarada em Angra dos Reis.
A propriedade era uma monstruosidade de vidro e pedra branca, com vista para o Atlântico. Centenas de convidados circulavam pelos gramados bem cuidados, bebendo champanhe e comendo ostras.
Um padre estava em um palco enfeitado de flores, contando à multidão reunida a história de conto de fadas do amor de Caio e Kaila.
Ele falou de como Caio, um homem que se fez sozinho de origens humildes, estava perdido na escuridão do mundo corporativo até encontrar sua luz, sua salvação, em Kaila.
Glória, assistindo de uma varanda escondida, quase riu.
Origens humildes. Ela era suas origens. Ela o tirou da sarjeta e o poliu até ele brilhar. Ele não se fez sozinho; ele foi feito por Glória.
A voz do padre se encheu de emoção. "E agora, por favor, recebam a linda noiva, Kaila Contreras!"
Todos os olhos se voltaram para o céu.
Um balanço branco, coberto de seda, suspenso por um guindaste escondido atrás da propriedade, começou sua lenta descida.
A noiva sentava-se no balanço, seu rosto obscurecido por um longo véu tradicional.
Caio estava no altar, seu rosto brilhando de adoração, sua mão estendida para receber sua noiva.
O balanço pousou suavemente no palco.
Caio, radiante, ajoelhou-se.
Ele pegou a mão da noiva e levantou o véu.
Não era Kaila.
Não era uma pessoa.
Era a carcaça selvagem e ensanguentada de Zeus, o Doberman.
O colar de esmeraldas ainda estava em seu pescoço, incrustado de sangue seco. Sua mandíbula estava travada em um rosnado post-mortem, e seus olhos mortos encaravam Caio sem expressão.
Um suspiro coletivo percorreu a multidão.
Alguém gritou.
Depois outro.
Caio recuou, seu rosto uma máscara de puro horror, sua boca aberta em um grito silencioso.
O cadáver do cachorro sentava-se no balanço, vestido com um véu de noiva, uma paródia grotesca de uma noiva.
Da varanda acima, um único som cortou o pânico crescente.
O som de palmas lentas e deliberadas.
Glória saiu para a luz, uma taça de champanhe na mão.
"Bem, Caio", ela chamou, sua voz amplificada pelo sistema de som da propriedade. "Não seja rude. Vá em frente. Beije a noiva."