Finalmente desisti de dormir e fui para a varanda, acendendo outro cigarro. A fumaça ainda era áspera, mas a queimação nos meus pulmões era uma distração bem-vinda do fogo ao redor do meu pescoço. Fumei o maço inteiro, um após o outro, até que o sol começou a manchar o horizonte de um cinza doentio.
Na manhã seguinte, encontrei Isabela na sala de jantar, tomando chá como se morasse ali a vida inteira.
Ela olhou para mim, seus olhos demorando no meu cabelo massacrado e na ferida vermelha e em carne viva no meu pescoço. Um sorriso pequeno e cruel brincou em seus lábios.
"O aniversário de Dante é em algumas semanas", disse ela, sua voz como mel misturado com veneno. "Também será nossa festa de noivado. Estava pensando em um tema. O que você acha que ele gostaria? Você o conhece há tanto tempo."
A pergunta foi um golpe calculado. Ela estava me pedindo para planejar a celebração da minha própria ruína.
Uma memória surgiu, sem ser convidada. Uma noite chuvosa, anos atrás. Dante tinha acabado de voltar de uma "reunião de negócios", seus nós dos dedos machucados e um corte recente sobre o olho. Ele me encontrou na cozinha e, por um raro momento, a máscara escorregou. Ele parecia cansado, quase assombrado.
Ele se encostou no balcão, sua voz mal um sussurro. "Quando eu terminar com tudo isso, Sofi, quando todos os meus inimigos se forem, vou te levar para minha ilha particular. Ninguém nunca nos encontrará lá."
A memória era tão vívida que doía. Eu a empurrei para baixo, para o fundo do buraco negro onde guardava todas as outras lindas mentiras.
"Eu não saberia", eu disse, minha voz oca. "Não me preocupo com os assuntos do Don Moretti."
Nesse momento, Dante entrou. Ele olhou de mim para Isabela, seu olhar impassível.
"Meus assuntos", disse ele, sua voz cortando o ar, "não são da sua conta." Ele estava falando comigo, reforçando a fronteira que havia traçado.
Virei-me para sair, minhas bochechas queimando de vergonha.
"Onde você vai?", ele exigiu.
"Ao consulado", eu disse, minha voz tensa. "Preciso resolver meu visto para a faculdade." A mentira veio fácil. A carta de aceitação universitária falsificada de Buenos Aires estava guardada em segurança na minha bolsa.
A postura inteira de Dante mudou. A indiferença desapareceu, substituída por um lampejo de posse violenta. Ele atravessou a sala em duas passadas, agarrando meu queixo e me forçando a olhá-lo. Seus dedos cravaram na minha mandíbula, com força.
"Que faculdade?", ele sibilou. "E com quem? Não pense que eu não sei o que você é, Sofia. Se você se atrever a começar a andar por aí com algum vira-lata imundo de fora desses muros, eu quebrarei as pernas dele. Depois quebrarei as suas."
Suas palavras estavam carregadas de um ciúme familiar e aterrorizante. O mesmo ciúme que uma vez me fez sentir segura, querida. Agora, parecia apenas uma corrente.
Isabela se adiantou, colocando uma mão gentil em seu braço. "Dante, querido, solte-a. Você está a assustando. Ela é apenas uma criança."
Ele me soltou, seus olhos ainda cravados nos meus. Eu recuei, a vontade de tocar minha mandíbula machucada avassaladora. Eu resisti. Não mostraria fraqueza. Não na frente dela.
Mais tarde naquele dia, em frente ao Consulado Argentino, meu celular vibrou. Era uma notificação da conta de mídia social privada de Dante, uma que eu tinha o privilégio de seguir. Ele havia postado uma foto.
Era uma foto profissional dele e de Isabela. Ele estava em um terno perfeitamente ajustado, ela em um deslumbrante vestido de noite, em pé diante do enorme brasão esculpido da família Moretti no grande salão. Eles pareciam um rei e uma rainha.
A legenda eram duas palavras.
*Minha Rainha.*
Minha visão turvou. Parecia que o mundo tinha virado de cabeça para baixo, me desequilibrando. Aquela palavra. Rainha. Ele havia matado a princesa e coroado uma nova rainha, tudo de uma só vez.
Meus dedos se moveram por conta própria, digitando um comentário de uma nova conta anônima que eu havia criado apenas para isso. Escrevi em latim, uma língua que ele me forçou a aprender, uma língua de impérios e fins.
*Sic transit gloria mundi.*
*Assim passa a glória do mundo.*
Então, eu o bloqueei. Bloqueei sua conta, apaguei seu número e limpei todos os vestígios digitais dele da minha vida. Tinha acabado.