Meus pés descalços deslizaram pelo chão de madeira frio até meu armário. Puxei uma mala de lona empoeirada da prateleira de cima. Um por um, juntei os fantasmas da minha vida com Dante. O pequeno medalhão de prata com o brasão dos Moretti que ele me deu no meu décimo quinto aniversário. O frasco de perfume "Mar de Coral" que ele me comprou porque disse que cheirava a um lugar para onde me levaria um dia, um lugar sem sangue e sem segredos.
Todos foram para a mala. Relíquias de uma fé morta.
Debaixo da minha cama havia uma caixa de madeira trancada. Dentro estava meu diário. Folheei as páginas, meus dedos traçando a caligrafia frenética e feminina. Era uma história patética da minha devoção. Cada palavra gentil, cada pequeno gesto dele, era registrado e analisado como escritura sagrada.
Então eu encontrei. Uma página de anos atrás, depois que um rival tentou me enviar uma "mensagem" fazendo seus capangas me seguirem da escola para casa. Dante cuidou deles. Eu nunca mais os vi. Naquela noite, ele encontrou meu diário aberto na minha escrivaninha. Ele não disse nada, mas na manhã seguinte, encontrei uma nova entrada escrita com sua caligrafia afiada e agressiva. Não era com tinta. Era com sangue.
*Sofi é propriedade dos Moretti. Toque nela e morra.*
Propriedade.
A palavra me atingiu com força, tirando o ar dos meus pulmões. Não uma irmã. Não uma protegida. Nem mesmo uma pessoa. Eu era uma coisa. Um bem a ser protegido, como seus carros ou sua coleção de armas antigas. Sua proteção não era sobre amor. Era sobre posse.
Um soluço rasgou minha garganta, cru e feio. Com mãos frenéticas e trêmulas, comecei a arrancar as páginas do diário. Rasguei cada memória querida, cada esperança secreta, até que tudo o que restou foi uma pilha de pedaços do tamanho de confete do meu próprio coração tolo.
No dia seguinte, Isabela se mudou oficialmente para o quarto ao lado do de Dante. Meu quarto. O que eu costumava ter antes de ser transferida para a ala de hóspedes no ano passado porque estava "virando uma mulher".
Ela me convocou para a sala de estar. A família inteira - os capos de Dante, seus tenentes - estava lá, uma audiência silenciosa para minha humilhação.
Isabela sorriu, uma expressão condescendente e plácida. "Sofia, querida. Um presente de boas-vindas."
Ela ergueu um colar. Não era a prata ou o ouro delicado a que eu estava acostumada. Era uma faixa grossa e extravagante de algum metal escuro e barato, cravejada de pedras brilhantes que formavam o brasão da família Vescovi. Não era um colar. Era uma coleira.
Minha respiração falhou. Eu era alérgica a ligas baratas. Dante sabia disso. Ele uma vez jogou fora uma pulseira que uma amiga da escola me deu, seu lábio se curvando em nojo ao ver a erupção vermelha se formando no meu pulso.
Eu olhei para ele, implorando com os olhos. *Não faça isso. Por favor.*
Seu rosto era uma máscara de indiferença. Ele encontrou meu olhar, seus olhos escuros frios e vazios, e proferiu a sentença.
"Pegue."
Sua voz era monótona. Final. Era uma ordem. Na frente de todos, ele estava mostrando a eles meu novo lugar na hierarquia. Abaixo dele. Abaixo dela.
Minhas mãos tremiam enquanto eu pegava a coleira. Os dedos de Isabela roçaram nos meus enquanto ela a prendia em volta do meu pescoço. O metal estava frio, pesado.
"Combina com você", ela ronronou, alto o suficiente para todos ouvirem. "Todo bichinho de estimação deveria ter uma coleira."
As risadas foram educadas, mas pareceram pedras sendo atiradas em mim. Fiquei ali, de cabeça baixa, enquanto o metal começava a aquecer contra minha pele. A coceira familiar e ardente começou quase imediatamente, um anel de fogo se apertando em volta da minha garganta.
Eu não cocei. Eu não chorei. Apenas fiquei ali e deixei queimar, me marcando com a verdade. Eu era propriedade. E acabara de ser entregue a um novo dono.