Corro desesperado. Contudo, o cenário se dissolve em sombras escuras e distorcidas, como um maldito labirinto sem saída. Cada passo me afasta dela. Cada tentativa de encontrá-la é inútil. Entretanto, o som das suas súplicas aumenta. É desesperador. Até que sinto a minha respiração falhar.
- Papai, não me deixe!
...
Acordo em um sobressalto. A tensão angustiante me faz levar as mãos para o meu rosto em uma tentativa de me acalmar. Respiro fundo algumas vezes e segundos depois levanto-me da cadeira executiva, e caminho até a parede de vidro do amplo escritório. Ponho as mãos nos bolsos e fito o céu escuro.
- Está tudo pronto, Blade. - Vicenzo, meu irmão mais novo e chefe da minha segurança, avisa, entrando de repente no meu escritório, dentro de uma danceteria. Contudo, permaneço de costas para ele, apenas observando a noite desprovida de estrelas.
Lembrar que perdi tudo na mesma noite em que os gritos da minha família se calaram é o atormento que carrego comigo – e não estou falando de dinheiro ou de bens materiais. Estou falando sobre o meu tudo. A minha vida. Desde então não tenho paz e o silêncio me mata um pouco a cada dia. Uma decisão errada trouxe o caos e a destruição, e, desde então, acordo com os gritos das pessoas que mais amei nesse mundo. Mas isso não é tudo. O olhar frio e implacável do homem que roubou a minha felicidade de forma cruel e desumana está sempre me acompanhando. Aquele olhar me assombra, me consome e me lembra de que a justiça que o mundo me negou só poderá vir pelas minhas próprias mãos.
- Solte o som, Vicenzo - ordeno baixo e calmo, ainda sem olhá-lo.
Para chegar até aqui precisei tornar-me um homem vil e impiedoso. Cada inimigo que derrubei foi mais um tijolo na fortaleza que construí em torno de mim. Hoje sou temido e respeitado, mas nada disso preenche o vazio dentro de mim ou acalma a fúria que arde em minhas entranhas. Entretanto, estou pronto para pôr o meu plano de vingança em prática e eu até já tenho o meu alvo.
Penso, olhando fixo para a linda mulher que entra na minha boate de braços dados com o poderoso Vittorio Leone.
- Ele chegou, chefe. - Alguém avisa o óbvio, e finalmente viro-me para encará-los.
- Ótimo. Já sabem o que fazer - rosno. Vicenzo faz um gesto para o seu homem, que sai imediatamente. - Leve-o para a sala VIP e sirva o melhor da casa para ele e seus convidados.
- Certo. - Sem me contestar, Vicenzo me dá as costas e se dirige à saída.
- Vicenzo? - O chamo quando ele alcança a passagem. - Não se esqueça de verificar as câmeras e os microfones. Nada pode escapar esta noite.
- Pode deixar, irmão.
Dito isso, ele sai, fechando a porta atrás de si. No instante seguinte, deixo o meu esconderijo e sigo para uma escadaria metálica do segundo andar, onde fica o meu refúgio: uma antessala de paredes e portas de vidro escuro, de onde observo a multidão jovem animada, confundindo-se entre flashes e luzes néon que correm pelo amplo salão. Não demora e a minha diversão começa - e, acredite, não estou falando dos pecados carnais, como as bebedeiras e o sexo sujo.
Eu sou a própria escuridão e gosto de observar os segredos mais profundos que somente os poderosos tentam esconder. É assim que obtenho controle sobre suas vidas e mantenho os meus inimigos presos a mim.
- Caramba, ela é muito linda! - Vicenzo sibila, extasiado, fazendo-me olhar para outra direção.
Abby Leone. Aproximo-me da parede escura para observá-la melhor. Ele tem razão, é extremamente linda e sem perceber, é sexy também. Contudo, ela se parece com um bichinho assustado. Mas, a sua beleza jovial transcende qualquer medo que busque esconder. É impossível não devorá-la com os meus olhos: essa mulher parece irradiar luz por todos os poros - uma luz que atravessa até mesmo a blindagem desses vidros. E isso me inquieta.
Volto a mirar no seu marido: na maneira como ele fala com seus comparsas. No tom que usa para impor o poder que juga ilimitado. O jogo sujo envolvendo dinheiro, armas e mulheres.
- Esta noite será longa. - Vicenzo resmunga, oferecendo-me uma bebida, que eu aceito sem contestar.
O que ele não sabe é que a noite é o meu reinado. Ela nunca me cansa. Não me limita. Pelo contrário: a escuridão da noite me revigora, alimenta o meu poder e a minha sede de vingança. Enquanto bebo o líquido amargo, percebo a esposa do chefe da máfia levantar-se. É como se tivesse uma coleira no seu pescoço: Vittorio a mantém em rédeas curtas, sempre sob o seu domínio. Pergunto-me: quanto ele a quer de verdade? Ou o que seria capaz de suportar para mantê-la viva e segura do seu lado?
Em breve eu serei a ameaça viva dessa aliança que ele julga indestrutível. Penso e fecho as mãos em punho.
- Fique de olho no Vittorio, Vicenzo! - ordeno. - Não deixe nenhum de seus atos escapar. Avise a equipe para manter as câmeras sempre ligadas. Eu quero saber tudo o que ele conversar esta noite.
- Tudo está conforme pediu, irmão. Amanhã estará tudo em sua mesa nas primeiras horas do dia.
- Ótimo!
Esvazio o copo, largando-o em cima da minha mesa e na sequência, saio da sala para me aventurar entre corpos suados e agitados. De onde estou, consigo ver Abby Leone. Aparentemente tímida e reclusa. Talvez tudo não passe de um teatro, certo? E como se fosse atraído por ela, decido subir a escadaria ao lado da área VIP para alcançar o terraço, e respirar o ar frio da noite. Contudo, na metade do percurso, paro abrupto diante de uma jovem de olhar grande e assustado.
Estranhamente, essa garota faz o meu coração frio palpitar. O cheiro que ela exala provoca algo estranho dentro de mim: rompe terminações nervosas antes adormecidas e, assim, algo dentro começa a ferver - um calor incontrolável e agoniante que não consigo controlar.
Engulo em seco, mas mantenho o meu olhar gélido no seu.
- Me desculpe! - diz ela. A sua voz trêmula e suave preenchendo os meus ouvidos. Despertando em mim um ser que não via há anos. - Acho que... errei o caminho. Eu deveria ir à área VIP, mas por algum motivo vim parar aqui...
- A área VIP fica do outro lado - informo e aponto a direção.
- Ah... obrigada! - Abby sorri, trêmula. É um sorriso pequeno, tímido, nitidamente forçado.
Ela tenta passar por mim, mas, sem explicação, dou alguns passos de lado, impedindo a sua passagem, ainda mantendo o olhar firme fixo no seu rosto pálido. Seu olhar vacila e volta a encontrar o meu. Contudo, vejo medo em suas retinas.
Mas medo de quê?
De quem?
- Eu... preciso ir - ela repete. E, por mais firme que sua voz soe, o tremor é quase palpável. Afasto-me e ela passa por mim como um raio, deixando um rastro do seu perfume para trás.
- Aquela não era a esposa do Vittorio Leone? - Vicenzo indaga do alto da escadaria, despertando-me. Subo os degraus em direção ao escritório.
- Ela mesma - ralho com fingido desdém, trincando o maxilar.
- Por que a deixou ir embora? - ele contesta, surpreso.
A resposta é bem simples: eu não sei. Bastava um sinal meu e ela simplesmente desapareceria da face da terra.
- Sim, eu deixei.
- Mas eu pensei que...
- Tudo a seu tempo, meu caro irmão. Tudo a seu tempo - resmungo, calmo, observando Abby voltar para os braços do meu inimigo, enquanto ele afaga as suas costas com carinho.