O momento foi estilhaçado quando a porta do quarto privativo da UTI neonatal se abriu com violência. Gustavo entrou furioso, seu rosto uma máscara trovejante, com Flávia atrás dele, enxugando os olhos com um lenço.
"Alana, que diabos você fez?" Gustavo exigiu, sua voz ecoando no quarto silencioso.
Instintivamente, apertei meu abraço em Léo, protegendo-o com meu corpo.
"Do que você está falando?"
Ele enfiou um laudo médico na minha cara.
"O teste de alergia da Flávia. Aquele que você insistiu que ela fizesse." Ele apontou um dedo para uma linha destacada. "Alergia severa a amendoim. Risco de vida."
Flávia soltou um pequeno soluço e puxou a gola de sua blusa de seda, revelando uma erupção vermelha e irritada em seu peito.
"A loção," ela engasgou. "Aquela que você me deu para a minha pele seca. Meu corpo inteiro está coberto com essas urticárias. O médico disse que foi uma reação anafilática. Eu poderia ter morrido."
Eu a encarei, estupefata.
"A loção? É a marca orgânica e hipoalergênica que uso há anos. Não tem nozes."
"Ah, é mesmo?" A voz de Flávia pingava veneno adocicado. "Porque os médicos encontraram vestígios de óleo de amendoim na amostra que eu trouxe para eles. O frasco da minha mesa de cabeceira." Ela olhou para Gustavo, seus olhos arregalados de medo fabricado. "Eu sei que você tem estado sob muito estresse, Alana. Mas fazer algo assim... tentar deliberadamente me machucar..."
A acusação pairou no ar, tão ridícula, tão venenosa, que eu não consegui nem formular uma resposta.
"É mentira," eu finalmente consegui dizer, minha voz tremendo. "Eu nunca..."
"Gustavo, por favor," Flávia interrompeu, agarrando seu braço. "Não fique com raiva dela. Não é culpa dela. Ela não está bem. Vamos apenas ir. Vou fazer minhas malas. Não posso te colocar nessa posição."
"Você não vai a lugar nenhum," Gustavo disse, o maxilar rígido. Ele voltou seu olhar furioso para mim. "Você vai pedir desculpas à Flávia. Agora mesmo."
A injustiça de tudo aquilo roubou o ar dos meus pulmões. Ele nem mesmo questionou. Ele nem mesmo considerou o meu lado. Ele já havia me julgado e condenado em sua mente. A confiança, a fé, a própria fundação do nosso casamento não passava de pó.
"Não," eu disse, minha voz baixa, mas firme. "Não tenho nada pelo que me desculpar."
Léo, sentindo a tensão, soltou um gemido minúsculo e angustiado. Seu pequeno corpo se enrijeceu em meus braços.
Os olhos de Gustavo se estreitaram. Em um movimento rápido e horripilante, ele se abaixou e arrancou Léo dos meus braços. Minha alma gritou.
"O bebê parece um pouco quente, Alana," ele disse, sua voz perigosamente suave. "Talvez você não esteja apta a cuidar dele agora. Você está instável." Ele segurava nosso filho, nosso minúsculo e vulnerável filho, como uma moeda de troca. "Peça desculpas. Ou direi aos médicos que você é um perigo para o nosso filho."
A ameaça era uma lâmina na minha garganta. Ele faria isso. Eu vi em seus olhos frios e determinados. Ele usaria nosso filho para proteger suas ambições políticas, para proteger Flávia.
Para proteger Léo, eu tive que sacrificar minha própria dignidade.
"Tudo bem," eu sussurrei, a palavra com gosto de derrota. "Eu faço."
Ele gesticulou em direção a Flávia com o queixo.
"De joelhos."
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e silenciosas. Cada instinto gritava para eu lutar, gritar, atacar. Mas a visão de Léo, tão pequeno e indefeso nos braços de seu pai, quebrou minha vontade.
Lentamente, dolorosamente, deslizei da cadeira para o chão frio de azulejos. A pressão na minha incisão da cesárea era excruciante, uma agonia branca e quente que fez minha visão turvar. Mordi o lábio, sentindo o gosto de sangue, enquanto me forçava a ajoelhar diante da mulher que estava sistematicamente destruindo minha vida.
Enquanto eu estava ajoelhada ali, um lampejo de memória, nítido e cruel, atravessou a dor. Gustavo, ajoelhado exatamente assim, em um campo de flores silvestres, um anel de diamante na mão. *Eu juro que passarei minha vida te protegendo, Alana. Nunca deixarei ninguém te machucar.* A memória era um fantasma, zombando de mim com o fantasma do homem que ele costumava ser.
"Eu... sinto muito," forcei as palavras a saírem, cada uma um caco de vidro na minha garganta.
Flávia olhou para mim, um brilho de triunfo em seus olhos cheios de lágrimas. Gustavo observava, sua expressão indecifrável, enquanto balançava suavemente nosso filho.
A humilhação era um peso físico, esmagando-me. Meu corpo cedeu. Desabei no chão, a dor no meu abdômen explodindo enquanto eu me encolhia em uma bola, soluçando incontrolavelmente.
Por um momento, vi um lampejo de preocupação nos olhos de Gustavo. Ele deu um meio passo em minha direção, mas a voz suave de Flávia o deteve.
"Acho que sei por que ela fez isso," Flávia murmurou, como se compartilhasse um segredo triste. "Quando me mudei, disse a ela o quanto admirava o Gustavo. Acho que... acho que ela me viu como uma ameaça."
Foi tudo o que precisou. O lampejo de preocupação nos olhos de Gustavo desapareceu, substituído por uma dureza familiar. Ele me deu as costas, sua esposa chorando no chão, e concentrou toda a sua atenção em Flávia e na criança em seus braços.
"Não se preocupe," ele disse a ela, a voz baixa e calmante. "Eu resolvo isso."
Mais tarde naquele dia, um comunicado de imprensa foi divulgado pelo escritório de campanha de Gustavo, dando as boas-vindas oficialmente a Flávia Rodrigues como uma "querida amiga da família e membro inestimável da equipe de campanha Ortiz." Era uma declaração pública. Uma linha traçada na areia. Ele a estava escolhendo, aberta e decisivamente.
Quando a médica veio me ver, ela usava uma expressão grave.
"Alana, sua recuperação física está lenta, mas o que me preocupa mais é seu estado mental. Você está mostrando todos os sinais de depressão pós-parto severa. Eu quero prescrever..."
Gustavo, que havia retornado ao quarto, a interrompeu.
"Ela está bem," ele disse com desdém. "Ela só está sendo emotiva." Ele checou o relógio. "Preciso ir. Flávia está co-organizando uma campanha de registro de eleitores jovens comigo esta tarde."
Ele nem mesmo olhou para mim ao sair. Ele já tinha partido, priorizando uma foto política com sua amante em vez da saúde de sua esposa.