O arquivo era um monumento digital à traição do meu marido. Continha tudo. As redes sociais de Carina, que ela tão tolamente deixou públicas, foram baixadas e arquivadas. Seu Instagram, seu Facebook e uma conta no TikTok que eu nem sabia que existia.
Um vídeo de seis meses atrás. Heitor, de costas para a câmera, mas seu perfil inconfundível, construindo um boneco de neve com ela no Parque Ibirapuera. A legenda dizia: "Meu homem é uma criança grande de coração! " Lembrei-me daquele dia. Ele me disse que estava preso no escritório, virando a noite em uma proposta de design para a Lobo Holdings - a mesma empresa do meu pai, um fato que Heitor convenientemente esquecia quando lhe convinha.
Cliquei em outro vídeo. Meu estômago revirou.
Era a festa de sete anos do Bento, em nosso próprio quintal. Eu me vi ao fundo, acendendo as velas do bolo. O vídeo, filmado por Carina, deu um zoom em Heitor entregando a Bento um grande presente embrulhado.
"O Heitor me deixou escolher o presente principal do Bento este ano!", a voz de Carina sussurrou para a câmera. "Ele disse que eu tenho mais bom gosto. Mal posso esperar para ser uma mãe de verdade para ele."
O presente era um urso de pelúcia gigante. O mesmo que agora estava no canto do quarto do Bento.
O vídeo cortou para um close do rosto de Carina em seu carro, filmado mais tarde naquele dia. Ela segurava uma pequena foto plastificada dela e de Heitor, abraçados, sorrindo. "Escondi uma surpresinha dentro do urso novo do Bento", ela sussurrou, um brilho malicioso nos olhos. "Bem no enchimento. Quero ver quanto tempo a 'mamãezinha' dele vai levar para encontrar. Espero que ela enlouqueça."
Um comentário abaixo do vídeo de uma de suas amigas perguntava: "MDS Carina vc tá querendo ser pega??"
A resposta de Carina foi presunçosa. "Ela é burra e egocêntrica demais pra perceber. Quando ela descobrir, eu já terei tomado o lugar dela."
O frio em minhas veias não era mais apenas raiva; era um ódio glacial. Ela não estava apenas tendo um caso. Ela estava jogando um jogo doentio e calculado com minha família, minha casa e meu filho.
E Heitor permitiu. Ele trouxe esse veneno para nossas vidas.
Então, o relatório do investigador destacou um vídeo postado há apenas duas semanas. A noite em que viajei para ficar com minha mãe.
O vídeo estava tremido, filmado com pouca luz. O fundo era inconfundível - nosso depósito bagunçado no porão. Carina segurava a câmera, seu rosto meio na sombra.
"Bento, se você não começar a me chamar de 'Mamãe Carina', vou dizer ao seu pai que você foi um menino mau", disse ela, sua voz pingando uma doçura falsa que não escondia a ameaça. "E meninos maus não podem ver seus papais. Você quer que seu pai te abandone, assim como sua mamãe de verdade fez?"
Ao fundo, pude ouvir um som pequeno e aterrorizado. Bento. Meu Bento. Ele estava chorando. Um soluço engasgado que partiu meu coração em um milhão de pedaços.
"Não", sua vozinha choramingou. "A mamãe não foi embora. Ela foi ver a vovó."
"Ela não vai voltar", Carina retrucou, sua voz tornando-se áspera e feia. "Agora você vai ficar aqui e pensar no que fez."
O vídeo terminou com o som da porta do depósito se fechando, seguido pelos gritos de pânico crescentes de Bento.
Levantei-me da cadeira, um grito estrangulado escapando dos meus lábios. Minha mão voou para a boca. Aquela noite. Eu liguei para o Heitor do hospital para saber como estavam. Ouvi Bento chorando fracamente ao fundo.
"O que há de errado com o Bento?", perguntei, meu coração se apertando de preocupação.
"Nada, ele só teve um pesadelo", disse Heitor, sua voz impaciente. "Ele está bem. Você precisa parar de ser superprotetora, Graça. Eu dou conta."
Um pesadelo. Ele chamou o terror de seu filho de pesadelo enquanto sua amante o atormentava no porão.
A dor no meu peito era imensa, mas não era pela perda do amor do meu marido. Aquele amor claramente era uma miragem há muito tempo. A dor era pelo meu filho. A dor era pela minha própria cegueira. A dor era pelo homem que eu pensei que Heitor era - o homem que uma vez entrou em pânico quando Bento recém-nascido teve um toque de icterícia, que passou três noites sem dormir segurando-o, com medo de soltá-lo.
Onde estava aquele homem? Quando ele apodreceu por dentro, deixando este impostor oco e cruel em seu lugar?
Enquanto eu estava ali, tremendo com uma raiva que ameaçava me consumir, meu celular vibrou. Uma nova notificação do TikTok.
Carina Campos acabara de postar um novo vídeo.
Cliquei nele, meu maxilar travado.
Era ela, sentada no que parecia ser uma cama de hospital, um acesso intravenoso falso colado na mão. Seu rosto estava pálido (cortesia de um filtro, eu tinha certeza), e seus olhos estavam vermelhos e brilhando com lágrimas de crocodilo.
"Oi, gente", ela fungou para a câmera. "Eu sei que tem muita confusão acontecendo. Eu só queria dizer... eu sou uma sobrevivente." Ela respirou fundo, tremendo. "Estar com um homem que ainda está preso a uma ex-esposa tóxica e instável é muito difícil. Mas nosso amor é real."
Ela então inclinou o celular para mostrar uma captura de tela de uma conversa de texto. Era do Heitor. A foto de perfil dele - a foto de família sorridente da nossa viagem à praia - foi um soco no estômago.
A mensagem dele dizia: "Não dê ouvidos a ela, Carina. Ela só está com ciúmes. Eu te amo. Estarei com você na Reunião de Pais e Mestres amanhã. Vamos mostrar a todos como é uma família de verdade."
Ela terminou o vídeo com um sorriso aguado e "corajoso". "Ele virá ao evento da escola comigo amanhã. Para me apoiar. Como meu parceiro e como pai do Bento. Tenho muita sorte de tê-lo."
Olhei para a tela, minha mente acelerada. Ela não sabia que eu estava de volta. Ela não sabia que eu a tinha confrontado. Ela ainda achava que estava no controle da narrativa, preparando-se para sua grande estreia pública como a nova Sra. Magalhães.
Heitor, o covarde, não contou a ela que eu havia retornado. Ele estava jogando dos dois lados, tentando gerenciar a explosão que ele mesmo criou.
Olhei para o convite na minha tela. Reunião de Pais e Mestres.
Carina queria um palco. Ela queria uma coroação pública.
Tudo bem. Eu daria um a ela.
E eu, a mãe real, legal e única de Bento Magalhães, estaria sentada na primeira fila.