"A mulher que vocês conhecem como 'Graça' não é a mãe do Bento."
O ar foi sugado dos meus pulmões. A declaração era tão descarada, tão completamente desconectada da realidade, que meu cérebro não conseguia processá-la. Era como se ele tivesse declarado que o céu era verde.
"A Graça era nossa babá", ele continuou, seu tom pingando falsa simpatia. "Uma babá que morava conosco. Nós a contratamos quando o Bento era um bebê. Com o tempo, o Bento se apegou a ela e... nós permitimos que ele a chamasse de 'mamãe' por conveniência. Foi um erro. Nosso erro."
Ele olhou para Carina, seus olhos cheios de um amor e adoração que ele não me mostrava há anos.
"A Carina", disse ele, sua voz embargada de emoção, "é a mãe biológica do Bento. Estivemos juntos há muito tempo. A vida nos levou por caminhos diferentes, mas recentemente nos reconectamos. Ela sempre foi, e sempre será, sua verdadeira mãe."
O mundo ficou em silêncio. O zumbido da multidão, o zumbido das luzes, meu próprio batimento cardíaco - tudo desapareceu em um vazio surdo e retumbante.
Dez anos.
Dez anos da minha vida, dedicados a este homem. Lembrei-me dele após o fracasso de seu primeiro escritório de arquitetura, um homem quebrado chorando em meus braços, e eu, usando meu fundo fiduciário para pagar silenciosamente suas dívidas para que ele pudesse recomeçar. Lembrei-me de cuidar dele durante uma pneumonia brutal, dormindo em um catre em seu quarto de hospital por uma semana. Lembrei-me das 36 horas de trabalho de parto, da cesárea de emergência que deixou uma cicatriz permanente em meu corpo, do momento em que colocaram nosso filho minúsculo e gritando em meu peito e senti um amor tão profundo que refez todo o meu universo.
Tudo isso. Apagado.
Ele acabara de me chamar de babá.
O gelo em minhas veias não apenas rachou; ele se estilhaçou, e um fogo que eu nunca soube que possuía rugiu em seu lugar.
Os pais no auditório, antes confusos, agora acenavam em compreensão. Seus rostos se suavizaram com simpatia - por Heitor e Carina.
"Oh, coitadinha", uma mãe sussurrou alto. "Imagine ter que lidar com uma babá que deixa seu filho chamá-la de 'mãe'. Isso é tão fora de propósito."
"Ela deveria ser demitida", outra interveio. "Eles precisam ter cuidado. Uma mulher assim pode ser uma má influência."
Carina, aproveitando o momento, enxugou os olhos com um dedo delicado. "Tem sido... difícil", disse ela, sua voz tremendo lindamente. "Mas estamos superando. Pelo Bento."
Bento, no entanto, não estava colaborando. Ele balançou a cabeça violentamente, seu rostinho vermelho de febre e frustração. "Não! Isso não é verdade! Minha mamãe é a Mamãe Graça!"
Uma mulher na minha frente zombou. "Nossa, essa babá fez a cabeça dele mesmo. Ele está completamente confuso."
"Você precisa colocá-lo na linha", outro pai aconselhou Carina. "Crianças precisam de limites claros. Não deixe ele se safar com esse desrespeito."
Alguém, um pai com uma voz retumbante, acrescentou: "Às vezes, você só precisa ser firme. Umas boas palmadas nunca fizeram mal a ninguém. Ensina quem manda."
A sugestão pairou no ar, vil e chocante. Carina olhou para Heitor, um brilho de incerteza em seus olhos, como se buscasse permissão para disciplinar meu filho.
Foi o fim. A última gota da minha contenção se rompeu.
Eu me levantei.
O arrastar da minha cadeira no chão foi alto na sala subitamente silenciosa. Caminhei pelo corredor, meus passos medidos e deliberados. Todos os olhos estavam em mim.
Tirei o lenço da cabeça e lentamente baixei minha máscara.
O queixo de Heitor caiu. A cor sumiu de seu rosto. Carina parecia ter visto um fantasma.
Levantei meu celular, a tela acesa, o botão vermelho de 'gravar' brilhando.
"Heitor", eu disse, minha voz cortando o silêncio, ressonante e clara. Não continha nenhuma da histeria chorosa que eles esperavam. Continha apenas fúria fria e dura.
"Me diga de novo", ordenei. "Quem é a mãe do meu filho?"