A Esposa Que Ele Chamava de Babá
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Capítulo 5

Ponto de Vista: Graça Lobo

O sorriso de Heitor se contraiu por uma fração de segundo antes que ele se recuperasse suavemente. Ele deu a Carina um aceno tranquilizador, depois se levantou e caminhou para a frente da sala, posicionando-se ao lado do palco. Ele pigarreou, comandando a atenção de todos os pais no auditório.

"Vejo que há alguma confusão", ele começou, sua voz irradiando uma autoridade calma que era totalmente falsa. "E sinto que é hora de ser honesto com esta comunidade. É pelo bem do Bento."

Ele fez uma pausa para efeito dramático.

"A mulher que vocês conhecem como 'Graça' não é a mãe do Bento."

O ar foi sugado dos meus pulmões. A declaração era tão descarada, tão completamente desconectada da realidade, que meu cérebro não conseguia processá-la. Era como se ele tivesse declarado que o céu era verde.

"A Graça era nossa babá", ele continuou, seu tom pingando falsa simpatia. "Uma babá que morava conosco. Nós a contratamos quando o Bento era um bebê. Com o tempo, o Bento se apegou a ela e... nós permitimos que ele a chamasse de 'mamãe' por conveniência. Foi um erro. Nosso erro."

Ele olhou para Carina, seus olhos cheios de um amor e adoração que ele não me mostrava há anos.

"A Carina", disse ele, sua voz embargada de emoção, "é a mãe biológica do Bento. Estivemos juntos há muito tempo. A vida nos levou por caminhos diferentes, mas recentemente nos reconectamos. Ela sempre foi, e sempre será, sua verdadeira mãe."

O mundo ficou em silêncio. O zumbido da multidão, o zumbido das luzes, meu próprio batimento cardíaco - tudo desapareceu em um vazio surdo e retumbante.

Dez anos.

Dez anos da minha vida, dedicados a este homem. Lembrei-me dele após o fracasso de seu primeiro escritório de arquitetura, um homem quebrado chorando em meus braços, e eu, usando meu fundo fiduciário para pagar silenciosamente suas dívidas para que ele pudesse recomeçar. Lembrei-me de cuidar dele durante uma pneumonia brutal, dormindo em um catre em seu quarto de hospital por uma semana. Lembrei-me das 36 horas de trabalho de parto, da cesárea de emergência que deixou uma cicatriz permanente em meu corpo, do momento em que colocaram nosso filho minúsculo e gritando em meu peito e senti um amor tão profundo que refez todo o meu universo.

Tudo isso. Apagado.

Ele acabara de me chamar de babá.

O gelo em minhas veias não apenas rachou; ele se estilhaçou, e um fogo que eu nunca soube que possuía rugiu em seu lugar.

Os pais no auditório, antes confusos, agora acenavam em compreensão. Seus rostos se suavizaram com simpatia - por Heitor e Carina.

"Oh, coitadinha", uma mãe sussurrou alto. "Imagine ter que lidar com uma babá que deixa seu filho chamá-la de 'mãe'. Isso é tão fora de propósito."

"Ela deveria ser demitida", outra interveio. "Eles precisam ter cuidado. Uma mulher assim pode ser uma má influência."

Carina, aproveitando o momento, enxugou os olhos com um dedo delicado. "Tem sido... difícil", disse ela, sua voz tremendo lindamente. "Mas estamos superando. Pelo Bento."

Bento, no entanto, não estava colaborando. Ele balançou a cabeça violentamente, seu rostinho vermelho de febre e frustração. "Não! Isso não é verdade! Minha mamãe é a Mamãe Graça!"

Uma mulher na minha frente zombou. "Nossa, essa babá fez a cabeça dele mesmo. Ele está completamente confuso."

"Você precisa colocá-lo na linha", outro pai aconselhou Carina. "Crianças precisam de limites claros. Não deixe ele se safar com esse desrespeito."

Alguém, um pai com uma voz retumbante, acrescentou: "Às vezes, você só precisa ser firme. Umas boas palmadas nunca fizeram mal a ninguém. Ensina quem manda."

A sugestão pairou no ar, vil e chocante. Carina olhou para Heitor, um brilho de incerteza em seus olhos, como se buscasse permissão para disciplinar meu filho.

Foi o fim. A última gota da minha contenção se rompeu.

Eu me levantei.

O arrastar da minha cadeira no chão foi alto na sala subitamente silenciosa. Caminhei pelo corredor, meus passos medidos e deliberados. Todos os olhos estavam em mim.

Tirei o lenço da cabeça e lentamente baixei minha máscara.

O queixo de Heitor caiu. A cor sumiu de seu rosto. Carina parecia ter visto um fantasma.

Levantei meu celular, a tela acesa, o botão vermelho de 'gravar' brilhando.

"Heitor", eu disse, minha voz cortando o silêncio, ressonante e clara. Não continha nenhuma da histeria chorosa que eles esperavam. Continha apenas fúria fria e dura.

"Me diga de novo", ordenei. "Quem é a mãe do meu filho?"

                         

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