Tentei falar, dizer a eles que eram assassinos, mas minha mandíbula estava travada. Meus pulmões queimavam a cada respiração superficial e irregular. O frio era agora uma presença invasora, dentro do meu peito, do meu crânio, da minha medula. Não era mais uma sensação; era o que eu estava me tornando.
"Ela está fingindo", uma nova voz zombou. Um dos outros alpinistas, amigo de Bruno, olhou para dentro do meu buraco de neve. "Ela só está irritada porque você deu o cobertor para a Carla. Que criança."
Bruno soltou um bufo de respiração exasperada. Ele olhou para mim não com preocupação, mas com total desprezo. "Eu sabia. Ela está tentando me manipular. Tentando me fazer sentir culpado."
"Bruno, ela não está se movendo", disse Carla, uma nota de pânico genuíno agora colorindo sua falsa simpatia. "Talvez devêssemos..."
"Talvez ela devesse aprender que nem tudo é sobre ela", Bruno retrucou. Ele me agarrou pelos braços e me arrastou mais para dentro do buraco de neve, minhas botas raspando inutilmente no gelo. Ele amontoou neve ao redor das bordas, efetivamente me sepultando. "Ela precisa de um tempo para esfriar a cabeça. Literalmente."
Ele se levantou, limpando a neve de suas luvas caras com um ar de finalidade.
Tentei agarrar sua perna, meus dedos se fechando no tecido de sua calça de neve com o último resquício de minha força. "Bruno... por favor..."
Ele olhou para baixo e chutou minha mão para longe, sua expressão de puro nojo. "Você é patética."
Através do vento uivante, ouvi a voz suave de Carla. "Não seja tão duro com ela, Bruno. Ela só não é tão forte quanto pensa que é."
"Você é gentil demais, Carla", ele respondeu, e o calor em sua voz foi um golpe físico. "Vamos. Ela virá rastejando para a barraca principal quando ficar com fome o suficiente."
Seus passos desapareceram, engolidos pela tempestade.
Eu estava sozinha.
Totalmente, completamente sozinha. Deixada para morrer pelo homem com quem eu havia prometido me casar.
O frio era um predador, cravando seus dentes mais fundo. Meu corpo havia parado de tremer agora, um marco aterrorizante. Eu sabia o que significava. Minha temperatura corporal estava crítica. Meus músculos estavam congelando, meus órgãos começando a falhar.
Meu olhar caiu sobre meu traje. O rasgo estava logo abaixo do meu ombro. Um corte longo e irregular de cerca de vinte centímetros, expondo as camadas internas aos elementos. O vento canalizava diretamente para a brecha, um ataque constante e brutal ao meu corpo já falhando. Carla não apenas sabotou meu equipamento; ela desferiu um golpe mortal.
Uma necessidade primal e desesperada de sobreviver surgiu em mim. Meu telefone via satélite havia sumido. Mas havia uma última chance. Um segredo que eu nunca havia contado nem mesmo a Bruno.
Meu traje. O que eu estava vestindo. Não era apenas um traje padrão da AlpiniaTech. Era um protótipo secundário, projetado para interagir com o cobertor térmico. E escondido no punho da manga esquerda, costurado na própria costura, havia um minúsculo sinalizador de emergência ativado por pressão. Um sistema redundante. Minha apólice de seguro particular.
Eu tinha que alcançá-lo.
Meu braço esquerdo era uma coisa estranha, um tronco de carne congelada. Tentei comandá-lo para se mover, para se dobrar em direção ao meu rosto, mas ele mal se mexeu. Meu braço direito estava um pouco mais responsivo. Com uma lentidão agonizante, arrastei-o pelo meu peito, meus dedos enluvados arranhando a manga oposta.
O tecido estava rígido de gelo. Meus dedos, dormentes e inúteis, não conseguiam encontrar apoio. Eu não conseguia segurar.
Lágrimas congelaram em minhas bochechas. Era isso. Era assim que terminava. Traída, abandonada e congelada em uma vala cavada pelo meu próprio noivo.
A raiva, pura e não diluída, me deu uma explosão final de força. Eu não ia morrer assim. Eu não ia deixá-los vencer.
Levei meu pulso esquerdo à boca e mordi com força o punho. Meus dentes se prenderam no material grosso, ignorando a dor lancinante na minha mandíbula. Usei minha cabeça para arrastar a manga para cima, expondo a costura.
Lá estava. Uma pequena protuberância quase invisível no tecido.
Bati meu pulso contra a parede gelada do buraco. Uma vez. Duas vezes. Nada. O sensor de pressão estava congelado. Precisava de um impacto agudo e localizado.
Com um grito gutural que foi roubado pelo vento, bati meu pulso contra meu próprio capacete.
Uma pequena luz vermelha, quase imperceptível, piscou uma vez de dentro da costura.
Estava ativo.
O alívio me invadiu, tão potente que era quase doloroso. Foi seguido imediatamente por uma onda avassaladora de exaustão. Meu corpo não tinha mais nada para dar.
Minha cabeça pendeu para trás contra a neve. Minhas pálpebras pareciam impossivelmente pesadas. O mundo estava se desvanecendo para um branco pacífico e entorpecente. Seria tão fácil apenas fechar os olhos. Dormir.
Justo quando a escuridão começava a me reivindicar, uma sombra caiu sobre meu buraco de neve.
Pisquei, minha visão embaçada. Era Carla. Ela estava olhando para mim, a luz azul do meu cobertor iluminando seu rosto. As lágrimas falsas haviam sumido. Sua expressão era de uma curiosidade fria e calculista.
"Ainda viva?", ela murmurou, sua voz mal um sussurro contra o vento. "Você é mais resistente do que eu pensava."
Ela ergueu o piolete. Um pequeno sorriso cruel brincou em seus lábios. "O Bruno é tão ingênuo. Ele realmente acha que você está só fazendo birra. Ele me disse que te ressentia há anos. Odeia viver na sua sombra. Odeia que todo mundo saiba que você é o verdadeiro gênio na AlpiniaTech. Ele só estava esperando por um motivo para te rebaixar."
As palavras eram como gelo, perfurando a última parte quente do meu coração.
"Ele ficou feliz em fazer isso", ela sussurrou, seu sorriso se alargando. "Feliz em te ver fracassar."
Ela jogou o piolete na neve ao meu lado, um gesto final e desdenhoso. "Não se preocupe. Eu vou cuidar bem dele para você."
Ela se virou e se afastou, desaparecendo no branco total, deixando-me com a terrível e congelada verdade da minha própria destruição.
---