A chave deslizou na fechadura. O ar lá dentro estava frio, estéril, mas contaminado. Eu ainda podia sentir o cheiro dela. Um perfume floral fraco e enjoativo que se agarrava às cortinas de veludo como um segredo sujo. Era uma profanação.
Por três anos, este lugar tinha sido um santuário na minha mente. Agora era apenas a cena de um crime.
Metodicamente, percorri os cômodos. Embalei as poucas coisas que eram verdadeiramente sagradas - o livro de receitas manuscrito da minha mãe, o relógio favorito do meu pai, uma foto desbotada de nós três em um barco, rindo. Organizei para que fossem enviados para a casa da minha tia em Campos do Jordão.
Então liguei para um corretor de imóveis, um homem que devia um favor à minha família.
"Venda", eu disse, minha voz desprovida de inflexão. "Não me importo com o preço. Só quero que desapareça."
Eu estava trancando a pesada porta de carvalho pela última vez quando ele apareceu. Juliano. Seu rosto era uma máscara de preocupação, sua respiração pesada como se tivesse subido as escadas correndo.
"Cat! Voltei ao hospital e você tinha sumido. Fiquei tão preocupado." Ele me puxou para um abraço apertado, enterrando o rosto no meu cabelo.
O cheiro do perfume dele, misturado com o cheiro fantasma do perfume dela, fez meu estômago revirar. Eu o empurrei para longe, com força. Minhas mãos estavam espalmadas contra seu peito, e ele cambaleou para trás - não pela força do empurrão, mas pela repulsa crua em meu olhar. Ele viu. Ele finalmente viu.
"O que há de errado?", ele perguntou, sua voz um estudo cuidadoso de confusão.
Eu quase podia ver o chão se rachando sob seus pés e, pela primeira vez, ele parecia genuinamente perdido. Ele tentou me acalmar, suas mãos me alcançando novamente. "Tenho seu presente de aniversário no carro", disse ele, com um tom desesperado na voz. "O colar. Eu ia te dar hoje à noite."
A mentira era tão audaciosa, tão descarada, que quase me fez rir.
"Não estou com fome", eu disse, minha voz tão fria quanto a cova que ele estava cavando para mim. "E seu toque... me faz sentir suja."
Ele se encolheu, mas se recuperou rapidamente. O ator consumado. "Ok", disse ele, forçando um sorriso gentil. "Vamos para casa. Eu cozinho para você." A arrogância era de tirar o fôlego; ele ainda estava confiante de que poderia me reconquistar, que sua performance era suficiente.
Enquanto estávamos ali no frio patamar de mármore, um impulso súbito e cruel me tomou. Olhei diretamente em seus olhos.
"Juliano", perguntei, minha voz enganosamente suave. "Se eu não conseguir o transplante... se eu morrer... você ficaria triste?"
Ele me encarou, seu rosto bonito se desfazendo em uma máscara de dor perfeita e teatral. Lágrimas brotaram em seus olhos. "Não diga isso, Cat. Nem pense nisso. Eu não conseguiria viver sem você."
Observei a única lágrima perfeita traçar seu caminho por sua bochecha e não senti nada além de uma certeza fria e absoluta.