"Eu nunca vou esquecer isso, Bia", ele sussurrou, sua mão apertando a minha no quarto estéril do hospital. "Você me salvou. Case-se comigo. Deixe-me passar o resto da minha vida te compensando. Vamos nos casar em Campos do Jordão, bem naquela montanha. Para nos lembrarmos. Sempre."
Eu chorei de alívio, agarrando-me às suas palavras como uma oração. Eu acreditei nele. Acreditei que ele se lembrava do terror, do frio, da decisão de uma fração de segundo que mudou minha vida para sempre. Como ele poderia não se lembrar? Era a base do nosso noivado, o próprio solo sobre o qual nosso futuro deveria ser construído.
Agora, eu percebia que tudo não passava de uma performance. Kadu não valorizava a memória; ele a usava. Era sua carta de "saída livre da prisão", sua prova da minha devoção infinita.
Meu neurologista, Dr. Sanchez, havia me avisado. "Sua condição está estável, Beatriz, mas é exacerbada pelo estresse. Angústia emocional extrema pode desencadear episódios. Você precisa de um ambiente calmo e de apoio."
Uma risada amarga ameaçou escapar dos meus lábios. Um ambiente calmo e de apoio. Neste momento, meu mundo parecia um prédio no meio de um terremoto, as fundações rachando sob meus pés. Pressionei a palma da mão contra o peito, tentando me manter fisicamente inteira, reprimir a onda de dor que ameaçava me afogar. Meu coração parecia estar sendo espremido por uma mão invisível, cada batida uma pulsação de clareza agonizante.
O telefone tocou, me sobressaltando. O nome de Kadu brilhou na tela. Deixei tocar quatro vezes antes de atender, minha voz cuidadosamente neutra.
"Oi."
"Amor", disse ele, sua voz alta sobre um barulho de risadas e copos tilintando. "Olha, as coisas estão se estendendo no escritório. Vamos levar um cliente para sair. Provavelmente não chego em casa antes da meia-noite."
Um cliente. Claro. O nome dela era Amanda.
Houve uma pausa. Um abismo de tudo que eu não podia dizer.
"Ok", eu disse, a única palavra me custando mais esforço do que projetar um arranha-céu.
"Só isso? Ok?"
"Sim, Kadu. Ok. Divirta-se."
Ele ficou quieto por um segundo, provavelmente surpreso com minha falta de protesto. Então, "Certo. Não me espere."
Ele desligou. Fiquei olhando para a tela escura, o silêncio no carro de repente ensurdecedor. Não me espere. Eu estava esperando por ele há cinco anos. Esperando que ele me visse, me valorizasse, me amasse tanto quanto eu o amava. A espera havia acabado.
Naquela noite, o sono era um país distante que eu não conseguia alcançar. Deitei em nossa cama fria e vazia, o edredom branco imaculado uma lembrança gritante do casamento que agora era uma mentira. Por volta das 2 da manhã, meu celular vibrou com uma notificação do Instagram. Era um post do César.
Meu polegar pairou sobre o ícone, uma sensação de pavor se formando no meu estômago. Abri mesmo assim. Eu tinha que ver.
A foto foi um soco no estômago. Era uma foto de grupo em um bar chique e lotado. E no centro, Kadu. Ele estava rindo, a cabeça jogada para trás, um braço firmemente enrolado na cintura de Amanda. Ela estava colada ao lado dele, a cabeça apoiada em seu ombro, os olhos semicerrados em um olhar bêbado e adorador. Ele a segurava, seu corpo um escudo contra a multidão, uma presença de apoio que ele não era para mim desde o dia em que saiu do hospital por conta própria.
Mas foram os comentários que realmente me quebraram.
"Eles ficam tão perfeitos juntos!"
"O Rei e sua Rainha! Casalzão."
"Lembro quando todo mundo achava que eles iam casar na faculdade. Algumas coisas simplesmente têm que acontecer."
Então, um comentário de uma conhecida em comum, uma garota chamada Laura. "@KaduAlencar Cara, que ousadia. Espero que a Bia não veja isso."
Prendi a respiração, esperando. A resposta de Kadu apareceu quase instantaneamente.
"@LauraP Ela sobrevive. Ou não. A escolha é dela."
A escolha dele. Sempre era a escolha dele. Minha dor, minha humilhação, minha própria existência era apenas um pequeno inconveniente com o qual ele podia escolher lidar ou descartar.
Eu curti o comentário. Um reconhecimento silencioso e digital de sua crueldade. Então, coloquei meu celular de lado, virado para baixo na mesa de cabeceira. Eu não o deixaria me ver desmoronar. Não mais. Cansei de ser a receptora passiva de seu desprezo. Cansei de ser um fantasma na minha própria vida.
Na manhã seguinte, dirigi até minha consulta de acompanhamento com o Dr. Sanchez. A chuva caía em lençóis, espelhando a tempestade dentro de mim.
"Sozinha hoje, Sra. Barros?", a enfermeira perguntou gentilmente enquanto media minha pressão.
"Eu sou uma menina crescida", eu disse com um sorriso que não alcançou meus olhos. "Eu dou conta."
Saindo da clínica, a chuva havia se intensificado. Puxei o capuz do meu casaco, mas o frio se infiltrou nos meus ossos. Enquanto esperava o sinal abrir, meus olhos se desviaram para a cafeteria do outro lado da rua. E então eu os vi.
Kadu e Amanda, amontoados sob um único guarda-chuva grande, rindo enquanto ele destravava o carro. Ele estava segurando a porta do passageiro aberta para ela, um gesto de cavalheirismo que ele havia abandonado há muito tempo comigo. E pendurado no braço dela, protegido da chuva por uma capa de plástico transparente, havia um vislumbre de tecido branco e bordados intrincados.
O Valentino.
Uma risadinha histérica borbulhou na minha garganta. Claro. Ele não podia nem se dar ao trabalho de levar o vestido de cinco dígitos de sua amante para casa. Ele tinha que exibi-lo na frente dela, um troféu de seu afeto.
Voltei para casa a pé na chuva, sem nem tentar evitar as poças. Quando entrei cambaleando pela porta da frente, estava encharcada até os ossos, tremendo.
Kadu entrou no hall alguns minutos depois, sacudindo algumas gotas de água do cabelo. Ele parou abruptamente quando me viu.
"Nossa, Bia, o que aconteceu com você? Parece um rato molhado."
"Eu vim andando", eu disse, minha voz sem expressão.
Ele franziu a testa. "Andando? De onde?" Então seus olhos se arregalaram em um breve e fugaz momento de recordação. "Ah, certo. Sua consulta. Eu esqueci."
Eu apenas o encarei. Eu o havia lembrado na manhã anterior. E no dia anterior. Deixei um bilhete na geladeira.
"Bem", disse ele, sua culpa momentânea rapidamente se transformando em irritação. "Como foi? Você finalmente recebeu alta? Podemos deixar todo esse... drama... para trás?"
Meus olhos, meu sacrifício, minha luta contínua - tudo apenas drama para ele.
Eu mantive seu olhar, meus próprios olhos claros e firmes pela primeira vez no que pareceu uma eternidade. "Não, Kadu. Não recebi. O dano no nervo óptico é permanente. Sempre haverá o risco de crises. Do brilho. Dos pontos cegos."
Ele ficou em silêncio por um momento. Então soltou um suspiro exasperado. "Então o que você está dizendo é que isso nunca vai acabar. Você sempre vai ter essa... coisa... para jogar na minha cara."
Eu não disse nada. Não havia mais nada a dizer. O homem que eu pensei que conhecia, o homem que eu havia salvado, se foi. Ou talvez ele nunca tenha existido.
"Nossa, você é tão cansativa", ele cuspiu, sua voz se elevando. "É sempre alguma coisa com você, não é? Uma dor de cabeça, um ponto embaçado, algum sintoma novo do caralho. Você gosta de ser a vítima?"
Eu vi então. Uma pequena e fraca mancha de rosa no colarinho de sua camisa branca impecável. O tom exato do batom que Amanda estava usando na cafeteria.
"Tem batom no seu colarinho", eu disse, minha voz mal um sussurro.
Ele congelou, sua mão voando para o pescoço em um reflexo de pânico e culpa.
"E diga à Amanda", acrescentei, as palavras com gosto de veneno, "que ela deveria ter mais cuidado com o vestido de cinquenta mil reais dela. A previsão é de chuva a semana toda."
Seu rosto passou de pálido a carmesim em um piscar de olhos. "Você estava me seguindo? Qual é o seu problema?"
"Ela estava arrasada, Bia!", ele gritou, avançando sobre mim. "O gato dela morreu! Eu estava a consolando!"
"O gato dela morreu no mês passado, Kadu."
"Bem, ela estava tendo uma reação de luto tardia!", ele gaguejou, seus olhos selvagens com o desespero de um homem pego na mentira. "Você não entende, você não é tão sensível quanto ela. Ela precisa de mim! Eu tenho uma responsabilidade com ela!"
"Uma responsabilidade?", perguntei, uma risada quebrada e sem alegria finalmente escapando de mim. "E quanto à sua responsabilidade comigo? Sua noiva? Aquela que voltou para casa sozinha na chuva de uma consulta médica por uma lesão que ela sofreu salvando sua vida?"
"Isso é diferente!", ele gritou. "Aquilo foi um acidente! Isso é... isso é a Amanda!"
Como se fosse um sinal, seu telefone tocou. Ele o pegou. O nome de Amanda brilhava na tela. Ele atendeu, sua voz instantaneamente caindo para aquele tom suave e preocupado.
"Amanda? O que foi? Você está bem?"
Um soluço abafado e teatral veio pelo alto-falante. "Kadu... me desculpe... acho que estou tendo outro ataque de pânico..."
Ele não hesitou. Nem sequer olhou para mim.
"Estou a caminho", disse ele, já se virando para a porta. Ele parou, a mão na maçaneta, e lançou um último olhar de desprezo por cima do ombro.
"Fique aqui. Se seque. E, pelo amor de Deus, tente não ser tão dramática quando eu voltar."
Ele saiu, batendo a porta atrás de si. O som ecoou no espaço silencioso e cavernoso da vida que havíamos construído.
Dramática. Ele achava que eu estava sendo dramática.
E naquele momento, eu percebi a verdade. Por cinco anos, eu não estive cega por causa de um nervo danificado. Eu estive cega porque escolhi não ver.