Mas seus ataques a mim se tornaram uma espécie de esporte para ela, uma série de pequenos e calculados cortes.
Ela fazia isso quando Breno estava presente, mas distraído, ou quando meus pais estavam fora do alcance da audição.
"Clarice, esse vestido é... interessante", ela dizia, me olhando de cima a baixo com um sorriso de pena. "É um pouco sério demais para uma jovem. Você deveria me deixar te levar às compras. Precisamos encontrar algo que te faça parecer menos... acadêmica."
Ou ela mencionava meus estudos com um tom de falsa admiração que era pura condescendência. "Todo esse trabalho para o seu mestrado em arquitetura, é tão impressionante! Mas, sério, você não precisa se esforçar tanto. Você sempre terá os Mendonça para cuidar de você, não é?"
A implicação era sempre a mesma: eu era uma dependente, um caso de caridade, uma solteirona intelectual em formação que não pertencia ao mundo glamoroso deles.
A gota d'água, antes da verdadeira explosão, veio durante um pequeno jantar em família com alguns primos de Henrique. Uma delas, uma tia idosa e doce chamada Carol, estava me elogiando.
"Essa vaga na FAU-USP é simplesmente maravilhosa, Clarice. Seus pais teriam ficado tão orgulhosos."
Senti um calor familiar se espalhar pelo meu peito. Antes que eu pudesse agradecer, Fabiana, que estava sentada ao meu lado, passou um braço pelos meus ombros. Seu toque parecia uma aranha rastejando na minha pele.
"Ela não é a melhor?", Fabiana cantou, me apertando com força. "Breno e eu estávamos justamente falando sobre isso. Estamos tão orgulhosos da nossa irmãzinha." Ela enfatizou a palavra "irmãzinha" com um tapinha paternalista no meu braço. "Na verdade, assim que Breno e eu nos casarmos, vou fazer da minha missão pessoal encontrar um marido para a Clarice. Já está na hora de ela sair de casa e começar sua própria família. Não podemos deixar que ela vire uma solteirona, podemos?"
A mesa ficou em silêncio.
Dava para ouvir uma mosca voar. Os primos trocaram olhares constrangidos. O rosto de Helena ficou rígido.
Ser chamada de dependente era uma coisa. Ter meu futuro traçado para mim como se eu fosse uma propriedade a ser descartada, na frente da minha família? Isso cruzou uma linha que eu nem sabia que existia.
Meu corpo inteiro gelou. Lentamente, coloquei meu garfo no prato.
Helena lançou um olhar para Breno, uma ordem silenciosa e furiosa para que ele controlasse sua namorada. Breno, para seu crédito, parecia mortificado. Ele alcançou o braço de Fabiana, sua voz um silvo baixo. "Fabiana, pare."
Mas Fabiana estava embalada. Ela ou não viu o aviso dele ou não se importou. Ela pegou um pedaço de aspargo da travessa e o colocou no meu prato.
"Toma, querida, você precisa comer mais. Você está muito magra", disse ela, sua voz pingando falsa preocupação.
Eu encarei o aspargo no meio do meu purê de batatas. Olhei para seu rosto perfeitamente maquiado, seus olhos sorridentes e presunçosos. E algo dentro de mim, algo que vinha pacientemente absorvendo seu veneno por semanas, finalmente estourou.
Eu estava prestes a falar, a dizer algo imperdoável, quando uma voz grave cortou a tensão como uma guilhotina.
"Fabiana."
Era Henrique. Ele havia pousado sua taça de vinho, e o som ecoou na sala silenciosa. Ele não estava olhando para ela, mas sua voz estava carregada de tanta autoridade fria que ela se encolheu.
"Clarice é nossa filha", disse ele, sua voz baixa, mas carregando o peso de um decreto de ferro. "O futuro dela é dela para decidir. O lugar dela nesta casa é permanente e inegociável. Esta é a última vez que quero ouvir você, ou qualquer outra pessoa, sugerir o contrário. Ficou claro?"
O sorriso de Fabiana desapareceu. Seu rosto passou de presunçoso para branco como giz em um piscar de olhos.
"Sim, Henrique", ela murmurou, seus olhos arregalados de choque. "Eu... me desculpe. Eu estava só brincando."
"Não teve graça", disse ele, finalmente se virando para olhá-la. Seu olhar era glacial. "Não faça isso de novo."
Ele pegou sua taça de vinho e tomou um gole, o assunto encerrado.
O resto do jantar foi agonizante. Fabiana não disse mais uma palavra, apenas beliscou sua comida com uma expressão tempestuosa. Eu sabia que deveria me sentir vitoriosa. Meu pai me defendeu, inequivocamente. Mas tudo o que senti foi um nó de pavor. Eu não tinha vencido uma batalha. Eu apenas tinha tornado o inimigo mais determinado.
E quando Fabiana me lançou um olhar do outro lado da mesa, um olhar de ódio puro e não adulterado, eu soube que seu próximo ataque não seria com palavras.
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