- Ele o quê? Isso é monstruoso.
- Shh! Os Albuquerque vão te ouvir. Mesmo assim, voltar assim... ela deve estar desesperada.
Ignorei todos eles, meu foco fixo em Fernando. Ele estava olhando para sua mão sangrando, mas não estava se contorcendo de dor. Um sorriso lento e estranho se espalhava por seu rosto. Era o sorriso de um predador que acabara de ser lembrado do quanto gostava da caça. A visão daquilo me causou um arrepio de puro ódio.
Cassandra, ainda no chão, arrastou-se para o lado dele, ignorando seu próprio ferimento.
- Nando, você está bem? Aquela vadia... ela te machucou!
Ela me fuzilou com o olhar, o rosto uma máscara de fúria e lágrimas.
- Como você ousa? Depois de tudo que os Albuquerque fizeram por você, sua órfã ingrata! Você deveria estar de joelhos agradecendo a ele, não o atacando!
Soltei uma risada curta e sem humor.
- De joelhos? É isso que ele está te ensinando agora, Cassandra? A ser uma boa cachorrinha?
Olhei de seu rosto manchado de lágrimas para o olhar sombrio e possessivo de Fernando.
- Ele certamente te treinou bem. Você dominou o ato de "cadela leal" perfeitamente.
Fernando se colocou na frente dela, protegendo-a da minha vista. O gesto era tão familiar que meu estômago revirou. Ele sempre fazia isso, protegendo seu brinquedo mais novo enquanto tentava quebrar o antigo.
- Nosso relacionamento acabou, Beatriz - disse ele, a voz perigosamente baixa. - Você foi expulsa. Você não tem o direito de estar aqui, e certamente não tem o direito de tocar nela.
- Eu tenho todo o direito - cuspi de volta.
Ele deu um passo mais perto, sua figura imponente projetando uma sombra sobre mim.
- A única pessoa que eu amo é a Cassandra - disse ele, as palavras uma facada deliberada. Eu sabia que ele não a amava. Fernando era incapaz de amar. Ele só era capaz de obsessão e posse. - Como um lixo como você conseguiu entrar aqui? Rasteje de volta para o esgoto de onde você veio. Você nunca mais fará parte desta família.
Ele me olhou de cima a baixo, a imagem do desdém aristocrático. O mesmo olhar que ele me deu no dia em que me jogou para fora com nada além da roupa do corpo.
- E você vai pagar pelo que fez no rosto da Cassandra - ele sibilou. - Eu vou garantir isso.
A segurança finalmente estava abrindo caminho pela multidão. Fernando gesticulou para eles, um movimento casual do pulso. Um dos guardas, um homem corpulento que eu não reconheci, aproximou-se de mim com cautela. Fernando então fez algo que gelou meu sangue. Ele enfiou a mão no paletó, tirou uma pequena e ornamentada faca de frutas do seu lugar na mesa e a estendeu para o guarda.
- Dê uma arma a ela - Fernando ordenou, seu sorriso se alargando em um sorriso aterrorizante. - Vamos tornar a luta justa. Eu quero vê-la quebrar.
Eu apenas ri. O som era áspero e quebrado, ecoando no salão de repente silencioso.
- Você acha que pode me quebrar, Nando? Você tenta há anos. Tudo o que você fez foi me deixar mais forte.
O guarda hesitou, olhando dos olhos enlouquecidos de Fernando para os meus, determinados. Eu não esperei por ele. Arranquei a faca da mão de Fernando, seu peso frio e sólido um conforto.
Apontei a ponta da faca para o coração dele.
- Você é patético - sussurrei, minha voz tremendo com uma raiva que fermentava há cinco anos. - Você acha que isso é um jogo? Acha que ainda tem poder sobre mim?
Minha risada ficou mais alta, mais selvagem.
- Você não entende, não é? Eu não voltei para brincar. Eu voltei para queimar seu mundo inteiro até as cinzas.
A memória dos momentos finais de Cometa passou pela minha mente. O relincho aterrorizado, o som frio e industrial da pistola de abate. A imagem de mim, de joelhos na lama, implorando a Fernando para poupá-lo. Ele apenas riu, aquele mesmo sorriso cruel no rosto. Ele me chamou de patética naquela época também.
- Você vai se arrepender disso, Nando - eu disse, minha voz caindo para um silvo venenoso. - Eu juro pelo túmulo de Cometa, um dia, você vai se ajoelhar diante de mim e implorar pela misericórdia que nunca mostrou a ele. E eu vou rir, assim como você fez.
O sorriso em seu rosto desapareceu, substituído por uma carranca furiosa. Ele sabia que eu estava falando sério. Ele sabia que o jogo havia acabado.
- E você - eu disse, virando meu olhar para Cassandra, que se encolhia atrás dele - estará bem ao lado dele.
Minha risada selvagem ecoou pelo salão enquanto a segurança finalmente me cercava. Mas eles chegaram tarde demais. O primeiro tiro da minha guerra já havia sido disparado.