Meu Coração Moribundo, Seus Votos Cruéis
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Capítulo 4

Ponto de Vista: Júlia

Os sons do carro eram uma agressão física. Não eram apenas sons; eram memórias, roubadas e pervertidas, agora usadas como instrumentos de tortura contra mim.

Virei-me, meu corpo tremendo, e tropecei em direção à barreira de proteção, meus nós dos dedos brancos enquanto eu agarrava o metal frio. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e silenciosas, levadas pelo vento cortante na passagem alta da montanha.

Lembrei-me da nossa primeira vez. Sua reverência, suas mãos gentis, a maneira como ele sussurrava meu nome como uma oração. Ele havia tratado meu corpo como um templo sagrado. Agora, ele estava profanando essa memória, transformando nossos momentos sagrados em um espetáculo barato e sórdido com minha cópia, bem na minha frente.

Eu queria correr, fugir, mas não havia para onde ir. Eu estava presa neste trecho desolado de rodovia, um pedaço de lixo descartado na beira da estrada. Apenas fiquei ali, uma estátua de miséria, enquanto o céu sangrava de laranja para roxo.

Uma eternidade depois, o balanço parou. A janela do passageiro desceu, e o rosto de Kaila apareceu. Ela parecia corada, seu batom borrado, seus olhos brilhando com uma satisfação presunçosa e felina.

"Pode entrar agora", disse ela, seu tom o que uma rainha usaria para se dirigir a um mendigo.

Movi-me como um robô, meus membros dormentes, minha mente uma caverna oca de dor. Abri a porta de trás e entrei. O ar lá dentro estava denso, enjoativo com o cheiro de sexo e o perfume triunfante de Kaila. Me deu vontade de vomitar.

"Heitor", Kaila choramingou, espreguiçando-se languidamente. "E se eu engravidar? Você foi tão bruto."

Meu sangue virou gelo.

Heitor riu, um som baixo e satisfeito. "Então teremos", disse ele, sua voz carregada de uma satisfação profunda e possessiva. "Eu adoraria ter um filho com você, Kaila."

O mundo ficou em silêncio. Tudo o que eu conseguia ouvir era um rugido em meus ouvidos.

Um filho.

Um filho.

"Eu quero uma menina", ele sussurrou para mim uma noite, sua mão repousando em minha barriga lisa. "Uma com seus olhos e minha teimosia. Vamos mimá-la até não poder mais."

"E se for um menino?", eu perguntei, traçando a linha de sua mandíbula.

"Então ele será um gênio, assim como o pai", ele riu, me puxando para mais perto. "E bonito, assim como a mãe."

Aquele futuro lindo e esperançoso que pintamos juntos agora parecia uma história de outra vida. A carícia gentil de suas palavras se tornou um instrumento contundente, e ele o estava usando para esmagar meu coração até virar polpa.

"Então você terá que se esforçar mais", Kaila ronronou, sua voz baixando para um sussurro sedutor.

O resto da viagem para casa foi um borrão de tormento. Kaila e Heitor foram implacáveis, seus sussurros e risadas um ataque constante e moedor à minha sanidade. Quando finalmente chegamos à mansão, eles desapareceram no quarto dele, e os sons começaram novamente, mais altos desta vez, ecoando pela casa cavernosa e vazia.

Tranquei-me no meu próprio quarto, do outro lado da vasta propriedade. Mas não importava. Os sons pareciam se infiltrar pelas paredes, um veneno no ar.

Encolhi-me no chão frio do meu banheiro, meus braços em volta do estômago enquanto uma onda de náusea e dor me atingia. Mal consegui chegar ao vaso sanitário antes de vomitar, tossindo a bile amarga e o bocado de sangue que se seguiu.

A porta do meu quarto era uma barreira entre dois mundos. Lá fora, um mundo de celebração carnal, de alegria hedonista, do potencial para uma nova vida. Aqui dentro, um mundo de decadência, de sofrimento silencioso, da certeza da morte.

Isso continuou por dias. A casa se tornou um palco para a devassidão deles. Tornei-me uma prisioneira em meu próprio quarto, minhas únicas companhias a dor implacável em meu estômago e os sons de seu êxtase.

Uma tarde, a casa ficou em silêncio. A quietude foi tão abrupta, tão incomum, que foi enervante. Saí do meu quarto, meu corpo fraco e trêmulo.

Na vasta cozinha de plano aberto, Kaila tentava cozinhar. Farinha polvilhava seu nariz, e o fogão era uma zona de desastre. Heitor estava sentado na enorme ilha de mármore, lendo um jornal, um raro retrato de tranquilidade doméstica.

"Olha quem está aqui", disse Kaila, me avistando. Seu tom era condescendente. "Quer almoçar? Embora eu duvide que você goste."

"Não, obrigada", eu disse suavemente, virando-me para sair.

"Júlia." A voz de Heitor me parou. Era baixa e imponente. Ele dobrou o jornal. "Venha aqui."

Eu não tinha escolha. Caminhei até lá, meus pés silenciosos no chão de pedra fria.

Sobre a mesa havia um prato do que pareciam ser ovos mexidos, mas estavam queimados nas bordas e escorridos no meio. Um pedaço de torrada estava enegrecido além do reconhecimento.

Heitor pegou o garfo e deu uma mordida nos ovos sem mudar de expressão.

"Está bom, querido?", Kaila perguntou, sua voz esperançosa e ansiosa por elogios.

Ele largou o garfo e estendeu a mão, acariciando a bochecha dela com uma ternura que fez minhas próprias bochechas queimarem de vergonha. "É o melhor que já comi", disse ele suavemente.

Meu coração se contraiu tão violentamente que pareceu ter parado.

Lembrei-me da primeira refeição que cozinhei para ele. Eu estava tão nervosa, minhas mãos tremendo enquanto eu lhe servia um simples prato de macarrão. Ele deu uma mordida, seus olhos se fechando em um êxtase exagerado. "Júlia", ele disse, sua voz cheia de admiração. "Qualquer coisa que você faz é a coisa mais deliciosa do mundo."

Agora, aquele mesmo olhar de adoração, aquele mesmo elogio gentil, estava sendo dado por um prato de lixo queimado. Não era sobre a comida. Era sobre torcer a faca.

"Por que você não está comendo?", Kaila perguntou, seus olhos afiados e maliciosos. "Você não gosta da minha comida?"

Eu sabia que era um teste. Forcei-me a pegar um garfo e dar uma pequena mordida. O gosto de ovos queimados e sal era acre na minha boca, e uma onda de náusea subiu pela minha garganta. Engoli em seco, o esforço fazendo meus olhos lacrimejarem.

"Eu... eu preciso usar o banheiro", murmurei, empurrando minha cadeira para trás.

Corri, mas não consegui chegar. Mal alcancei a pia do lavabo antes de tossir violentamente, cuspindo um jato de sangue vermelho vivo na porcelana branca imaculada.

Freneticamente, abri a torneira, tentando lavar a evidência. Mas era tarde demais.

"Qual é o seu problema?", Kaila gritou da porta. "Você não suporta vê-lo me elogiar, não é? Você tem que estragar tudo!" Lágrimas brotaram em seus olhos, uma performance de vitimismo praticado.

Heitor estava lá um segundo depois. Ele viu as lágrimas de Kaila, viu minhas tentativas frenéticas de limpar a pia, e seu rosto endureceu em uma máscara familiar de fúria.

Ele se aproximou, envolvendo um braço protetor nos ombros trêmulos de Kaila, confortando-a com murmúrios baixos.

Então seu olhar gelado caiu sobre mim.

"Você está tão desesperada por atenção que até fingiria estar doente", disse ele, sua voz pingando nojo. Ele me olhou como se eu fosse a criatura mais patética da Terra. "Já que você está tão determinada a estragar o apetite de todo mundo, você não vai comer nada."

Ele se virou para os dois seguranças corpulentos que haviam aparecido silenciosamente na porta.

"Quebre o maxilar dela."

            
            

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