No dia seguinte, fui ao meu trabalho de meio período. Era uma pequena produtora independente, um trabalho civil que me mantinha sã e conectada a um mundo fora do clã. Minha chefe, Mariana, ouviu com um olhar de compreensão triste e cansada enquanto eu pedia demissão. Meus colegas, Davi e Clara, me abraçaram, dizendo que sempre acharam Heitor um babaca manipulador. O apoio simples e honesto deles foi um bálsamo para meus nervos em frangalhos.
Meu celular vibrava incessantemente. Heitor. Ignorei até a décima ligação.
"Oi, meu bem", disse ele, a voz despreocupada, como se nada tivesse acontecido. "Sobre ontem à noite, desculpe por aquilo. A Olívia é tão dramática. Enfim, estive falando com uma cerimonialista. Estou pensando em um casamento na primavera na fazenda..."
A arrogância pura e estonteante daquilo. Ele genuinamente pensava que eu ainda era dele.
Ao fundo, ouvi a voz dela, aguda e exigente. "Heitor, saia do telefone. Precisamos falar sobre minha cobertura na imprensa."
"Preciso ir", disse ele abruptamente, e a linha ficou muda.
Algumas horas depois, meu celular vibrou novamente. Não uma ligação, mas um alerta de notícias de um site de fofocas. A manchete dizia: "O Novo Casal do Poder: Heitor Costa e Olívia Moraes Comemoram Seu Novo Projeto". A foto era deles, brindando com taças de champanhe, o braço dele possessivamente em volta da cintura dela.
Uma raiva fria e limpa me invadiu, cristalizando-se em uma única certeza, dura como diamante. Isso não era um término. Era uma guerra.
Então, um número desconhecido ligou. Quase mandei para a caixa postal, mas algum instinto me fez atender.
"Serafina?" A voz estava carregada de uma preocupação familiar. Era Nuno.
"Heitor... ele teve algum tipo de colapso. Algo com a Olívia. Ele está no Sírio-Libanês. Está chamando seu nome."
"A Olívia está com ele?", perguntei, minha voz assustadoramente firme.
Uma pausa. "Ela o deixou na emergência e foi embora."
Claro que ela fez. E uma parte traiçoeira de mim - a antiga e tola cuidadora - sentiu um lampejo indesejado de algo. Não pena. O fantasma de um dever que eu carreguei por muito tempo. Eu fui sua rocha por tanto tempo que o instinto de firmá-lo estava gravado em meus ossos.
"Por favor, Serafina", a voz de Nuno estava esgotada. "Ele está um caco."
Fechei os olhos. Uma última vez. Isso não era um ato de cuidado. Era a ruptura final. Eu tinha que vê-lo quebrado para finalmente me libertar.
"Eu vou", eu disse.
Enquanto ligava meu carro e saía para a rua, em direção ao hospital, fiz um voto silencioso. Este seria o último sacrifício, o ato final de uma vida que eu estava deixando em cinzas, e a última coisa que eu faria por Heitor Costa.