Apenas quando o dia deu sinais de clarear, foi que me movi. Eu precisava voltar para o orfanato antes do amanhecer, ou Ilda provavelmente me daria uma surra por não estar trabalhando ainda. As roupas precisavam ser lavadas antes do amanhecer para aproveitar a luz do dia, ou não secariam de jeito algum. Para nós que tínhamos que sair para trabalhar todos os dias, era até mesmo comum deixarmos as roupas terminarem secar no corpo.
Tudo o que envolvia colocar a mão em água gelada, era eu que precisava fazer, como se Ilda quisesse me torturar. Limpar o chão e as janelas precisavam ser feitos antes do almoço, e nas tardes eu precisava ajudar na coleta de lenha e voltar a tempo para acender a lareira e fazer o jantar. Considerando o quanto esteve nevando durante a noite, provavelmente teria que pegar a pá e retirar o excesso de neve dos caminhos. Minha cabeça até começou a rodar quando pensei em tudo que precisaria fazer, e o medo de não dar conta me fez mover-me bruscamente.
- Calma, Mia! - disse uma voz imponente puxando meu braço e prendendo-me. - Você quase morreu ontem à noite. Você não está em condições de sair!
- Ryan, eu...
- Não diga mais nada! Você não precisa voltar, pode só ficar aqui comigo. Você podia ter morrido! Tem ideia do quanto me assustou, do quão desesperado fiquei quando te encontrei congelando na neve? Mia, eu não posso te perder!
Por algum motivo que eu não conseguia explicar, suas palavras fizeram meu estômago borbulhar e, sem perceber, eu estava sorrindo. Era aquela capciosa chama da esperança e amor, ao qual tanto ansiava, faiscando dentro de mim.
Sempre pensei que eu era um incômodo para Ryan, que ficar aqui por muito tempo poderia trazer problemas para ele. Talvez pensasse assim por causa de tudo o que já ouvi, palavras cruéis ditas ao longo da minha vida que eu jamais conseguiria esquecer:
"Como apenas essa menina sobreviveu? Isso não faz sentido! Deve ser amaldiçoada."
"Essa pobre garota, sem nada e ninguém. Seria melhor que tivesse morrido também."
"Mais um fardo para eu cuidar. Esse orfanato não precisa de mais um lixo."
Fechei os olhos, suspirei profundamente enquanto tentava afastar todas essas vozes do passado. Eu precisava acreditar em Ryan, precisava confiar em alguém. Se não houvesse mais ninguém no mundo com quem contar, minha existência se tornaria como um rio congelado, incapaz de ser mover, cuja superfície dura esconde uma correnteza de sofrimento sem fim. Qual o sentido de existir somente para sofrer?
- Eu... realmente posso ficar? - perguntei, hesitante. Mesmo que por alguns dias, ficar longe daquela mulher má, longe daquele lugar torturante...
- Eu não vou mais pedir. Mia, o que mais preciso fazer para ter sua confiança? - Ryan não me olhava com carinho, mas com imponência. - Se tudo o que fiz já não foi o suficiente, terei que começar a usar a força.
- Mas, eu... - gaguejei de leve. Eu sabia que, no momento em que eu o aceitasse completamente, ele reivindicaria algo que não estava preparada para dar.
Por um momento, meus olhos se fixaram aos dele, enquanto eu colocava na balança o que era pior. Por algum motivo, sentia que ceder a ele poderia ser mais trágico para o meu coração, mas ainda assim, não conseguia imaginar nada pior do que voltar para o inferno em que vivia.
- Diga, Mia. Se não me responder, eu responderei por você - exigiu ele.
- Eu quero ficar aqui, não quero mais voltar para o orfanato - confessei, desviando o olhar.
Se eu pudesse viver esse sonho, se ele realmente se tornasse real, eu não poderia querer nada mais. No entanto, eu sentia que Ryan me deixaria em breve quando descobrisse a verdade. Eu não queria enganá-lo, mas ainda não tinha coragem de sair dessa doce ilusão em que entrei.
- Mia, eu prometo que não vai se arrepender - disse ele, aproximando os lábios dos meus.
Seus beijos incessantes, seus toques indecentes já faziam parte da rotina desde que o conheci. No entanto, ele sempre soube se controlar e esperar pacientemente que eu lhe desse algo mais. Assim como agora, ofeguei quando sua mão deslizou para dentro das minhas roupas e meu coração começou a bater tão forte que achei que ia sair do peito.
- Ryan, você pode esperar... só mais alguns dias - implorei, tentando recobrar o fôlego.
- Mia... - sussurrou, como se preso aos seus instintos carnais. - Por que você sempre faz isso comigo?
- Só mais alguns dias - pedi com mais firmeza. Se ele não me deixasse quando descobrisse, então eu poderia me entregar sem receios e acreditar nesse amor pelo qual tanto ansiava.
- Certo, mas não vou conseguir me segurar se eu conviver com você neste lugar.
- O que quer dizer? - perguntei, com medo dele me mandar de volta para o orfanato. Assim que seus lábios se curvaram em um sorriso brincalhão, a tensão no meu corpo se foi e senti que ele não faria isso comigo.
- Ficarei hospedado na cidade pelos próximos dias. Há comida suficiente no depósito do chalé. No seu aniversário, voltarei para comemorar sua maioridade e conhecer sua loba. - Ryan se levantou, passando a mão pelos seus cabelos esvoaçados. Então, lançou-me um olhar penetrante antes de passar comandos bem específicos. - Não abra a casa para ninguém enquanto eu estiver fora e nem pense em sair da propriedade. Não importa para onde você vá, jamais poderá escapar de mim, companheira.
Havia um tom de ameaça escondido em sua voz, algo que me dizia que todo esforço que investiu em me conquistar não seria em vão. Eu não tinha medo, pois queria viver, e se ele era a pessoa que me permitiria sobreviver neste mundo cruel, então me agarraria firmemente a ele, até que pudesse caminhar por mim mesma.