Cheguei à mesa e, assim que Julius me viu, levantou-se, cumprimentou-me e puxou a cadeira para eu me sentar. No instante em que me acomodei, senti aquela sensação novamente. Olhei para os lados e, na mesa em frente à minha, um par de olhos azuis me encarava. Naquele momento, o mundo ao meu redor silenciou.
Os olhos verdes-água me avaliavam, me consumiam, me afogavam. Eu não conseguia parar de olhar aquele ser que parecia ter saído de uma pintura da era medieval. A pele morena, os cabelos pretos feito carvão, bem cortados, a boca carnuda e rosada me fazendo imaginar muitos cenários diferentes. Ele vestia uma camisa social branca e um colete preto bem alinhado. "Este homem não pode ser deste mundo," pensei. Escutei meu nome ser chamado, uma, duas vezes... Na terceira vez, Julius se sentou na cadeira à minha frente, o que me fez voltar a respirar.
"Tudo bem, senhorita Hera?" perguntou Julius, olhando-me fixamente.
"Sim, Julius, e você, como está?" perguntei, tentando voltar minha atenção para o homem à minha frente.
"Estou ótimo, obrigada por perguntar," ele disse, servindo uma taça de vinho. Começamos a reunião em um clima descontraído, porém sem deixar claros os nossos objetivos. Assim que terminei meu Lombo de Wagyu Grelhado com Redução de Vinho Tinto e Batatas Pont-Neuf, escutei Julius pigarrear e, logo em seguida, ele começou a falar.
"Hera, minha querida, pensa no assunto com carinho. Sei que não é uma prática da sua empresa fazer esse tipo de acordo, porém isso garantiria novos pedidos da nossa parte."
Assim que ele terminou de falar, comecei a recolher meus pertences e fiz menção de levantar, o que o deixou assustado.
"Onde a senhorita vai no meio de um contrato de compra e venda?" ele questionou.
"Para casa. Não tenho a intenção de aceitar esses termos, o que já havíamos deixado claro ao senhor. Então, estou me retirando. Se o senhor mudar de ideia e tiver a intenção de assinar o contrato que já está redigido com os termos que já lhe foram apresentados, o senhor tem meu e-mail. Com sua licença."
Levantei da mesa e fui em direção à porta. Assim que a atravessei, dei de cara com alguém que me segurou pela cintura. Naquele momento, meu corpo inteiro se aqueceu. Olhei para o ser me segurando e paralissei, pois tinha os mesmos olhos verdes-água me analisando. Senti seu cheiro amadeirado tomar minhas narinas, me deixando embriagada.
"Lindos," ele balbuciou, sem desviar os olhos dos meus, sua respiração encontrando a minha. Atrás de mim, a porta se abriu e a recepcionista falou, toda melosa:
"Senhor Carini, suas chaves."
Me soltei de seus braços e saí rumo à minha moto. Olhei para trás e vi a recepcionista posicionar a mão em seu peito, e ele travar o maxilar e falar algo para a moça, que retirou a mão rapidamente e ficou vermelha feito um pimentão. Logo em seguida, Julius saiu de dentro do restaurante, o que me fez agilizar os passos até minha moto. Coloquei a mochila, subi nela e, dessa vez, não me dei ao trabalho de arrumar a saia. Simplesmente liguei a moto e saí, passando pelos três.
Voltei para casa com a sensação de que veria aquele homem novamente, o que me deixou com uma sensação estranha. Minha cabeça ficou revendo várias e várias vezes aqueles olhos me encarando, e quando dei por mim, estava em frente à minha casa. O pessoal da segurança abriu o imenso portão e segui para a garagem. Estacionei, desci e adentrei a sala de estar. Papai já me esperava ali mesmo.
"Princesa, já em casa?" ele indagou.
"Sim, papai, tenho uma competição hoje." Ele assentiu e falou logo em seguida: "Sua mãe não está nada feliz com isso."
"Irei falar com ela, mas e o senhor, o que fez o dia todo?" perguntei, tentando tirar um pouco o foco da minha competição. Assim que meu pai terminou de me contar tudo sobre o dia dele, fui em direção ao meu quarto, pois precisava arrumar minhas coisas para a competição. Assim que cheguei em frente ao meu quarto, escutei a voz de minha mãe atrás de mim.
"Filha, podemos conversar?" ela falou, com um olhar de preocupação que me partiu o coração.
"Claro, mamãe," falei, abrindo a porta do meu quarto e entrando junto com minha mãe. Assim que coloquei a bolsa sobre a cama, ela me abraçou, me pegando de surpresa.
"Sei que você ama essas competições, e não serei mais contra, mas me prometa uma coisa," ela perguntou, quase se fundindo a mim.
"Claro, mãe, me fala, o que seria?" falei, abraçando-a também.
"Promete que vai se cuidar, e que nunca correrá sem fazer uma manutenção no carro no dia da corrida."
"Eu já faço isso, mãe, mas prometo à senhora que isso será lei a partir deste momento."
Assim que fechei a boca, ela me soltou, olhando diretamente nos meus olhos, checando se eu estava lhe falando a verdade. Mamãe sempre foi assim, mesmo eu e Hermes sendo adultos, ela sempre está em todas as nossas escolhas, nos aconselhando e fazendo-nos prometer que colocaremos nossa segurança acima de qualquer coisa. Com tudo acordado com Dona Alissa, comecei a arrumar minhas coisas. Terminei de arrumar tudo, tomei um banho, coloquei uma calça de couro skinny preta, uma blusa de seda solta azul cobalto, minha jaqueta de couro biker favorita e nos pés um Alexander McQueen. De acessórios, mantive o conjunto de brincos de diamante e o colar, trocando somente o relógio, optei por um Rolex Daytona. Maquiagem simples, realçando a cor dos meus olhos e no cabelo, um rabo de cavalo bem feito. Verifiquei tudo no espelho e estava maravilhosa. Saí do closet, peguei minha bolsa rumo à garagem. Desci as escadas até a sala onde estavam papai e mamãe, sentados assistindo TV. Dei um beijo em cada um e saí pela porta para pegar meu Porsche 911 Turbo S. Adentrei meu carro e saí acelerada rumo ao autódromo.
Cheguei ao Monticello Motor Club, estacionei no setor privativo que pertence à minha família. Lá estavam meu irmão com alguns amigos e minha melhor amiga, Samira. Estacionei e saí do carro indo de encontro a eles.
"Olha quem chegou para ser a número 1!" falou meu irmão, todo orgulhoso.
"Sempre!" falei, com a mão no peito.
"Vai com tudo, Senhora a Toda Velocidade, pois não quero passar vergonha hoje!" ele falou com cara de deboche.
"Fique quieto, Sr. Estratégia!" falei rindo, pois sei que ele está mais nervoso que eu com essa competição.
"Hera, quanto tempo!" falou Samira, me abraçando.
"Pois é, fazem 24 horas, se não estou enganada!" falei, pois Samira esteve lá em casa neste horário ontem, foi quando a convidei para a minha competição. Ela riu e me acompanhou até o meu camarim, onde comecei a trocar de roupa.
"Amiga, tem um deus aqui hoje que você precisa conhecer!" ela falou.
"Sério? E quem seria?" perguntei.
"Daqui a pouco você saberá," ela falou, com um sorriso misterioso.
Saí do banheiro e fui até Samira. Cheguei em sua frente e dei uma voltinha, mostrando a parte de trás do meu macacão, onde estava escrito "Senhora a Toda Velocidade", o número 11 (minha data de nascimento) e, abaixo do número, meu nome.
"Hermes, como sempre," ela falou.
"SIM! Meu fã número 1!" falei, eufórica. Assim que fechei a boca, meu irmão e o homem dos olhos verdes-água mais lindo que já vi neste mundo entraram no meu camarim. Foi naquele momento que meu mundo mudou completamente.