"Ah, Caio!", minha mãe chorou, lágrimas de alegria escorrendo pelo rosto. "Eu sabia! Eu sabia que ele ainda te amava, Clara! Ele é um bom homem, um homem maravilhoso! Você nunca deve deixá-lo ir!"
Fiquei perto da janela, em silêncio, observando o trânsito da manhã passar lentamente. Minha família estava salva. O peso do desespero deles foi levantado. Tudo o que custou foi a minha alma.
Um carro preto elegante parou suavemente no meio-fio abaixo. O motorista, um homem que eu não reconheci, saiu e abriu a porta de trás. Era hora.
Meus pais me abraçaram, seus rostos iluminados de alegria, completamente alheios. Eles pensavam que eu estava voltando para minha vida de luxo, para ser querida e adorada por um marido que secretamente me amava. Eles não tinham ideia de que eu estava entrando em uma gaiola dourada para cumprir minha sentença como mulher mantida.
O carro me levou de volta pela ponte, de volta ao coração cintilante de São Paulo. Parou em frente à entrada familiar e imponente do meu antigo prédio. A cobertura. Meu lar.
O porteiro, que costumava me cumprimentar com um sorriso deferente, agora me olhava com uma mistura de pena e curiosidade. A subida de elevador parecia uma descida ao inferno.
Quando as portas se abriram diretamente no hall de entrada, eu a vi.
Ela estava parada perto das grandes janelas com vista para o parque, banhada pela luz da manhã. Era alta, esguia, com cabelos da cor de ouro fiado e olhos da cor de um céu de verão. Ela era, em uma palavra, perfeita. Esta devia ser o "verdadeiro amor".
Ela se virou e sorriu para mim, um sorriso caloroso e genuíno que estava completamente em desacordo com a situação.
"Você deve ser a Clara", ela disse, sua voz suave e melodiosa. "Eu sou Amanda Rios. É um prazer finalmente conhecê-la."
Sua simpatia foi mais desorientadora do que uma hostilidade aberta teria sido. Ela não estava com ciúmes? Não estava com raiva de que seu namorado estivesse trazendo a ex-esposa para casa para ser sua amante?
Uma empregada que eu não reconheci me mostrou meu quarto. Meu antigo quarto. Tudo estava exatamente como eu havia deixado. Minhas roupas ainda estavam no armário, meus perfumes na penteadeira. Era uma zombaria cruel e calculada.
Afundei na cama, a seda familiar do edredom fria contra minha pele. Tudo se fora, mas aqui estava. Eu estava em casa, mas era uma prisioneira. Mas minha família estava segura. Isso tinha que ser o suficiente.
Mais tarde, uma empregada me acordou gentilmente. "Senhorita Freitas? O Sr. Monteiro solicita sua presença para o jantar."
Entrei na sala de jantar. Caio estava na cabeceira da mesa, Amanda à sua direita. Pareciam um rei e uma rainha. Hesitei, sem saber onde deveria me sentar. O terceiro lugar à mesa parecia uma marca de ferro em brasa.
Sentei-me, com as mãos entrelaçadas no colo. Um criado colocou um prato na minha frente. Por hábito, o hábito de uma vida inteira sendo servida, esperei. Esperei que alguém me servisse vinho, me oferecesse pão.
Senti os olhos deles em mim. Olhei para cima e vi o olhar frio e zombeteiro de Caio, e o olhar de confusão educada de Amanda. O calor subiu às minhas bochechas. Eu não era mais a dona da casa. Eu era a serviçal.
"Não estou com muita fome", murmurei, empurrando minha cadeira para trás. "Acho que vou comer na cozinha."
"Fique", Caio ordenou, sua voz afiada.
Eu congelei.
Ele gesticulou com o queixo em direção ao copo de Amanda. "Amanda gostaria de um pouco de água."
Meu maxilar se contraiu. Levantei-me, caminhei até o aparador e enchi um copo de cristal com água, meus movimentos rígidos e bruscos. Coloquei-o ao lado dela, evitando seus olhos.
"Obrigada, Clara", ela disse suavemente.
Sentei-me novamente, meu próprio prato intocado.
Caio deu uma mordida em seu bife, mastigou lentamente, depois olhou para Amanda. "Querida, você adora camarão. Clara, descasque alguns para a Amanda."
As palavras pairaram no ar, espessas de malícia. Ele sabia que eu odiava descascar camarão. Sabia que meus dedos eram desajeitados, que eu sempre fazia uma bagunça. Ele costumava fazer isso por mim, separando pacientemente a carne delicada da casca, colocando-a no meu prato com um pequeno sorriso secreto.
Meus olhos começaram a arder. Pisquei para conter as lágrimas, recusando-me a deixá-lo me ver chorar. Movi minha cadeira para o lado da de Amanda, peguei o pequeno garfo de prata e comecei a tarefa humilhante. Minhas mãos tremiam enquanto eu trabalhava, o fantasma de sua gentileza passada um eco atormentador.
Tentei me concentrar em outra coisa. Em um plano. Eu tinha que fazer Amanda gostar de mim. Se a rainha estivesse do meu lado, talvez o reinado de terror do rei fosse menos severo. Quanto tempo isso duraria? Um mês? Um ano? Certamente, em algum momento, sua necessidade de vingança seria saciada. Certamente, ele se cansaria de mim e me deixaria ir.
Caio de repente jogou o guardanapo na mesa. "Perdi o apetite."
Ele se levantou e saiu da sala sem outra palavra.
Olhei para Amanda, perplexa. "Eu fiz algo errado?"
Ela olhou de volta para mim, seu rosto perfeito indecifrável. Um pequeno sorriso enigmático brincava em seus lábios. "Você não sabe?"
Balancei a cabeça. "Eu nunca o entendi."
Naquela noite, ele veio ao meu quarto.
A porta se abriu sem uma batida. Eu já estava na cama, fingindo estar dormindo. Ouvi-o se mover pelo quarto, o som de suas roupas caindo no chão.
"Você pode ficar com a cama", eu disse, minha voz abafada pelo travesseiro. "Eu fico no chão."
Foi uma coisa estúpida e reflexa de se dizer. Por três anos, ele dormiu em um colchonete no chão.
Senti a cama afundar ao meu lado. Uma risada baixa e sombria retumbou em seu peito. "Acho que você está confundindo nosso antigo arranjo com o novo, Clara."
Ele me virou de costas, seu corpo enjaulando o meu. O peso dele era avassalador.
"Caio, não", eu implorei, minha voz fina. "Por favor."
"Você não tem o direito de dizer não", ele rosnou, seus lábios roçando minha orelha. "Foi para isso que você se inscreveu."
"Vá para a Amanda", eu sussurrei, virando o rosto. "Ela é sua namorada. Isso é errado."
Seu aperto em meus pulsos se intensificou, seus olhos tornando-se duros e frios. Ele se inclinou, sua voz um sussurro áspero. "Você quer que eu vá para ela? É isso que você quer, Clara? Que eu fique com ela?"
"Sim", eu solucei, a mentira rasgando minha garganta. Qualquer coisa para fazer isso parar. Qualquer coisa para afastá-lo de mim.
Sua resposta foi um beijo brutal que tinha gosto de raiva e posse. Ele estava me punindo, e eu não entendia por quê. Ele era um mestre da agressão passiva, um homem que havia afiado seu ressentimento em uma lâmina afiada ao longo de três longos anos. O estudioso gentil e desajeitado era uma mentira, uma ficção cuidadosamente elaborada. Este, percebi com um baque doentio, era o verdadeiro Caio Monteiro.
Ele se moveu contra mim, suas ações rudes e desprovidas de qualquer ternura. Foi uma violação, uma reivindicação. Fechei os olhos e suportei.
Muito mais tarde, enquanto eu flutuava no espaço exausto entre o sono e a vigília, ouvi-o sussurrar. Era um som baixo e dolorido, como um homem falando em um sonho febril.
"Por que, Clara? Por que tinha que ser ele?"