Ela o construiu, depois o destruiu
img img Ela o construiu, depois o destruiu img Capítulo 2
2
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
img
  /  1
img

Capítulo 2

Ponto de Vista: Abril Azevedo

Minha mão tremia, mas minha voz estava firme. Era um velho truque que eu havia dominado, compartimentar a traição do corpo da determinação da mente. O ar na sala ficou denso, pesado com o silêncio que se seguiu à verdade irrefutável exibida na tela do meu celular.

Heitor não negou. Ele não podia. Apenas ficou ali, o olhar fixo na imagem, o político carismático finalmente sem palavras.

"Ela...", ele começou, sua voz um arranhado áspero e desconhecido. "Começou depois do evento de arrecadação na galeria."

As palavras pairaram no ar, cada uma uma pequena e afiada traição. Ele falava dela não com vergonha, mas com uma estranha, quase melancólica nostalgia.

"Ela estava tão perdida, sabe? Desajeitada. Derramou uma taça de champanhe no Vereador Dantas. Tive que contornar a situação."

Ele fez parecer um fardo, mas eu podia ouvir o subtexto. Ele tinha sido o herói dela, seu salvador. Enquanto eu analisava os números, negociava com doadores e construía seu império, ele se deleitava no brilho da adoração simples de uma jovem.

"Foi uma época difícil", ele continuou, finalmente desviando o olhar do celular e olhando por cima do meu ombro, como se o passado fosse um lugar mais confortável para estar. "A imprensa estava nos massacrando por causa da polêmica do novo plano diretor. Você estava... tensa."

A maneira como ele disse a palavra 'tensa' foi uma acusação.

"Ela apenas ficava comigo. Depois que todos iam embora. Nem mesmo conversando, apenas... estando lá."

O ar-condicionado ligou, e uma rajada de ar frio me atingiu. Envolvi meus braços em volta de mim mesma, mas o frio vinha de dentro. Heitor foi até o carrinho de bar e acendeu um cigarro, um hábito que ele só tinha quando sentia as paredes se fechando. A fumaça se enrolava em volta de sua cabeça, um escudo nebuloso.

"Ela não é como você, Abril", ele disse, as palavras parcialmente obscurecidas por uma nuvem de fumaça cinza. "Ela não é... complicada."

Ele deu outra tragada, a ponta do cigarro brilhando como um olho malévolo na luz que diminuía.

"Ela é simples. Ela é como... a luz do sol. Ela não questiona tudo. Ela não tem esses... humores."

Aí estava. A culpa, habilmente transferida de seus ombros para os meus. Minha dor pela morte do meu irmão, minha ansiedade, o custo emocional da vida que eu construí para ele - tudo foi reembalado como "humores". Como um fardo.

"Estou sob tanta pressão", ele disse, sua voz assumindo um tom cansado e autopiedoso. "Esta campanha, a câmara municipal, o escrutínio constante. É um peso esmagador, Abril."

Ele olhou para mim então, seus olhos suplicando por uma compreensão que eu não era mais capaz de dar. "E eu chego em casa, e você está sempre tão tensa. É como adicionar mais cinquenta quilos nas minhas costas."

Ele se largou em uma poltrona, a imagem perfeita de um homem injustiçado pelo mundo, por sua própria ambição, por sua esposa difícil. Eu o observei, meu coração uma pedra morta e pesada no peito. O homem que eu amei, o homem que eu criei, era um estranho.

"Então, você quer o divórcio?" A pergunta escapou, plana e desprovida de emoção.

Sua cabeça se ergueu de repente, seus olhos arregalados com algo que parecia alarme. "Não! Deus, não, Abril. Não é isso que eu quero."

Ele se inclinou para frente, os cotovelos nos joelhos, o cigarro pendurado nos dedos. "Você não entende? Ela é só... uma válvula de escape. Um lugar onde eu posso ir para respirar, para que eu possa voltar aqui. Para que eu possa continuar sendo o homem que você precisa que eu seja."

Ele olhou para mim, sua expressão séria, como se tivesse acabado de apresentar a explicação mais lógica e razoável do mundo.

"Eu preciso dela", ele disse, sua voz baixando para um sussurro conspiratório, "para poder continuar te amando."

O absurdo puro e absoluto da declaração me atingiu como um golpe físico. Uma risada engasgada e histérica escapou dos meus lábios. "Então eu deveria te agradecer? Agradecer a essa garota por transar com meu marido para que ele aguente voltar para casa?"

"Não seja vulgar", ele retrucou, sua paciência finalmente se esgotando. Ele se levantou, andando de um lado para o outro na frente da janela. "Eu fui paciente com você, Abril. Por anos. Paciente com sua dor, seus colapsos."

Ele se virou para mim, o rosto uma máscara de nojo. "Você não tem ideia do quão nojenta você fica quando perde o controle. Isso. É disso que estou falando."

Ele gesticulou vagamente para o meu rosto, para as lágrimas que eu não tinha percebido que estavam escorrendo pelas minhas bochechas. "É por isso que eu não consigo respirar."

---

            
            

COPYRIGHT(©) 2022