Ponto de Vista: Abril Azevedo
O café na Ponte Estaiada era um território neutro, todo cromado reluzente e com o cheiro estéril de café queimado. Era o tipo de lugar que as pessoas iam quando não queriam ser vistas. Às 6 da manhã, estava quase vazio. Escolhi uma mesa nos fundos, uma posição que me dava uma visão clara da entrada.
Ketlyn chegou às 6:05. Ela não parecia em nada com a estagiária confiante e adoradora do escritório da campanha. Era um fantasma, perdida em um moletom enorme, o rosto pálido e sem maquiagem. Seus olhos, arregalados e aterrorizados, percorreram o café antes de pousarem em mim.
Ela se aproximou da mesa como um cervo se aproximando de um predador, pronta para fugir ao menor movimento.
"Ele me disse para não vir", ela sussurrou, deslizando para o assento oposto ao meu. Suas mãos tremiam tanto que ela as escondeu sob as coxas. "Ele disse que você tentaria distorcer as coisas."
"E, no entanto, aqui está você", eu disse, minha voz plana. Não lhe ofereci café. Não lhe ofereci conforto. Eu não era sua amiga. "Isso sugere que você não acredita totalmente nele."
Lágrimas brotaram em seus olhos. "Ele disse que foi um erro. Um erro administrativo. Ele disse que seus advogados consertariam, que meu nome seria limpo."
"E o Danilo? Seu irmão? Ele também é um erro administrativo?", perguntei. Os advogados de Heitor garantiram que a pequena e não relacionada violação de condicional de Danilo de seis meses atrás estivesse de repente de volta à pauta. Era um recado claro: fique na linha, ou sua família se machuca. Um movimento clássico de Heitor. Brutal, eficiente e covarde.
O rosto dela se desfez. "Ele disse... ele disse que o Danilo procurou por isso."
"Ele disse, ele disse", repeti, as palavras pingando desprezo. "Você está vivendo sua vida baseada nas palavras de um homem que está ativamente construindo sua cela de prisão. Ele te disse que te amava enquanto fazia isso? Ele te disse que vocês dois tinham um futuro?"
Um lampejo de desafio brilhou em seus olhos cheios de lágrimas. "Ele me ama. Ele vai te deixar. Depois da eleição."
Eu quase ri. A pura e estonteante ingenuidade daquilo. Ela ainda acreditava no conto de fadas.
"Foi isso que ele te prometeu?", inclinei-me ligeiramente para a frente. "Um apartamento no centro? Um 'pacote de rescisão' de cem mil reais para te agradecer pelos seus serviços e te manter quieta?"
A cor sumiu de seu rosto. Eu havia citado o contrato palavra por palavra.
Deslizei meu tablet pela mesa. Na tela estava o arquivo que eu encontrei. O contrato de aluguel. O contrato de pagamento. As transações da empresa de fachada para o fundo de 'contingência' particular dele.
"Isso não é um plano para um futuro, Ketlyn", eu disse suavemente, o tom baixo mais devastador do que um grito. "Isso é uma estratégia de saída. Ele nunca ia me deixar por você. Ele ia te deixar para a Polícia Federal. Ele lavou um quarto de milhão de reais através de uma empresa em seu nome, depois desviou uma parte para criar seu dinheiro de silêncio. Quando a investigação, que é inevitável, viesse à tona, ele seria o político poderoso, tragicamente enganado por uma estagiária gananciosa e ambiciosa. Você."
Ela encarou a tela, a respiração curta e ofegante. A verdade era inegável, escrita em preto e branco, em cifras e cláusulas legais.
"Ele estava te usando como um escudo. Agora ele está te usando como um bode expiatório", continuei, pressionando a vantagem. "Os advogados dele não estão te protegendo; estão te isolando. Estão construindo uma narrativa. Quando terminarem, você terá sorte se pegar apenas cinco anos."
O primeiro soluço rasgou sua garganta, um som cru e ferido. "Não... não, ele não faria..."
"Ele faria", eu disse, minha voz como gelo. "Acredite em mim. Eu conheço o homem que criei."
Deixei-a chorar por um minuto inteiro, observando a fantasia que ela construiu em torno de sua vida se transformar em pó. Seu idealismo era um passivo, mas seu medo... seu medo eu podia usar.
"Existe uma saída", eu disse, puxando o tablet de volta.
Ela ergueu o olhar, o rosto uma bagunça de lágrimas e horror crescente. "Como?"
"O comício é em dois dias. É o maior momento dele. Tudo tem que ser perfeito." Fiz uma pausa, deixando a implicação pairar no ar. "Heitor está distraído. Ele está em pânico. Ele precisará de alguém em quem confia na cabine de controle com os arquivos da apresentação."
Deslizei um pequeno pen drive criptografado pela mesa. Parecia idêntico aos oficiais da campanha.
"Ele vai te dar um pen drive com os slides do discurso dele", eu disse. "Você vai trocá-lo por este. Quando ele chegar à parte do discurso sobre 'integridade e responsabilidade fiscal', este pen drive vai exibir um conjunto diferente de slides."
Seus olhos se arregalaram de terror. "O que tem nele?"
"Tudo", eu disse. "Os extratos bancários. Os documentos da empresa de fachada. O contrato de pagamento." Então eu dei o golpe final e devastador. "E o relatório policial completo e sem cortes do acidente de carro que matou meu irmão há dez anos. Aquele que prova que Heitor estava dirigindo de forma imprudente. Aquele que eu o ajudei a encobrir."
Ela recuou como se o pen drive fosse venenoso. "Você quer que eu... o arruíne?"
"Ele já está te arruinando", corrigi. "Estou te oferecendo uma escolha. Você pode ser a vítima dele, ou pode ser sua própria salvadora. Coopere, e eu entregarei esta evidência às autoridades, junto com uma declaração juramentada enquadrando você como um peão manipulado e relutante. Meus advogados irão representá-la. Você terá imunidade total. Você sairá livre. Ele irá para a prisão por um tempo muito, muito longo."
Levantei-me, deixando o pen drive na mesa.
"A escolha é sua, Ketlyn. Seja a garota que ele ferra, ou seja a mulher que incendeia o mundo inteiro dele."
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