O Passado Oculto da Esposa Perfeita
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Capítulo 3

Ponto de Vista: Elia Mendes

Os pneus cantaram, mas o carro não se moveu um centímetro.

Eu não consegui. Não porque eu me importasse, mas porque ele não valia a acusação de assassinato.

Heitor estava deitado no chão imundo, olhando para mim. Seus olhos não estavam cheios de medo. Estavam cheios de uma luz selvagem e triunfante. Ele havia vencido. Ele havia provado que eu não iria - não poderia - deixá-lo.

Ele era um louco.

Coloquei o carro em ponto morto, saí e passei por sua forma prostrada sem uma palavra. Deixei meu carro batido no beco e chamei um carro por aplicativo. Ele não tentou me impedir desta vez. Apenas ficou lá, me observando ir.

Quando voltei para casa, me tranquei na minha ala. Os papéis do divórcio ainda estavam na minha agenda, mas minha estratégia tinha que mudar. Um confronto direto com um animal encurralado como Heitor era muito bagunçado. Muito imprevisível.

Minha vingança precisava ser mais fria. Mais precisa.

No dia seguinte, meu celular vibrou com uma mensagem inesperada. Era de Cândida.

*Elia, eu sinto muito, muito mesmo. Fui uma tola. Sei que o que fiz foi errado. Podemos nos encontrar, por favor? Preciso me desculpar pessoalmente. Quero consertar as coisas.*

Seu tom era uma virada de cento e oitenta graus de suas habituais provocações arrogantes. Era humilde, suplicante. Era também uma mentira completa.

Eu sabia que era uma armadilha. Mas eu estava curiosa. Que novo nível de teatro patético ela estava planejando?

*Onde?*, respondi.

Ela enviou um endereço no interior de São Paulo. O endereço da vinícola.

*Estarei esperando*, ela escreveu.

Dirigi até lá naquela tarde. A propriedade era magnífica, eu tinha que admitir. Uma imensa vila em estilo toscano com vista para fileiras e mais fileiras de videiras, as folhas começando a dourar ao sol de outono. Heitor havia construído isso para ela. Um monumento ao caso sórdido deles.

Cândida estava me esperando na varanda, vestida com um vestido branco esvoaçante, parecendo em todos os aspectos a donzela inocente da vinícola.

"Elia, obrigada por vir", ela disse, sua voz suave e ofegante.

Eu não respondi. Apenas olhei para ela, minha expressão indecifrável.

Ela gesticulou para que eu entrasse. "Por favor, vamos conversar."

Eu a segui para uma grande sala de estar. A primeira coisa que vi, pendurada sobre a enorme lareira de pedra, foi um retrato. Era uma fotografia, ampliada a um tamanho obsceno, dela e de Heitor. Eles estavam rindo, suas cabeças juntas, o sol se pondo atrás deles.

Mas não foi isso que fez meu sangue gelar.

Foi a data impressa no canto inferior da foto. Era de seis anos atrás. Antes do acidente. Antes mesmo de eu conhecer Heitor.

Cândida me viu olhando. Um pequeno sorriso cruel brincou em seus lábios.

"Surpresa?", ela perguntou. "Heitor e eu nos conhecemos há muito tempo. Ele patrocinou minha bolsa de estudos na FGV. Eu era apenas uma garota pobre do lado errado da cidade. Ele era meu mentor. Meu salvador."

Ela gesticulou pela sala. Era um santuário para o relacionamento deles. Fotos deles por toda parte. Em uma gala de caridade. Em uma viagem de esqui. Em Paris. Todas datadas antes do meu tempo.

"Eu até morei com ele por um ano, antes de ele te conhecer", ela continuou, sua voz pingando falsa simpatia. "No quarto de hóspedes da sua casa. Ele me disse que eu era como uma irmã mais nova para ele." Ela riu, um som amargo e feio. "Homens são tão mentirosos, não são?"

"Ele te contou sobre mim. Antes do acidente." Foi uma afirmação, não uma pergunta.

"Oh, constantemente", ela ronronou. "Ele era obcecado. Ele me mostrou sua foto. Ele me disse que ia ter você, não importava o que custasse. Eu fiquei com tanto ciúme. Mas fui paciente. Eu sabia que ele acabaria se cansando de sua bonequinha de arte perfeita."

Ela caminhou até uma vitrine. Estava cheia de joias. Minhas joias. Peças que Heitor me deu ao longo dos anos.

"Ele sempre pedia minha opinião antes de comprar qualquer coisa para você", ela disse, pegando um colar de diamantes. "Ele tem um péssimo gosto, sabe. Eu tive que guiá-lo. Até o seu anel de noivado... foi minha escolha. Eu escolhi o que sabia que você mais odiaria. Algo brega e chamativo. Nada do seu estilo."

Minha mão instintivamente foi para o meu dedo, onde o diamante pesado e ornamentado estava. Parecia uma marca.

"Eu queria que você se lembrasse de mim toda vez que olhasse para ele", ela sussurrou, seus olhos brilhando de malícia. "Um pedacinho de mim, sempre com você."

Uma onda de náusea me invadiu. Os anos de presentes selecionados, os presentes "atenciosos"... tudo isso havia sido filtrado por ela. Uma colaboração do meu captor e sua pequena ajudante conivente.

"Ele é meu, Elia", ela disse, sua voz de repente dura. "Ele sempre foi meu. Você foi apenas um intervalo. Um tapa-buraco. Agora é hora de você sair do palco."

Eu olhei para ela, essa criatura mesquinha e patética, tão orgulhosa de sua vida de segunda mão. Ela achava que esta era sua vitória. Ela achava que tinha vencido.

Um sorriso lento se espalhou pelo meu rosto. Foi um sorriso genuíno desta vez, cheio de alívio.

"Obrigada, Cândida", eu disse, minha voz sincera.

Ela parecia confusa. "Me agradecer? Pelo quê?"

"Por isso", eu disse. "Você tornou tudo muito mais fácil. Eu estava tendo um momento de dúvida. Me perguntando se estava sendo cruel demais. Mas você... você é tão maravilhosamente, irredimivelmente horrível. Agora posso prosseguir com a consciência limpa."

Dei um passo para trás, em direção à porta. Enfiei a mão no bolso e tirei um isqueiro de prata antigo. Um presente de Caio, de uma vida atrás. Eu o mantive escondido todos esses anos.

"O que você está fazendo?", ela perguntou, um lampejo de medo em seus olhos.

"Dando a este monumento um tributo mais adequado", eu disse. "Uma pira funerária."

Abri o isqueiro. A chama subiu, pequena e desafiadora. Caminhei até um conjunto de cortinas de seda esvoaçantes.

"Você está louca!", ela gritou, recuando.

"Não", eu disse, tocando a chama na barra da cortina. Pegou fogo instantaneamente, uma linha de fogo subindo pelo tecido. "Eu estou apenas começando."

O fogo se espalhou com uma velocidade aterrorizante, lambendo as vigas de madeira do teto, devorando o santuário de suas memórias roubadas. A fumaça encheu a sala, espessa e preta.

Cândida estava gritando, um som cru e em pânico. Eu apenas fiquei ali, observando as chamas, uma sensação de satisfação serena e justa me invadindo.

Através do rugido do fogo, ouvi o som de um carro parando bruscamente lá fora.

Heitor.

Ele irrompeu pela porta, seu rosto uma máscara de horror ao ver o inferno. Ele olhou do fogo para mim, depois para Cândida, que estava encolhida em um canto, tossindo e soluçando.

Eu o olhei diretamente nos olhos, o calor das chamas em meu rosto.

"Ela ou eu, Heitor", eu disse, minha voz calma e clara sobre o crepitar do fogo. "Quem você vai salvar?"

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