O Passado Oculto da Esposa Perfeita
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Capítulo 4

Ponto de Vista: Elia Mendes

O fogo rugia, uma besta faminta devorando tudo que Heitor havia construído para sua amante. O calor era imenso, a fumaça uma nuvem sufocante. Heitor ficou paralisado na porta, seu rosto um campo de batalha de pânico e incredulidade.

"Elia!", ele gritou, sua voz crua de terror. Ele olhou para mim, depois para Cândida, que estava dando o show de sua vida, soluçando histericamente no canto.

Seus olhos, selvagens e desesperados, saltavam entre nós. A escolha estava escrita em seu rosto, um lampejo de indecisão que durou apenas um segundo, mas pareceu uma eternidade.

Ele correu para Cândida.

Ele a pegou nos braços, seus movimentos frenéticos. "Está tudo bem, eu te peguei", ele murmurou, sua voz um ronronar suave destinado aos ouvidos dela, mas alto o suficiente para eu ouvir.

Enquanto ele a carregava passando por mim, em direção à segurança do lado de fora, ela levantou a cabeça do ombro dele. Através da fumaça, seus olhos encontraram os meus. Ela me deu um pequeno sorriso triunfante.

Eu não senti nada. Nenhuma dor, nenhum ciúme. Apenas uma confirmação fria e clínica do que eu já sabia.

Eu não me movi. Apenas fiquei ali, cercada pelas belas e destrutivas chamas, sentindo o calor na minha pele. Isso era um batismo. Uma purificação.

Heitor depositou Cândida no gramado lá fora e se virou, seu rosto manchado de fuligem e pânico. Ele me viu ainda de pé lá dentro, silhuetada contra o fogo.

"ELIA! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? SAIA DAÍ!", ele berrou.

Ele começou a correr de volta, mas então hesitou. Apenas por um batimento cardíaco. Ele olhou para Cândida, segura na grama, depois de volta para mim, o prêmio que ele não suportava perder, de pé calmamente no inferno.

Aquela hesitação foi tudo.

Ele praguejou, um som cru e gutural, e mergulhou de volta na casa cheia de fumaça. Ele me agarrou, suas mãos machucando meus braços, e meio me arrastou, meio me carregou para fora.

"Você está louca?", ele gritou, seu rosto a centímetros do meu, seus olhos selvagens. "Você poderia ter morrido!"

Quase senti um lampejo de decepção. Uma parte de mim queria que ele me deixasse lá, para fazer a escolha final e imperdoável. Teria tornado a próxima parte do meu plano muito mais limpa.

Ele me soltou e se virou para correr de volta em direção à casa. "Eu tenho que tirá-la!", ele gritou por cima do ombro, referindo-se a Cândida que já estava segura. Não, ele queria dizer o maldito retrato. O santuário.

Naquele momento, uma enorme viga do teto, engolida pelas chamas, cedeu com um estalo ensurdecedor. Ela desabou exatamente onde Cândida estava de pé momentos antes de Heitor a mover. A força do impacto enviou uma chuva de faíscas e detritos em chamas pela sala. Heitor já havia corrido para fora, mas um pedaço menor de madeira em chamas voou pelo ar e atingiu Cândida na perna enquanto ela estava deitada no gramado.

Ela soltou um grito agudo, um som muito mais agonizante do que o ferimento menor justificava.

Heitor estava ao seu lado em um instante. "Cândida! Amor, você está bem?"

Ele se ajoelhou ao lado dela, sua preocupação palpável. Eu observei, uma observadora distante, enquanto ele se preocupava com ela. Os bombeiros chegaram, suas sirenes uivando, e depois os paramédicos.

O tempo todo, Heitor nunca saiu do lado dela.

Quando a colocaram em uma maca, ele me lançou um olhar de ódio puro e absoluto. Ele seguiu a ambulância, me deixando sozinha no gramado da vinícola em chamas, coberta de fuligem.

Foi só então que percebi que ele me empurrou deliberadamente ao passar correndo, me derrubando no chão. Não foi um empurrão forte, mas foi intencional. Um castigo.

"Fique aqui", ele ordenou, como se estivesse falando com um cachorro desobediente.

Peguei um táxi para o hospital.

Eu os encontrei em um quarto particular no Sírio-Libanês. Cândida estava deitada na cama, a perna enfaixada, o rosto pálido e manchado de lágrimas. Heitor estava sentado ao seu lado, segurando sua mão, sua expressão uma máscara de culpa e fúria.

"Está tudo bem, Heitor", Cândida dizia, sua voz fraca e trêmula. "Não é sua culpa. E... e não fique com raiva da Elia. Ela só está... sofrendo. Eu não deveria tê-la provocado."

Ela era uma mestra. Mesmo agora, ela se pintava como a vítima magnânima.

A cabeça de Heitor se ergueu quando entrei. Ele se levantou, seu corpo rígido de raiva.

"O que você está fazendo aqui?", ele rosnou.

"Isso é minha culpa, não é?", perguntei, minha voz calma.

"Você incendiou um prédio, Elia! Você quase a matou! Você quase se matou! O que você acha?", ele sibilou, mantendo a voz baixa para não perturbar sua preciosa paciente.

Ele caminhou até mim, agarrando meu braço. "Você vai pedir desculpas a ela. Agora mesmo."

Olhei para ele, depois para Cândida, que nos observava com olhos grandes e inocentes, um sorriso minúsculo, quase imperceptível, em seus lábios.

"Não", eu disse.

O rosto de Heitor escureceu. "Você vai..."

De repente, a porta do quarto se abriu. Uma horda de repórteres e fotógrafos invadiu, flashes nos cegando, microfones enfiados em nossos rostos.

"Sra. Montenegro! É verdade que você incendiou a propriedade do seu marido por ciúmes?"

"Sr. Montenegro, fontes dizem que sua esposa atacou sua estagiária! É por isso que ela está no hospital?"

"Elia, é verdade que você tentou causar um aborto?"

Heitor congelou. Seu pior pesadelo. Sua vida privada, o segredo da minha existência que ele guardara tão zelosamente por cinco anos, de repente era notícia de primeira página. Ele gastara uma fortuna para apagar meu nome dos registros públicos, criando um fantasma digital. Todo esse trabalho, desfeito em um piscar de olhos.

Ele olhou para mim, um horror crescente em seu rosto. Ele achava que eu tinha feito isso. Ele achava que eu os tinha chamado.

Cândida, na cama, começou a chorar de novo, desta vez para as câmeras. "Por favor, nos deixem em paz", ela soluçou. "Foi um acidente. Elia não quis fazer isso."

A expressão de Heitor endureceu em algo frio e final. Ele caminhou até a cama, afastou gentilmente uma mecha de cabelo do rosto de Cândida e beijou sua testa. Uma declaração terna e pública.

Ele se virou para encarar as câmeras, seu braço repousando protetoramente no ombro de Cândida.

"Minha esposa", ele começou, sua voz como aço, "não está bem há algum tempo. Suas ações hoje foram... lamentáveis. A senhorita Queiroz é a vítima aqui. Ela está sob meus cuidados e terá minha total proteção."

Ele olhou diretamente para mim, seus olhos cheios de gelo. "O tempo de mimá-la acabou. De agora em diante, as coisas serão diferentes."

Ele estava me renegando. Me humilhando publicamente para proteger sua amante.

Cândida olhou para mim por cima do ombro dele, seus olhos brilhando de vitória.

E naquele momento, eu a deixei ter. Deixei-a acreditar que havia vencido. Porque meu plano real, aquele que foi colocado em movimento no momento em que vi aquela reportagem, estava apenas começando.

Virei-me para encarar as câmeras piscando. Ignorei os repórteres gritando. Encontrei uma lente, um único olho que não piscava, e o encarei.

Lentamente, levantei minha mão até o peito. Na pele pálida sobre meu coração, tracei o contorno de uma única flor perfeita com meu dedo. Era um gesto que apenas uma pessoa no mundo entenderia.

Uma mensagem silenciosa enviada através de cinco anos de escuridão.

Inclinei-me em direção ao microfone mais próximo, meus lábios mal se movendo.

"Caio", sussurrei, o nome uma prece e uma promessa. "Está na hora de voltar para casa."

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