Tarde Demais Para Seu Amor
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Capítulo 2

Ponto de Vista: Alina

Minha primeira prioridade ao pousar era o Núcleo Prometeus. Era o coração da Monteiro Tech, um supercomputador quântico alojado em um laboratório subterrâneo sob nossa sede corporativa. Ele continha cada linha de código que eu já havia escrito, o ápice do trabalho da minha vida. Sem ele, a empresa não passava de uma casca vazia com um logotipo chique.

Chegar até ele era o problema. Anos atrás, em um acesso do que eu então acreditava ser paranoia romântica, Bernardo insistiu em um protocolo de autorização dupla para a entrada do laboratório. Uma varredura de retina e uma impressão da palma da mão. De nós dois. Simultaneamente. "Para proteger nosso legado", ele disse, segurando meu rosto em suas mãos. "Para garantir que ninguém possa tirar isso de nós."

Agora, sua precaução havia se tornado minha prisão.

O jato pousou com um baque suave. Um carro preto esperava na pista. O assistente de Bernardo, um homem de aparência severa chamado Marcos, nos encontrou nos degraus. Ele não olhou para mim, seu olhar fixo em Bernardo, que já caminhava em direção ao carro.

"Espere aqui pelo Júlio", Bernardo ordenou por cima do ombro. "Leve-o de volta para a mansão."

Ele entrou no carro sem olhar para trás e partiu em alta velocidade, me deixando sozinha na pista ventosa. Uma hora depois, outro carro chegou com meu filho. Júlio correu para os meus braços, seu pequeno corpo ainda tremendo.

Ajoelhei-me, afastando o cabelo de sua testa. "Júlio, querido, me escute. Você quer ir em uma grande aventura? Só você e eu?"

Ele olhou para mim, seus olhos grandes e sérios. Eram os olhos de Bernardo, mas não tinham nada da frieza dele. Eles continham apenas uma confiança profunda e inabalável em mim.

"Nós vamos deixar o papai?", ele perguntou, sua voz um pequeno sussurro.

A pergunta foi um soco no estômago. Respirei fundo. "Sim, meu amor. Nós vamos."

Ele assentiu, um gesto solene, quase adulto, que partiu meu coração. "Bom", ele disse. "Eu não gosto mais dele. O Marcos me disse que se eu chorasse no avião, o papai ficaria bravo e jogaria você do céu."

A crueldade casual daquilo me tirou o fôlego. Eu o abracei com mais força, minha própria raiva uma brasa ardente em meu peito. "Ele não pode mais nos machucar, Júlio. Eu prometo. Agora, você está comigo?"

"Sempre, mamãe", ele disse, seus pequenos braços envolvendo meu pescoço. "Somos você e eu."

Minha determinação se transformou em aço.

Levei-o primeiro à sede da empresa, uma torre reluzente de vidro e aço que eu havia projetado em minha mente muito antes de o primeiro tijolo ser assentado. Os seguranças na recepção me cumprimentaram com sorrisos ensaiados, mas seus olhos estavam cautelosos. A notícia do caso de Bernardo era um segredo aberto.

Como eu esperava, o elevador para o laboratório do subsolo não respondeu apenas ao meu cartão de acesso.

"Acesso negado", anunciou uma voz estéril e computadorizada. "Autorização secundária necessária."

Júlio olhou para o scanner. "O papai não está aqui", ele afirmou, sua simples observação cortando mais fundo do que qualquer insulto.

Claro que ele não estava. Ele estava com Carla. Lembrei-me do dia em que ele instalou o sistema. Ele beijou minha palma depois que o scanner registrou minha impressão. "Assim, sempre teremos que fazer isso juntos", ele disse, sua voz suave. "Você está presa a mim, Alina Wade." Parecia uma promessa na época. Agora parecia uma jaula.

Derrotada por enquanto, levei Júlio de volta ao nosso antigo apartamento, aquele em que morávamos antes do dinheiro e da fama. Era um pequeno apartamento de dois quartos que eu mantive, pagando o aluguel todo mês como uma apólice de seguro secreta. Um lugar para onde correr se o castelo de vidro algum dia se estilhaçasse.

O ar lá dentro estava viciado, cheirando a poeira e memórias esquecidas. Júlio e eu nos movemos pelos pequenos cômodos, arrumando uma única mala. Brinquedos, roupas, alguns livros.

"Esse não, mamãe", ele disse, apontando para um urso de pelúcia azul. "O papai me deu esse."

Ele examinou suas coisas com uma precisão arrepiante, criando duas pilhas. A minha. A dele. Não havia mais 'nosso'. Cada presente de Bernardo, cada item associado a ele, foi deixado para trás. Eu o observei, um nó se formando em minha garganta. Ele tinha apenas cinco anos, mas entendia a traição de uma forma que nenhuma criança deveria.

"Está tudo bem, mamãe", ele disse, vendo as lágrimas brotarem em meus olhos. Ele se aproximou e deu um tapinha na minha mão. "Nós não precisamos dele."

Sua força era minha âncora. Na parede da sala havia uma pintura - uma representação infantil e colorida de nossa família. Bernardo a pintou com Júlio um ano atrás, durante um raro fim de semana em que ele estava totalmente presente, quando ainda era um pai e um marido. Ele mesmo a emoldurou, pendurando-a com um floreio. "O legado Monteiro", ele declarou, rindo.

Eu olhei para ela, para as figuras de palito sorridentes de mãos dadas sob um sol torto. Minha mão tremeu quando peguei um marcador preto da escrivaninha. Desenhei uma linha grossa e raivosa sobre o rosto sorridente de Bernardo.

Júlio me observou por um momento, depois pegou um marcador vermelho e rabiscou sobre sua própria figura de palito. "Eu vou desenhar um novo, mamãe", ele disse, sua voz firme. "Só você e eu. E talvez o Gui."

A menção do meu velho amigo de faculdade, a única pessoa que permaneceu firmemente ao meu lado, trouxe um sorriso aguado aos meus lábios.

Fomos implacáveis. Cada vestígio de Bernardo foi expurgado. As fotos na lareira foram para o lixo. As roupas que ele deixou no armário foram ensacadas para doação. Até encontrei um frasco esquecido da colônia cara e personalizada que ele usava e a despejei no ralo.

Pintei a parede onde o quadro estava pendurado, o cheiro de tinta fresca cobrindo o aroma de memórias viciadas. No banheiro, encontrei uma caixa de seu remédio para alergia. Ele era propenso a reações graves e debilitantes a poeira e pólen. Sem pensar, joguei a caixa na lata de lixo. Foi um ato mesquinho, mas parecia cortar mais um laço.

Finalmente, estava feito. O apartamento estava despojado, uma lousa em branco. Segurei a mão do meu filho, nossa única mala ao lado da porta, e voltamos para a gaiola dourada que Bernardo chamava de lar.

Ele nos esperava no grande hall de entrada com piso de mármore. Ele parecia desgrenhado, o cabelo despenteado, a camisa amassada. Ele fedia a álcool e a um perfume enjoativamente doce que não era o meu.

"Onde diabos você esteve?", ele exigiu, seus olhos ardendo com um fogo possessivo.

Puxei Júlio para trás de mim, protegendo-o. "Não, Bernardo. Não na frente dele."

Nesse momento, uma figura apareceu na escadaria imponente. Era Carla, envolta em um dos roupões de seda de Bernardo, seu rosto uma máscara de falsa inocência.

"Bernardo, querido", ela arrulhou, descendo as escadas. "Eu estava tão preocupada. Por favor, não me mande embora de novo. A Sra. Monteiro... ela me assusta." Ela agarrou o braço dele, pressionando-se contra ele.

Ele olhou para ela, sua expressão suavizando instantaneamente. "Está tudo bem, meu passarinho. Eu estou aqui." Ele passou a mão pelo cabelo dela, então seus olhos piscaram para um arranhão fraco em seu braço. "O que é isso?"

Carla se encolheu, puxando a manga do roupão para baixo. "Não é nada. É que... algumas das outras estagiárias têm dito coisas. Espalhando rumores de que a Sra. Monteiro me quer fora. Elas têm sido... cruéis." Ela olhou para ele, o lábio inferior tremendo. Ela era uma mestra em sua arte, uma virtuose da vitimização.

O rosto de Bernardo endureceu enquanto olhava para mim. "Você vê o que fez? Você e seu ciúme. Você não podia simplesmente deixá-la em paz, podia?"

Eu não respondi. Apenas me abaixei e cobri os olhos de Júlio com a mão. "Está tudo bem, meu amor. Estamos apenas brincando de um jogo."

"Eu pedi para você trazê-la de volta, Alina, não para a aterrorizar", Bernardo continuou, sua voz subindo.

Carla caiu de joelhos, um gesto dramático e teatral. "Por favor, Sr. Monteiro, não culpe sua esposa. A culpa é minha. Eu vou embora. Não quero causar mais problemas."

Bernardo a pegou nos braços como se ela não pesasse nada. Ele a segurou contra o peito, aninhando-a. Ele olhou para mim por cima da cabeça dela, seus olhos cheios de uma ameaça fria e aterrorizante.

"Precisamos conversar", ele disse, sua voz baixa e ameaçadora. "No escritório. Agora."

Júlio puxou minha manga, sua pequena voz um sussurro desesperado. "Mamãe, quando vamos para a nossa aventura? Quando vamos deixá-lo?"

Acariciei seu cabelo, meu coração doendo. "Em breve, meu amor. Muito em breve."

Meu olhar passou por Bernardo e Carla, em direção às portas abertas da sala de estar. Pela fresta, eu podia vê-los. Bernardo estava sussurrando algo para ela, seus lábios roçando sua orelha. Ela riu, um som agudo e tilintante que irritou meus nervos. Então ele a beijou, um beijo profundo e apaixonado, bem ali no coração da nossa casa.

O mundo ficou em silêncio. O sangue sumiu do meu rosto, e um rugido oco encheu meus ouvidos. Era o som do último fio de esperança finalmente se rompendo.

            
            

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