Um pesadelo. O rosto de Lívia, pálido, acusador. Tiros.
Amanda acordou com um sobressalto, lágrimas escorrendo pelo rosto.
Uma figura estava sentada ao lado de sua cama. Davi.
Dr. Davi Moura. Oncologista. Velho amigo da faculdade. Amigo de Lívia também.
Ele a havia encontrado. Ela tinha perdido uma ligação de verificação que ele insistira em fazer depois de um encontro casual semanas atrás, quando ela parecia um fantasma.
Seus olhos estavam avermelhados. Ele segurava um laudo médico em sua mão trêmula. O laudo dela. Ele deve ter usado seu acesso ao hospital.
"Amanda", sua voz estava embargada por lágrimas não derramadas. "Há quanto tempo você sabe?"
Ela não respondeu.
"Isso... isso é agressivo. Precisamos começar o tratamento. Imediatamente." Ele agarrou a mão dela, seu aperto surpreendentemente forte. "Quimio, cirurgia, existem opções, Amanda. Você tem que lutar."
Amanda conseguiu um sorriso pequeno e cansado.
"Está tudo bem, Davi."
"Não, não está tudo bem!", sua voz se elevou. "Você está deixando isso acontecer. E ele... Heitor. Eu o vi do lado de fora do seu prédio ontem à noite. O que ele está fazendo com você?"
Ela puxou sua mão gentilmente.
"Eu tenho que fazer isso, Davi. É... uma obrigação."
Ele entendeu. Ele sabia sobre Lívia. Sobre a culpa que a consumia.
"Isso não é expiação, Amanda. Isso é autodestruição."
Ela apenas olhou para ele, seus olhos cheios de uma resignação profunda e cansada.
Ele ficou, sua presença um pequeno conforto na paisagem desoladora de sua vida.
Outra convocação. Outro evento.
A empresa de Heitor estava lançando um novo produto. Uma festa de gala de inverno ao ar livre.
Amanda foi designada para a mesa de registro. Do lado de fora. No vento cortante do Rio.
Heitor havia especificado seu traje: um vestido fino e elegante, "pela estética". Sem casaco.
Ele e Jéssica estariam aquecidos lá dentro, é claro.
Jéssica, envolta em pele, parou perto da mesa de Amanda enquanto os convidados chegavam.
"Ainda por aqui, Amanda? Você é como uma praga." Sua voz era doce, seus olhos frios.
Amanda não respondeu. Ela se concentrou em verificar os nomes, seus dedos dormentes.
Heitor passou, acompanhando um funcionário da prefeitura. Ele olhou para Amanda, tremendo de frio, e não disse nada.
Sua indiferença era uma declaração pública. Ela não era nada.
Mais tarde, Jéssica fez um show ao se aproximar do lago de gelo decorativo.
"Oh, céus!", ela gritou, segurando a orelha. "Meu brinco! É uma herança dos Ferraz!"
Um grande pino de diamante estava sobre o gelo, perto da borda da água semi-congelada.
Ela olhou diretamente para Amanda.
"Alguém precisa pegar aquilo."
Heitor apareceu instantaneamente. Ele não perguntou o que aconteceu.
Ele apenas olhou para Amanda.
"Pegue. Agora."
Na frente de todos.