As luzes da cidade se transformaram em rastros de neon enquanto o táxi se afastava do clube privado. Minha mente era uma tempestade caótica, repassando a conversa que ouvi, cada palavra uma nova facada de traição. *Elisa. Pobre Elisa. Tão confiante, tão ingênua.* A frase ecoava, zombando de mim. O Rio que eu um dia amei, a cidade que prometia sonhos, agora parecia fria e indiferente. Três anos se passaram, e a paisagem urbana mudou de maneiras sutis e desconhecidas, espelhando a profunda mudança dentro de mim. Eu era uma estranha na minha própria cidade, um fantasma assombrando as ruas da minha vida anterior.
Meus olhos, secos e ardendo, fixaram-se em uma silhueta familiar à distância. O arranha-céu da Salles Luxo, um monumento à ambição de Bernardo, pairava contra o céu noturno, seus andares superiores ainda acesos. Costumava ser um símbolo do nosso futuro compartilhado, um testemunho do que poderíamos construir juntos. Agora, era uma lápide marcando a morte das minhas esperanças.
Um grupo de funcionários saiu da entrada principal, suas risadas pontuadas pelo tilintar de taças de champanhe. Eles estavam comemorando, percebi, mesmo a esta hora tardia. "Você ouviu sobre o novo contrato de patrocínio da Carla?" uma mulher cantou, sua voz perfurando o silêncio relativo da noite. "Outra fragrância premiada. Ela é imparável!" Outra interveio: "E a festa de lançamento do 'Flor do Deserto' na próxima semana? O próprio Bernardo Salles vai apresentar. Vai ser o evento do ano."
Flor do Deserto. O nome por si só revirou meu estômago. Era uma variação do Flor Etérea, minha fórmula, meu legado roubado. Eles estavam celebrando o sucesso dela, construído sobre a minha ruína. Meu sangue gelou, um gosto amargo enchendo minha boca. Meu trabalho roubado. Minha vida. Entregue a Carla.
Como se convocada pelos meus pensamentos mais sombrios, uma BMW preta e elegante parou na calçada. Carla Medeiros surgiu, radiante e autoconfiante, seu cabelo escuro brilhando sob as luzes da rua. Ela parecia mais deslumbrante, mais confiante do que eu jamais a vira. A mulher que um dia invejou cada passo meu agora irradiava uma aura de triunfo inabalável. Seu braço estava entrelaçado com o de Bernardo Salles. Meu Bernardo. O verdadeiro. Ele parecia exatamente com o homem com quem passei três anos, mas totalmente estranho.
Ele riu de algo que Carla sussurrou, um som genuíno e fácil que rasgou o pouco que restava do meu coração. Seu olhar varreu a rua e, por uma fração de segundo, seus olhos encontraram os meus. A surpresa cintilou em seu rosto, uma emoção crua e desprotegida.
Meu corpo enrijeceu, preparando-se para sua aproximação. Ele recuperou a compostura rapidamente, sua expressão endurecendo em algo indecifrável. Ele se desvencilhou de Carla e começou a caminhar em minha direção, um passo lento e deliberado que parecia um predador perseguindo sua presa.
"Elisa? É você mesmo?" Sua voz era uma performance ensaiada, uma mistura de falsa preocupação e choque fingido. "Não acredito. O que você está fazendo aqui? Você está bem?"
Eu o encarei, incapaz de falar, as palavras de acusação presas na minha garganta. Sua preocupação era uma zombaria vil.
"Bernardo, querido, quem é essa?" A voz açucarada de Carla nos alcançou, seu braço agora entrelaçado com um homem alto de cabelos prateados que reconheci como um proeminente analista da indústria. Ela se juntou a Bernardo, seu sorriso vacilando um pouco ao registrar minha presença.
"Carla, esta é Elisa Matos", disse Bernardo, sua voz plana, me apresentando como se eu fosse uma conhecida distante. "Ela costumava trabalhar para nós. Elisa, esta é Carla Medeiros, nossa Perfumista Chefe."
Minha Perfumista Chefe. O título martelou em meu crânio. Meu cargo. O trabalho da minha vida. Roubado, reembalado e entregue a ela. A amargura era uma dor física.
Os olhos de Carla, antes cheios de um ressentimento infantil, agora continham um brilho arrepiante de triunfo. "Elisa! Meu Deus, faz tanto tempo! Que maravilha te ver." Ela me abraçou, uma exibição teatral de afeto. Sua respiração estava quente contra minha orelha enquanto ela sussurrava: "Com saudades das suas antigas fórmulas, querida? Elas estão fazendo maravilhas pela minha carreira." A verdade fria e dura de suas palavras me perfurou mais fundo do que qualquer faca. Ela não apenas roubou meu trabalho; ela se deleitava com a minha dor.
Minha mente acelerou, as peças do quebra-cabeça se encaixando com uma precisão horrível. Cada fórmula que eu enviei de Petrópolis, supostamente para Bernardo, para ajudar a limpar meu nome, estava alimentando a ascensão meteórica de Carla. Eu era uma marionete, meus fios puxados pelas mesmas pessoas em quem confiava.
Encontrei o olhar de Bernardo, meus olhos ardendo com um apelo silencioso, um desafio desesperado para que ele reconhecesse a verdade. Ele desviou o olhar, sua mandíbula tensa, um lampejo de desconforto cruzando suas feições. Culpa. Estava lá, escondida sob camadas de indiferença.
"Eu... eu tenho uma reunião", ele gaguejou, se afastando. "Uma urgente. Carla, deveríamos ir." Ele se virou para mim, sua voz desdenhosa. "Elisa, foi bom te ver. A gente se fala em breve." Ele virou as costas, puxando Carla junto.
"Uma reunião?" Eu queria gritar. "Você vai me deixar aqui? De novo?"
Ele não olhou para trás. Carla, no entanto, virou a cabeça ligeiramente, seus lábios se contorcendo em um sorriso triunfante e conhecedor antes de desaparecer no carro com Bernardo.
Fiquei ali, abandonada na movimentada rua do Rio, o barulho da cidade de repente ensurdecedor. O carro preto, levando meus traidores, misturou-se ao tráfego noturno, deixando-me desolada e sozinha. Não, não sozinha. Eu estava mais sozinha do que nunca, porque a única pessoa que eu pensava ser minha âncora era meu algoz.
Chamei um táxi, dando ao motorista o endereço da cobertura de Bernardo. Nossa cobertura. A casa que eu dividi com o homem que amava. Eu precisava de respostas. Precisava confrontá-los. Talvez, apenas talvez, houvesse um erro. Um mal-entendido. O pensamento era uma faísca fraca e patética na escuridão do meu desespero.
O táxi parou em frente ao familiar prédio de luxo. Meus dedos tremeram enquanto eu digitava o código de acesso, aquele que Bernardo me deu, aquele que escolhemos juntos por capricho depois de um jantar romântico. Era nosso aniversário. Ou o que eu pensava ser nosso aniversário. *Erro*. Meu coração afundou. Tentei novamente. *Erro*. Um pavor frio se infiltrou em meus ossos. Isso não era um mal-entendido. Isso era irreversível.
Um pressentimento arrepiante, mais forte do que qualquer um que eu já senti, me envolveu. Minha casa, meu santuário, não era mais minha.