Mas o destino - como sempre - não lhe concedia pausas.
Tania a seguiu até o corredor dos fundos.
- Tania... - murmurou Helena, com um meio sorriso cansado. - Tem algo que queira me dizer?
A empresária cruzou os braços, o olhar duro como gelo.
- Tenho, sim. - Sua voz cortou o ar. - É verdade que você se inscreveu no teste de roteirista assistente do filme "Me Ame, se For Capaz"?
Helena inclinou a cabeça, serena, como quem já previa o ataque.
- Sim. E qual o problema?
- O problema é que você não vai a esse teste! - disparou Tania, a voz carregada de autoridade. - E isso não é um pedido, Helena. É uma ordem!
Helena arqueou uma sobrancelha, indiferente.
- Ah, é? E por quê?
- Porque você agiu pelas minhas costas! - Tania avançou um passo. - A empresa já decidiu que Camila será a protagonista. E não precisamos de duas da mesma família no mesmo projeto!
Helena soltou um riso baixo - curto, frio.
- Interessante... - murmurou, tomando um gole do vinho que ainda segurava. - Isso conflita com o meu trabalho de roteirista? Ou Camila mandou você vir aqui me ameaçar?
Seus olhos brilharam com ironia.
- Não me diga que ela tem medo de perder... para mim.
- Acorda, Helena! - Tania estourou. - A família Rodrigues investiu cinco milhões nesse filme. O papel é dela. Sempre foi!
Helena ergueu o olhar, tranquila demais.
- Então, se o papel já é dela... por que você está tão nervosa, Tania?
- Porque você é minha agenciada, e vai obedecer! - gritou, batendo o salto no chão. - Se me desafiar, não me culpe pelo que eu fizer!
Helena riu, sem humor.
- Que milagre. Achei que você já tivesse esquecido que eu sou sua agenciada.
O olhar de Tania escureceu.
E antes que Helena pudesse reagir, sentiu um empurrão violento nas costas.
Seu corpo foi lançado para frente, caindo dentro de um depósito escuro no final do corredor.
O celular deslizou pelo chão e desapareceu entre as sombras.
A porta se fechou com um estalo.
Do lado de fora, os passos de Tania se afastaram lentamente - firmes, impiedosos.
Helena ficou imóvel por um instante.
Depois soltou um suspiro breve, encostando a cabeça na porta.
Não havia medo em seus olhos - apenas o velho cansaço, misturado com frieza.
Desde que entrara na Vox Talents, aprendera a engolir humilhações em silêncio. No início, Camila fingia cortesia - dava pequenos trabalhos à irmã, como se fosse caridade, mas com o tempo, as máscaras caíram, e Camila não queria dividir o palco. Queria tudo: a fama, os holofotes... e o nome Rodrigues para si.
"Se eu não conseguir esse roteiro," pensou Helena, "vou sair dessa empresa. De uma vez por todas."
O silêncio a envolvia - até que um som suave o quebrou.
Um pequeno ruído. Um soluço contido.
Helena franziu o cenho, atenta.
Entre as caixas empilhadas, algo brilhou - um reflexo tênue de luz.
Ela se aproximou devagar, os saltos tocando o chão com cautela.
E então o viu.
Um menino, não mais do que cinco ou seis anos, encolhido no canto.
Os olhos grandes e escuros a observavam em silêncio, assustados, mas com algo que a fez estremecer - uma estranha familiaridade.
Helena parou, o coração acelerando sem motivo aparente.
A voz dela saiu suave, quase um sussurro.
- Ei... - ela se abaixou. - O que está fazendo aqui, docinho?
Nenhuma resposta.
Apenas o olhar firme da criança, profundo demais para alguém tão pequeno.
Um arrepio subiu pela espinha de Helena.
O bar do outro lado da porta parecia distante, irreal.
E a pergunta ecoou dentro dela, sombria e inevitável:
"O que uma criança estava fazendo sozinha... no depósito de um bar?"
- Oi, querido... - Helena se abaixou, suavizando a voz. - Como você se chama? Como entrou aqui?
Silêncio.
Ela tentou de novo, em tom gentil, fazendo pequenas perguntas. Mas o menino permanecia imóvel, os olhos arregalados, o corpo encolhido no canto - como um animalzinho selvagem, acuado e assustado.
Helena suspirou, cansada.
Um depósito abafado, cheio de caixas e cheiros de poeira - um refúgio improvisado para quem não tinha mais onde pertencer.
O tempo parecia se arrastar.
A lâmpada acima deles piscou uma, duas vezes... e então apagou-se com um estalo seco.
A escuridão tomou o lugar por completo.
Por alguns segundos, tudo o que Helena ouvia era sua própria respiração, até que um som suave - quase imperceptível - cortou o silêncio.
Ela franziu o cenho, pois o som vinha do menino.
Dentes batendo.
- Está com medo do escuro? - perguntou em voz baixa, tentando soar divertida.
O barulhinho cessou... por um instante. E depois voltou, mais alto.
Helena balançou a cabeça, um sorriso cansado surgindo.
- Tão pequeno e já tão medroso... - murmurou, quase com ternura.
Levantou-se devagar, massageando as têmporas. O corpo inteiro doía - consequência da noite anterior, dos sorrisos falsos, das taças de vinho e dos olhares cheios de interesse falso.
Deu alguns passos até o menino. Ele recuou, pálido de medo.
Mas Helena apenas se deixou escorregar até o chão, sentando-se ao lado dele.
Encostou-se na parede fria, fechou os olhos e murmurou:
- Calma, não vou te morder, pequenino.
O silêncio voltou.
E então, o cansaço venceu.
Em poucos minutos, Helena adormeceu.
Quando despertou, sentiu algo quente encostado em sua perna.
Baixou o olhar - e o coração derreteu.
O menininho estava deitado ao lado dela, a cabecinha apoiada em sua coxa.
Uma das mãozinhas agarrava com força a barra da blusa dela, como se temesse que ela desaparecesse.
Helena riu baixinho.
- Ai, meu Deus... que coisinha mais linda...
Estendeu a mão, com um sorriso terno, e acariciou-lhe os cabelos.
Mas no instante em que o fez, o sorriso sumiu.
A pele dele estava quente demais.
- Você está com febre! - sussurrou, alarmada, tocando-lhe a testa novamente. - Não... não é possível...
O medo subiu pela garganta. A febre era alta. Perigosa, e o pior, Tania só voltaria depois da audição, então, poderiam ficar presos ali por horas.
Helena se levantou num pulo, olhando ao redor, desesperada.
Foi então que viu: Um fino facho de luz atravessava a penumbra, cortando o ar.
A lâmpada estava queimada.
Mas havia claridade.
Ergueu o olhar.
No teto, uma pequena claraboia deixava passar os primeiros raios do amanhecer.
Esperança.
Helena arrastou uma escada velha até a parede e virou-se para o menino.
- Ei, pequenino... venha cá. Eu te ajudo a sair, tudo bem?
O garoto balançou a cabeça com força, os olhos firmes, desafiadores.
Helena o encarou, e entendeu.
Ele não queria deixá-la.
Um sorriso cansado e doce curvou seus lábios.
- Então você é leal, é isso? Quer ficar aqui e sofrer comigo? - brincou, beliscando de leve suas bochechas. - Mas escute, herói... a janela é pequena. Eu não passo. Se você sair, pode buscar ajuda. Tudo bem?
O menino hesitou, e Helena sentiu o coração apertar.