- Tenho que ir, infelizmente tenho uma reunião, mas estou te deixando em boas mãos. No fim do dia voltarei para você. Não hesite em momento algum em pedir o que precisar para Maria.
Estranhamente eu estava nervosa com a ideia de ficar em sua casa, longe dele. Ele ainda era um estranho e eu o desejava mesmo assim. Era a gratidão por ele ter me acolhido, eu tentava me convencer. Mas quando eu buscava no fundo do meu coração, entendia que existia muito mais. Senti, em cada toque dele na minha pele, que não seria apenas um relacionamento qualquer.
Sentia que ele realmente queria me ajudar, talvez apenas por piedade, mas eu não tinha muitas escolhas, ele era a minha unica salvação naquele momento.
Fabrizio se aproximou e seus lábios tocaram novamente minha bochecha, mas desta vez foi bem próximo aos meus lábios e ele demorou o suficiente para me fazer desejar bem mais. Fora um gesto gentil, um carinho. Mas a sedução, a tensão, estava lá nas palavras não ditas, nos gestos mínimos, nas coisas tão sutis que quase não eram perceptíveis.
Sua figura imponente caminhou em direção à porta e, só então, quando não mais o vi, voltei meu olhar para a minha xícara de café.
- O que o senhor Fabrizio disse é verdade. Estou aqui à sua disposição para o que for, senhorita Beatrice.
Ela sorriu para mim e eu retribuí, ainda sem graça, pensando se a mulher à minha frente havia percebido o clima entre mim e seu chefe. Ela sabia quem ele era? No que ele trabalhava? Comecei a me perguntar.
- Obrigada, mas eu não preciso de nada - menti.
Claro que eu precisava de roupas; não poderia girar pela casa com a camisa dele no corpo o tempo todo. Mas a vergonha que me consumia era maior que minha necessidade.
Também precisava falar com meus irmãos, mas eu esperaria Fabrizio voltar para falar com ele a respeito.
- Gostaria de ajudar nas tarefas que você tem que executar, isso me faria sentir melhor...
- Não posso permitir isso. O senhor Fabrizio não gostaria disto. Você é uma hóspede e não vai trabalhar como uma de nós. Aproveite, relaxe. A casa é grande, possui sauna, piscina e jacuzzi.
Eu pensei em dizer que não precisava de nada daquilo e agradecer a gentileza, mas o telefone da cozinha tocou e ela correu para atender.
Me senti deslocada, sem saber se deveria sair para dar privacidade ou esperar para me despedir antes de voltar para o quarto.
- Sim, senhor. Vou avisar a senhorita.
Foi o que consegui ouvir de Maria antes que ela desligasse o telefone e viesse em minha direção.
- O senhor Fabrizio pediu para avisá-la que daqui a uma hora, mais ou menos, uma equipe estará aqui com vestidos e tudo o que precisar para se vestir e calçar.
Fiquei sem reação por um segundo, tentando processar o que aconteceria. Ele realmente estava pensando no que eu precisava, estava cuidando de mim como havia prometido.
- Ele...
Parei de falar, não conseguia formular as palavras com o cenário surreal na minha cabeça. Como eu receberia essas pessoas vestindo somente a camiseta dele?
Maria sorriu entendendo meu desespero quando olhei para mim, ainda mantendo o silêncio.
- A camiseta parece um vestido, mas acho que tenho algo para você. Nada elegante, mas vai servir. Vamos.
Sorri agradecida. Sentia que, de alguma forma, Fabrizio confiava muito naquela mulher e eu poderia fazer o mesmo.
Fabrizio Castelli
Desde que saí de casa, fiquei com a imagem de Beatrice em minha mente. Por mais que eu devesse me concentrar nos papéis à minha frente, eu ainda queria estar com ela. Mas fazer isso me traria grandes problemas.
Eu estava mergulhado em mapas e números, estudando as melhores rotas para o próximo carregamento. Rafaelle, meu conselgiere, não escondia seu olhar preocupado.
- Pare de me olhar dessa maneira. Fale logo o que passa na sua mente - ordenei.
- Chefe, não poderia te dizer isso, afinal são suas escolhas... mas... - ele parou de falar quando o encarei, lançando um olhar de advertência.
- Cuidado com o que vai falar. Sempre te dei liberdade, somos amigos. Mas ainda sou seu superior.
- Sei disso, chefe. Mas vou falar como amigo. Acho que a garota vai te trazer problemas bem difíceis de resolver. Talvez fosse melhor mandá-la para outra cidade e...
Levantei o dedo em um sinal para que se calasse e ele prontamente atendeu.
- Vou afastá-la quando for o momento, quando eu tiver certeza de que ela não corre risco algum.
Como se fosse uma advertência do próprio destino, o meu telefone tocou. O display mostrava um número que eu aprendera a reconhecer e a evitar quando possível.
Era Eleonora.
Suspirei, considerando a possibilidade de ignorar a chamada. Mas, sendo ela filha de Don Alberto Caruso, eu sabia que evitá-la poderia me custar caro.
O toque era insistente. Então, com uma resignação pesada, atendi.
- Fabrizio, você não pode estar falando sério. Paris é a cidade do amor, e você se recusa a ir comigo? - A voz dela era um misto de incredulidade e indignação.
- Eleonora, já discutimos isso. Estou ocupado com negócios.
- Negócios que podem esperar. Você é meu noivo, deveria querer passar tempo comigo.
Deveria, mas não queria. A mera ideia de passar mais tempo com Eleonora do que o estritamente necessário era insuportável, especialmente agora que eu havia conhecido alguém tão diferente.
- Não posso simplesmente largar tudo, Eleonora. E você sabe como seu pai é meticuloso com esses negócios.
- Meu pai também acredita no valor da família, Fabrizio. É por isso que ele está organizando uma festa na próxima semana. Uma festa que você vai comparecer.
- Uma festa, é?
- Sim. Um jantar, para ser mais exata. Vou querer você ao meu lado.
A tensão se acumulava em mim como uma tempestade prestes a explodir.
- Vou considerar sua proposta - disse finalmente, sentindo cada palavra pesar na minha boca.
- Vou levar isso como um sim.
Ela desligou antes que eu pudesse responder. Deixei o telefone na mesa, olhando para ele como se pudesse incinerá-lo com o olhar. Voltando aos mapas, percebi que a rota que antes parecia tão clara agora estava ofuscada por irritação e frustração.
Eu me perguntava como minha vida teria sido se as escolhas que fiz fossem realmente minhas. Se eu pudesse estar com quem eu quisesse, ir para onde eu desejasse, sem o peso de obrigações familiares e promessas vazias.
Mas essas perguntas eram perigosas na malavita e eu não tinha o luxo de me perder nelas. Por enquanto, estava preso nesta teia, ligado a uma mulher que eu não suportava, preso em uma vida que cada vez mais parecia um castigo.
Assim, com o coração pesado e a mente atormentada, voltei ao trabalho. Porque, no final das contas, trabalho era tudo que eu tinha. Pelo menos até a festa da próxima semana.
O telefone tocou novamente, mas dessa vez eu não olhei para ver quem era. Deixei tocar enchendo o ambiente com sua melodia insistente, um lembrete cruel da vida que eu havia aceitado.
Eu só podia esperar que, de alguma forma, encontrasse uma saída antes que fosse tarde demais. Eu tinha meus planos, estava trabalhando neles, mas era tudo incerto, além de ser muito arriscado.
Rafaelle sempre teve o dom de aparecer nos momentos mais inoportunos. Hoje não era exceção, o som suave da batida na porta do meu escritório rompeu minha concentração. Sabendo que ele só interromperia se fosse algo crucial, assenti.
- Entre.
Rafaelle adentrou o escritório, fechando a porta atrás de si. Sua presença sempre foi um calmante para mim, uma garantia de que as coisas estavam sob controle. Mesmo assim, o olhar sério que ele trouxe hoje era inquietante.
- Desculpe pela interrupção, Fabrizio, mas temos uma situação que exige sua resposta. - começou ele, indo direto ao ponto.
- Prossiga - disse, colocando de lado os papéis.
- Algumas famílias estão interessadas em se juntar a nós. Eles também querem ver o Don fora de cena.
Meus olhos se estreitaram.
- Isso é uma oportunidade ou uma armadilha?
- Eles parecem sinceros. Acho que é uma chance de acelerar nossos planos. Mas, claro, precisamos ser cautelosos.
No mundo da máfia, confiança era um luxo caro demais.
- Marque a reunião. Vou querer olhar nos olhos de cada um antes de decidir o próximo passo.
- Entendido - Rafaelle acenou, virando nos calcanhares. Mas eu o interrompi com uma pergunta:
- Conseguiu localizar o pai da Beatrice?
- Sim, senhor. Estava no cassino, jogando como sempre...
- Não o percam de vista. Quero ele no galpão e entrem em contato comigo quando ele estiver pronto para mim. Encontrem os irmãos de Beatrice, assim que conseguirem, levem-os para a minha casa.
- Sim, senhor.
Assim que a porta se fechou, meus pensamentos voltaram para Beatrice, eu não podia evitar. A imagem dela ocupava minha mente como um farol em mar tempestuoso. Ela estava com um estilista exclusivo que eu havia contratado para prepará-la para a próxima fase da sua vida, uma que eu esperava compartilhar com ela ao menos pelo tempo que nos restava.
Neste mundo de traições e perigos, Beatrice era minha única constante, um lembrete do que a vida poderia ser fora das obrigações que me prendiam. E agora, mais do que nunca, eu precisava desse lembrete.
Será que ela gostaria das escolhas feitas pelo estilista? Será que se sentiria como uma princesa, como eu queria que ela se sentisse?
Mas esses pensamentos teriam que esperar. Rafaelle tinha me dado muito com que trabalhar e, gostasse ou não, o Don ainda era uma força a ser considerada. Eu tinha que voltar ao meu papel, ao meu disfarce, até que todas as peças estivessem no lugar para o golpe final.
Então, com um suspiro pesado, me recompus e mergulhei de volta ao mundo de sombras, levando comigo o único vislumbre de luz que eu tinha: Beatrice.