Toda vez que a porta se abria, eu esperava vê-lo. E toda vez que não era ele, uma pequena e patética parte de mim murchava e morria.
Eu precisava estar em casa. Precisava de acesso ao cofre.
Manobrei para a sala de estar, as pontas de borracha das minhas muletas afundando nos tapetes persas macios. As luzes da cidade de São Paulo vazavam pelas janelas do chão ao teto, projetando sombras longas e distorcidas sobre os móveis.
A porta do escritório estava aberta.
Uma faixa de luz amarela e quente se derramava no corredor. O cheiro me atingiu antes da luz - turfa, fumaça e a queima distinta do Macallan 25.
Aproximei-me.
Bernardo estava largado em sua poltrona de couro. A gravata estava desfeita, pendurada frouxamente em volta do pescoço como uma forca. A cabeça estava jogada para trás, os olhos fechados, um copo meio vazio balançando precariamente em seus dedos.
Ele parecia completamente destruído.
Por um segundo fugaz, meu coração vacilou. Talvez a culpa o estivesse consumindo. Talvez ele estivesse bebendo para afogar a imagem de sua esposa enterrada sob um lustre enquanto ele protegia outra mulher.
Entrei na sala. Minha muleta bateu no batente da porta com um clique suave.
Ele se mexeu. Não abriu os olhos. Apenas se moveu, virando o rosto para a asa de couro da poltrona.
"Ari."
O nome saiu arrastado, denso de álcool e sono.
Eu congelei, o ar preso na minha garganta.
"Não vá embora", ele sussurrou. Soou como uma oração.
Fiquei ali, segurando as alças das minhas muletas até meus nós dos dedos ficarem brancos. Ele não estava lamentando suas ações. Estava sonhando com ela. Mesmo em seu sono, no santuário de nossa casa, ela era o fantasma assombrando os corredores de sua mente.
"Não é a Ari", eu disse. Minha voz estava rouca, seca por dias de silêncio. "É sua esposa."
Ele não acordou. Apenas soltou um suspiro longo e irregular.
"Cinco anos", ele murmurou na escuridão. "Um desperdício. Apenas um desperdício."
O ar saiu dos meus pulmões como se eu tivesse levado um soco no estômago.
Cinco anos. A duração do nosso casamento. A duração do tratado entre nossas famílias.
Para ele, não era uma parceria. Não era uma vida. Era uma perda de tempo. Uma era de espera enquanto ele aguardava o universo lhe devolver a mulher que ele realmente queria.
Olhei para ele. O Príncipe Cirurgião. O Subchefe. O homem que havia jurado me proteger diante de Deus e da Família.
Ele parecia pequeno.
Não senti raiva. Essa foi a parte mais estranha. A fúria que me alimentou no hospital, o fogo que ardeu quando o lustre caiu - estava extinto.
Em seu lugar, havia um vazio frio e vasto. Era a sensação de uma estrutura que finalmente desabou, não deixando nada além de poeira se assentando no chão.
Virei-me.
Fui para o quarto. Não acendi as luzes. Sentei-me na beira da cama e puxei o registro da gaveta da mesa de cabeceira.
Abri na página marcada com a data de hoje.
Menos cinco pontos. Ele chamou nossa vida de desperdício.
Pontuação Total: 0.
Olhei para o número. Era um círculo perfeito. Um zero. O fim da contagem regressiva.
Não chorei. Não tremi. Senti-me mais leve do que em anos.
Peguei meu celular e disquei um número que havia memorizado, mas nunca usado.
"Preciso dos papéis", disse ao telefone. "E preciso da equipe de extração de prontidão."