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A Cova Que Cavaram Para Ela
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Capítulo 4

Ponto de Vista: Isabela

Os dias seguintes passaram em um borrão de documentos legais e corretores de imóveis. Resolver os assuntos da minha mãe foi surpreendentemente simples. Parecia algo distante, como cuidar da propriedade de um parente distante em vez dos resquícios da minha própria casa de infância. Talvez fosse melhor assim. Quanto menos emoção, melhor. O advogado da minha mãe, um homem idoso e gentil que parecia genuinamente aliviado por me ver viva, cuidou da maior parte do trabalho pesado.

Com as questões legais praticamente resolvidas, decidi fazer umas compras. César, Léo e minha família Ricci sempre me enviavam presentes atenciosos, mas havia algo reconfortante em escolher algo especial para eles eu mesma. Era um gesto pequeno e doméstico que me ancorava, um contraste gritante com o mundo estéril dos documentos legais e o mundo fantasma do meu passado. Eu estava em um shopping de luxo, admirando uma nova coleção de livros infantis para o Léo, quando meu telefone vibrou.

Era um número desconhecido. Quase ignorei, mas algo me fez abrir. Era uma mensagem de texto:

Ouvimos dizer que você voltou. A festa de aniversário do Donato é hoje à noite. Você deveria vir. Sentimos sua falta. - Diego

Diego. Meu irmão. O homem que um dia fora meu protetor, meu confidente, antes que a influência insidiosa de Aline o voltasse contra mim. Senti uma pontada de algo parecido com nojo. Eles "sentiam minha falta"? Depois de cinco anos de silêncio, depois de me abandonarem em uma cama de hospital, eles sentiam minha falta agora que eu estava de volta e aparentemente bem-sucedida?

Notei a etiqueta de localização na parte inferior da mensagem: "Hotel Imperial Palace". Reconheci o nome. Era uma das propriedades emblemáticas de Arthur, um farol de luxo que havia sido recentemente renovado sob a supervisão de Arnoldo. A ironia não passou despercebida. Eles estavam celebrando sua família distorcida na casa da minha nova família.

Apaguei a mensagem sem responder. Não havia mais nada para mim ali. Eu tinha uma vida, uma vida real, esperando por mim em Nova York. Peguei um exemplar lindamente ilustrado de "O Pequeno Príncipe" para o Léo e fui para o caixa. Minhas sacolas de compras estavam cheias de presentes, símbolos tangíveis do amor que eu compartilhava com minha família escolhida.

Ao sair do shopping, no ar fresco da noite, um elegante Mercedes-Benz preto parou na calçada, me cortando do ponto de táxi. Meu primeiro pensamento foi de irritação. O segundo foi um lampejo de reconhecimento. Era aquele modelo específico de carro de luxo, o tipo que Donato sempre dirigia. Antes que eu pudesse reagir, a porta do passageiro se abriu.

Um par de mãos fortes agarrou meus braços, me empurrando bruscamente para o banco de trás. Eu ofeguei, deixei cair minhas sacolas de compras e caí com força no couro macio. Antes que eu pudesse sequer gritar, a porta bateu, e as travas se acionaram. Eu estava presa.

Através da janela escura do lado do motorista, vi um perfil familiar. Seu cabelo escuro, o contorno de sua mandíbula. Meu irmão. Diego.

"Diego?", deixei escapar, o velho nome escorregando pelos meus lábios antes que eu pudesse evitar. Uma onda de náusea me invadiu. A última vez que falei com ele, realmente falei com ele, foi há cinco anos. Pouco antes do meu acidente.

Flashback

"Isabela, calma!", a voz de Diego estava tensa, forçada. "A Aline precisa disso. Ela passou por tanta coisa. Você sabe como ela é sensível."

"Sensível?", eu gritei no telefone, minha voz rouca de incredulidade. "Ela espalhou boatos sobre mim! Ela disse ao Caio que eu ainda estava me encontrando secretamente com meu ex! Ela convenceu o papai de que eu estava sabotando a vida dela de propósito!"

"Ela não fez por mal, Isabela!", ele gritou de volta, sua paciência se esgotando. "Ela só estava chateada. E você sempre tem que fazer uma cena. Não pode simplesmente deixá-la ser feliz? É sempre sobre você, não é? Apenas nos deixe em paz, Isabela. Pela primeira vez. Apenas vá embora."

A linha ficou muda. Ele tinha desligado na minha cara. Meu próprio irmão. Ele a havia escolhido. Assim como todo mundo.

Fim do Flashback

"Diego", repeti, desta vez com um tom frio e formal. "O que diabos você pensa que está fazendo?"

Ele me olhou pelo retrovisor, sua expressão indecifrável. "Faz muito tempo, Isabela." Ele não reconheceu minha entrada forçada, minhas compras caídas.

"Faz mesmo", concordei, minha voz perigosamente calma. "E parece que você não aprendeu nada sobre limites pessoais."

Ele se encolheu, sua mandíbula se contraindo. "Donato quer te ver", ele afirmou, ignorando minha provocação. "É a festa de aniversário dele. É importante."

"E você achou que me sequestrar era a melhor maneira de me levar até lá?", zombei, olhando para minhas sacolas de compras espalhadas no chão. "Meu casaco de inverno novo para o Léo provavelmente está arruinado."

Ele zombou de volta. "Ah, me poupe, Isabela. Você continua a mesma, não é? Sempre reclamando. Sempre fazendo uma tempestade em copo d'água. A Aline nunca seria tão difícil." Ele balançou a cabeça. "Ela é tão graciosa, tão compreensiva. Ela sabe como colocar a família em primeiro lugar."

Recostei-me no assento, um sorriso amargo brincando em meus lábios. "Sim, Aline. Sempre a querida Aline. O anjinho perfeito que não podia fazer nada de errado." Minha voz estava carregada de veneno. "Exceto, é claro, quando ela estava ocupada manipulando todos ao seu redor para conseguir o que queria."

As mãos de Diego se apertaram no volante. "Isso não é justo, Isabela. Ela precisa de nós. Ela é delicada."

"Delicada?", completei a frase dele, a palavra com gosto de bile. "Ou apenas uma mestra da manipulação que usa sua fragilidade fingida como arma?"

Flashback

"Isabela, a Aline está tão deprimida", Donato me disse inúmeras vezes. "Ela teve uma criação tão difícil antes de eu trazê-la para nossa casa. Você tem que ser paciente com ela."

Paciente. Eu fui paciente. Paciente quando Aline "acidentalmente" quebrou minha xícara de chá favorita, paciente quando ela "pegou emprestado" minhas roupas e nunca as devolveu, paciente quando ela começou a flertar abertamente com Caio, meu noivo, bem na minha frente. Ela derramava lágrimas, se fazia de vítima, e todos, especialmente Donato e Diego, corriam em sua defesa.

"Ela sempre consegue o que quer, não é, Diego?", lembro-me de perguntar a ele uma vez, mal escondendo minha frustração. Ele apenas deu de ombros, um olhar assombrado em seus olhos. Ele nunca me defendeu. Não de verdade.

Fim do Flashback

Diego pigarreou, tentando mudar de assunto. "Ainda gosta daqueles lattes com caramelo, Isabela? Lembro que você sempre pedia naquele cafézinho do centro." Ele soou quase nostálgico.

Flashback

"E aí, mana", Diego disse, me surpreendendo com um café uma manhã. "Latte com caramelo, do jeito que você gosta. Chantilly extra." Ele bagunçou meu cabelo, um raro momento de afeto genuíno. Ele costumava ser meu melhor amigo, meu protetor contra a rigidez de Donato. Ele me ensinou a andar de bicicleta, a me defender.

Mas então Aline chegou. E com ela, os comentários sutis, as insinuações sussurradas, a necessidade constante de atenção. Lenta e imperceptivelmente, Diego se afastou, puxado para a órbita de Aline, me deixando à deriva.

A última vez que ele me trouxe café foi na manhã do meu acidente de carro. Ele me olhou, seus olhos cheios de uma estranha pena, uma mistura de culpa e resignação. "Você provavelmente deveria ir embora, Isabela", ele disse, sua voz neutra. "Vai ser mais fácil para todo mundo."

Suas palavras doeram mais do que qualquer golpe físico. Eu saí de carro naquela manhã, meu coração pesado, lágrimas embaçando minha visão. O acidente foi quase uma misericórdia. Parou a dor da rejeição deles, mesmo que por um momento. A dor dos ossos quebrados não era nada comparada à confiança estilhaçada.

Fim do Flashback

"Eu prefiro café puro agora", eu disse, minha voz cortando sua tentativa nostálgica. "As coisas mudam, Diego. As pessoas mudam."

Ele visivelmente recuou, seu rosto se fechando. Ele parecia mais velho também, notei. Linhas de estresse marcadas ao redor de seus olhos, seu olhar antes brilhante agora opaco por algo que eu não conseguia identificar. Culpa? Ressentimento? Fadiga?

"Para onde você está me levando?", perguntei, minha voz afiada, cortando qualquer outra tentativa de gentilezas forçadas.

Ele olhou no retrovisor novamente, um lampejo de apreensão em seus olhos. "Para a festa de aniversário. No Hotel Imperial Palace. Donato... ele está realmente ansioso para te ver." Ele enfatizou a palavra "realmente", como se isso por si só me fizesse perdoar tudo.

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