Ponto de Vista: Isabela
"Pai!" A palavra rasgou minha garganta, um soluço engasgado, cru e quebrado. Eu não queria que escapasse, não na frente daquelas pessoas, mas o puro alívio de ver Arthur, César e Arnoldo, combinado com a ardência persistente na minha bochecha e o gosto ácido da traição deles, me sobrecarregou. Lágrimas brotaram em meus olhos, embaçando as bordas do lobby opulento.
A sala inteira ficou em silêncio absoluto. Nenhuma tosse nervosa, nenhuma palavra sussurrada. Apenas o silêncio pesado e opressivo. Arthur Ricci, um homem que comandava respeito em todas as salas de reunião e em todos os continentes, acabara de me chamar de "filha". Sua presença por si só foi suficiente para silenciar a sala, mas aquela única palavra, aquele tom possessivo e protetor, pairou no ar como um trovão.
Ele se moveu então, com um passo poderoso e medido, seus olhos examinando os rostos da família Dantas com uma intensidade arrepiante. Seu olhar pousou em Tia Célia, cujo rosto perdeu toda a cor, depois em Donato, que parecia ter visto um fantasma.
Os sussurros que momentos antes eram zombeteiros e desdenhosos agora se tornaram frenéticos. Vi olhares trocados, sussurros em pânico sobre quem poderia ser aquele homem formidável.
"Aquele é... Arthur Ricci?", ouvi um parente distante sussurrar, sua voz trêmula. "O magnata do setor imobiliário? O que ele está fazendo aqui?"
"Ricci? Mas... Isabela Dantas? Como ela poderia conhecê-lo?", gaguejou outro, o medo se insinuando em seu tom.
Tia Célia, a mulher que acabara de me agredir, parecia que ia desmaiar. Sua bravata havia evaporado, substituída por uma palidez fantasmagórica. Seus lábios se moveram, mas nenhum som saiu. Ela olhou de mim para Arthur, um horror crescente em seus olhos. A ideia de consequências, consequências reais, estava claramente a atingindo.
Engoli em seco, a dor no meu lábio ainda ali, mas agora parecia distante, ofuscada pela sensação avassaladora de vindicação. Era isso. Esta era a linha na areia. Meu passado e meu presente, colidindo de uma forma espetacular, dolorosa e, finalmente, libertadora.
A Isabela Dantas que estava enterrada naquele cemitério, a garota que eles abandonaram, aquela que rotularam de dramática e egoísta, deixou de existir para mim então. Ela havia sido apagada pela crueldade deles, renascida através da minha própria resiliência e, agora, finalmente, reconhecida e protegida por um amor muito maior do que qualquer coisa que eles pudessem compreender.
Lembrei-me do desespero puro e esmagador daquela cama de hospital. Ninguém veio. Nem Donato, nem Diego, nem Caio. Apenas as paredes brancas estéreis, o bipe incessante das máquinas e o peso esmagador da indiferença deles. Eles me deixaram para morrer, literal e figurativamente. Eles assinaram meu atestado de óbito com sua apatia, orquestraram meu funeral com suas mentiras egoístas.
Mas eu não morri. Eu encontrei Arnoldo, que viu um lampejo de vida em meus olhos quebrados e me puxou do abismo. Ele me apresentou a Arthur, que, com uma bondade incrível, me ofereceu um lar, um nome, uma família. Ele me deu a chance de reconstruir, pedaço por pedaço doloroso. Ele me ensinou que eu era digna de amor, digna de um futuro.
E então, eu encontrei César. Minha âncora, minha rocha, meu marido devotado. Ele viu as cicatrizes no meu corpo e na minha alma, e me amou mesmo assim. Ele me deu Léo, nosso lindo filho, um testemunho vivo da alegria e da esperança que poderiam florescer mesmo das cinzas da traição.
A Isabela Dantas que eles conheciam, aquela que pensavam ter enterrado, de fato se foi. E a Isabela Ricci que estava aqui agora, sangrando, mas sem se curvar, era uma mulher forjada no fogo, protegida por um laço inquebrável e pronta para reivindicar sua narrativa.