Quando finalmente entrei na sala de jantar, a cena diante de mim parecia alienígena. Beto já estava sentado na cabeceira da longa mesa de carvalho, sua perna apoiada em uma almofada. Gilda sentava-se diretamente à sua frente, no outro extremo da mesa, engajada em uma conversa baixa e íntima. Seu prato, cheio de comida, já estava pela metade. Meu lugar de sempre, à direita de Beto, estava vazio. Sem prato, sem talheres. Nada.
Meu corpo inteiro enrijeceu. Maria nunca teria se sentado conosco, muito menos começado a comer antes de eu chegar. E ela certamente teria posto meu lugar.
"Alina, querida, finalmente!", Beto exclamou, alheio à tempestade que se formava dentro de mim. "A Gilda fez risoto de cogumelos, seu favorito! E uma salada linda."
Meus olhos percorreram a mesa elegante, depois se fixaram em Gilda.
"Gilda", eu disse, minha voz calma, quase perigosamente calma. "Há alguma razão para o meu lugar não ter sido posto?"
Gilda ergueu os olhos, um garfo a meio caminho da boca. Seus olhos, geralmente tão compostos, continham um brilho de surpresa.
"Ah, me desculpe, Sra. Moraes. Eu presumi que a senhora se sentaria em qualquer lugar. O Sr. Almeida disse que não havia problema em eu me juntar a ele, já que ele está machucado."
"Não há problema em se juntar a ele, sim", esclareci, meu olhar inabalável. "Mas não em começar a comer antes que a família esteja reunida. E certamente não na mesa principal."
Gesticulei vagamente para a pequena e discreta copa na cozinha, onde Maria comia suas refeições.
"Nosso acordo, assim como com a Maria, é que os funcionários da casa jantem separadamente assim que suas tarefas terminarem."
Beto pigarreou, mexendo-se desconfortavelmente na cadeira.
"Alina, querida, a Gilda tem sido tão gentil, me ajudando com tudo. Eu disse a ela que podia comer comigo, só para ter companhia. Sabe, minha perna e tudo mais."
"Companhia durante a refeição é uma coisa", eu disse, meus olhos ainda em Gilda, que agora havia largado o garfo, seu rosto uma máscara de leve indignação. "Mas limites profissionais são outra. A Maria entendia isso. O jantar é um assunto de família. Assim como pôr a mesa para todos."
O queixo de Gilda se ergueu.
"Eu entendo, Sra. Moraes. Eu estava apenas seguindo as instruções do Sr. Almeida."
"E eu estou lhe dando as minhas agora", rebati, minha voz firme. "Por favor, mude-se para a copa. E da próxima vez, certifique-se de que todos os lugares estejam postos antes do início da refeição."
O rosto de Beto se nublou.
"Alina, qual é. É só um jantar. Não precisa de tanto alarde."
Eu não desviei o olhar de Gilda.
"Eu não estou fazendo alarde, Beto. Estou estabelecendo uma regra da casa."
Gilda, com os lábios pressionados em uma linha fina, lentamente empurrou sua cadeira para trás. O arrastar da madeira no azulejo ecoou na sala subitamente silenciosa. Ela pegou seu prato.
"Muito bem, Sra. Moraes. Peço desculpas pelo inconveniente."
Sua voz estava carregada de um ressentimento mal disfarçado.
"Espere um minuto, Gilda", eu disse, parando-a. Um novo pensamento acabara de me ocorrer, uma onda fria varrendo a raiva anterior. "Beto mencionou que você fez risoto de cogumelos. E salada."
"Sim", ela respondeu, ainda de costas para mim, um toque de desafio em sua postura.
"Você se lembrou da minha alergia a nozes?", perguntei, minha voz neutra. Não era apenas uma alergia; era grave, fatal. Amêndoas, nozes, pecãs – um único traço poderia me levar a um choque anafilático. Maria sabia. Todos que cozinhavam para mim sabiam. Estava meticulosamente documentado, listado em um cartão plastificado colado na geladeira.
Gilda se virou, sua expressão se transformando de indignação para uma carranca cuidadosa.
"Ah. O Sr. Almeida disse que a senhora é uma grande fã de pinoli no risoto. E nozes na salada para dar textura."
Minha respiração ficou presa na garganta. Pinoli. Nozes. Ambos na minha lista proibida. Meu estômago revirou.
"Ele disse isso?", perguntei, virando-me para Beto, cujo rosto havia ficado pálido.
Ele gaguejou: "Bem, eu... eu posso ter esquecido de mencionar as nozes específicas, querida. Eu só disse que você adorava nozes em geral, as saudáveis, sabe?"
Seus olhos disparavam nervosamente entre mim e Gilda.
Caminhei até a mesa, meus passos medidos. O risoto de cogumelos, geralmente um prato reconfortante, agora parecia um assassino em potencial. Vi os minúsculos e dourados pinolis salpicados generosamente sobre o arroz cremoso. A salada, vibrante com folhas verdes, tinha nozes trituradas entre as folhas mistas.
Minhas mãos tremiam levemente enquanto eu pegava uma colher de servir, colocava uma pequena porção do risoto em um prato de sobremesa e caminhava até a lixeira da cozinha. Sem uma palavra, raspei tudo para dentro. Um barulho suave.
Beto ofegou.
"Alina! O que você está fazendo?"
Virei-me para eles, meu rosto desprovido de emoção.
"Isso não está próprio para consumo."
Voltei para a mesa, peguei a tigela inteira de risoto e calmamente despejei seu conteúdo na lixeira. Depois, a tigela de salada.
"Nada disso é seguro. Nada disso é consumível."
O silêncio na sala de jantar era ensurdecedor. Beto encarava as tigelas vazias, sua mandíbula frouxa. Gilda parecia um cervo pego nos faróis, sua compostura cuidadosamente construída finalmente se quebrando. Suas bochechas estavam coradas, seus olhos arregalados.
"Alina, isso foi desnecessário!", Beto finalmente conseguiu dizer, sua voz tensa de raiva. "A Gilda se esforçou muito naquela refeição!"
Eu não respondi. Apenas voltei ao meu lugar vazio, puxei a cadeira e me sentei. Meu apetite havia sumido, substituído por uma determinação fria e dura.
Beto bateu com o punho na mesa, estremecendo imediatamente com a dor em seu gesso.
"Qual é o seu problema?", ele exigiu, sua voz se elevando.
Encontrei seu olhar, meus próprios olhos frios e inabaláveis.
"O problema é que meu noivo, que afirma me conhecer melhor do que ninguém, 'esqueceu' de uma alergia fatal. O problema é que sua cuidadora temporária, depois de ser informada das minhas 'preferências', conseguiu incluir dois dos meus alérgenos mais mortais. O problema é que estou sentada à minha própria mesa de jantar, não convidada e indesejada, na minha própria casa. É isso que está errado, Beto."
Ele recuou como se tivesse sido atingido. Gilda, enquanto isso, havia sutilmente saído da sala.
Empurrei minha cadeira para trás, o som estridente rasgando o silêncio tenso.
"Perdi o apetite", afirmei secamente. "E a paciência."
Virei-me, saí de casa e entrei no meu carro. O motor rugiu para a vida, um som reconfortante de fuga. Dirigi até o pequeno apartamento que eu mantinha perto do escritório principal da empresa – um investimento prático, um refúgio tranquilo para noites tardias. Era esparso, funcional, um contraste gritante com a casa grandiosa que eu acabara de deixar. Pelos próximos dias, foi meu santuário.
As mensagens de Beto começaram quase imediatamente. Uma enxurrada de desculpas, súplicas, confusão.
*Alina, o que foi aquilo?*
*Querida, por favor, volte para casa. Sinto sua falta.*
*Foi um mal-entendido, eu juro. A Gilda se sente péssima.*
*A casa parece vazia sem você.*
Normalmente, ele teria aparecido na minha porta, com muletas ou não. Ele teria usado seu charme para entrar, me convencido com suas desculpas sinceras e olhos de cachorrinho pidão. Mas com a perna ainda quebrada, ele estava confinado. Tudo o que ele podia fazer era mandar mensagens.
Eu respondia com respostas curtas de uma palavra, ou nada. Meu foco estava no trabalho. O projeto de Brasília ainda era exigente, mesmo à distância. A distância, o silêncio, me permitiram pensar. Ver as rachaduras que haviam sido encobertas.
Dias se transformaram em uma semana. Então, uma mensagem mais longa de Beto apareceu na minha tela. Esta era diferente. Não era apenas um pedido de desculpas. Era pensada, estratégica.
*Alina, eu sei que errei. Errei feio. Eu disse à Gilda as regras, deixei tudo bem claro. Ela entendeu. Ela não vai comer na mesa, vai bater na porta, e decorou a lista de alergias. Eu até comprei panelas e frigideiras novas, só para garantir. Sinto falta da nossa vida. Sei que você está ocupada, mas podemos falar sobre nosso futuro? Os planos do casamento, a próxima fase da empresa? Estive olhando algumas novas oportunidades de investimento, coisas que podemos construir juntos. Eu só preciso de você aqui, ao meu lado. Podemos conversar hoje à noite. Por favor.*
Ele enviou fotos dos novos utensílios de cozinha, brilhantes e sem uso. Fotos dos nossos catálogos de casamento, abertos na mesa de centro. Fotos de Apolo, enrolado na nossa cama, parecendo desolado.
Sua mensagem parecia genuína. Ou, pelo menos, persuasiva o suficiente. O pensamento da nossa vida, nossas ambições compartilhadas, o império que estávamos construindo juntos... aquilo mexeu com algo dentro de mim. Talvez, apenas talvez, ele tivesse entendido. Talvez isso fosse um deslize, um tiro de alerta. Ele precisava de mim. E eu, contra meu bom senso, ainda queria acreditar nele.
Enviei uma única resposta: *Estarei em casa hoje à noite.*