"Eu vou pagar. Custe o que custar. Eu assumo a responsabilidade pelo meu filho."
Ela disse isso com um ar de nobre sacrifício, como se estivesse me fazendo um favor.
Soltei uma risada áspera e sem humor.
"Pagar? Você sabe quanto custa um laptop de arquitetura feito sob medida? Ou um software de design de ponta? Ou o valor dessas plantas de clientes, que representam meses de trabalho?"
Peguei meu celular, abri o aplicativo da calculadora e comecei a digitar furiosamente. Listei cada item, cada custo, cada hora perdida tentando reconstruir os dados. Os números subiam, vertiginosos e astronômicos.
Virei a tela do celular para ela.
"Cento e cinquenta mil reais. E isso nem começa a cobrir as perdas intangíveis."
Os olhos de Gilda se arregalaram, sua bravata vacilando. A cor sumiu de seu rosto.
"Cento e cinquenta mil? Isso é ridículo! Você está tentando me enganar! Eu não tenho esse tipo de dinheiro!"
Sua voz se elevou, estridente e acusadora.
"Você está tentando se aproveitar de uma mãe solteira!"
"Estou?"
Minha voz permaneceu assustadoramente calma. Olhei para Beto, que ainda estava olhando para os bens danificados, seu rosto uma mistura de choque e desconforto.
"Beto, querido, talvez você possa esclarecer para a Gilda. Esses preços são precisos para o equipamento da nossa empresa? Para o meu equipamento?"
Beto pigarreou, evitando meu olhar.
"Bem, Gilda, a Alina usa equipamentos de primeira linha. O laptop sozinho é... significativo. E essas plantas são de fato muito importantes."
Ele não olhava para mim. Ele não conseguia.
Os olhos de Gilda se encheram de lágrimas, sua voz tremendo.
"Eu... eu não posso pagar isso. Eu simplesmente não posso. Sou mãe solteira, Sr. Almeida. Eu trabalho duro, mas mal ganho o suficiente para alimentar meu filho."
Ela olhou para Beto, seu lábio inferior tremendo. Era uma performance praticada e perfeita.
De repente, Léo, que estava escondido atrás de Gilda, saiu correndo. Seu pequeno punho se fechou e ele o balançou, acertando minha coxa. Uma dor aguda e ardente.
"Você é uma moça má!", ele gritou, seu rosto contorcido em uma raiva infantil. "Não machuque minha mãe!"
Meu instinto foi puramente defensivo. Eu recuei, minha mão se movendo para afastar o braço dele. Não foi um empurrão forte, apenas um reflexo. Mas Léo, vendo sua chance, desabou no chão, chorando ainda mais alto do que antes.
"Ela me bateu! Mamãe, ela me bateu!"
Beto explodiu.
"Alina! Que porra é essa?!"
Ele mancou para a frente, abandonando suas muletas na pressa, quase caindo. Ele pegou Léo nos braços, embalando a criança soluçante.
"Você bateu em uma criança? Meu Deus, Alina, qual é o seu problema? Que tipo de monstro ataca um menino de nove anos?"
Seus olhos, geralmente quentes e afetuosos, agora ardiam com um desprezo furioso que eu nunca tinha visto dirigido a mim.
"Ele me bateu primeiro, Beto!", gritei, minha voz falhando. "Ele me bateu! Bem aqui!"
Apontei para minha coxa, onde uma marca vermelha já estava se formando.
"E ele não é apenas 'uma criança' quando está arruinando milhares de reais em propriedade! Ele tem idade suficiente para saber o certo do errado!"
"Ele tem nove anos!", Beto rosnou, puxando Léo para mais perto. "Como você ousa colocar a mão nele? Não vê que ele está chateado? Gilda, você está bem?"
Ele olhou para Gilda, sua preocupação com ela palpável.
Gilda fungou, a cabeça baixa.
"Eu... eu estou bem, Sr. Almeida. É que... eu tentei dizer a ela que pagaria. Ela só continuou gritando com a gente."
Meu sangue gelou com sua mentira descarada.
"Gritando?", repeti, incrédula. "Eu estava calma! Eu estava pedindo responsabilidade! E eu perguntei como você pretendia pagar por quase cento e cinquenta mil reais em danos!"
"Já chega, Alina!", a voz de Beto soou, me cortando. Ele me fuzilou com o olhar, seus olhos duros. "Eu vou pagar por isso. Cada centavo. Gilda, não se preocupe com nada. Eu cuido disso."
Ele olhou para Gilda, sua expressão suavizando, depois se virou para mim, a raiva voltando ao seu rosto.
"A culpa é minha. Eu os trouxe aqui. Eu vou resolver."
Eu fiquei ali, congelada. Beto. Meu noivo. O homem com quem eu estava construindo uma vida. Ele estava me olhando como se eu fosse uma estranha, uma inimiga. Ele segurava o filho de Gilda nos braços, sua mão repousando nas costas de Gilda. Eles pareciam uma família. E eu era a intrusa.
O mundo girou. O ar saiu dos meus pulmões. Uma dor aguda e lancinante atravessou meu peito, como se um punho tivesse se fechado em volta do meu coração e apertado. Senti-me tonta, minha visão embaçando nas bordas.
"Beto", sussurrei, minha voz quase inaudível. "Beto Almeida."
Meu peito se contraiu violentamente. Uma onda de náusea me invadiu. As figuras na minha frente – Beto, Gilda, Léo – giravam, seus rostos se derretendo em caricaturas grotescas. Meus joelhos cederam. Uma dor aguda e quente atravessou meu baixo-ventre.
Então, escuridão.
Acordei com o cheiro estéril de desinfetante e o bipe monótono de um monitor cardíaco. O quarto era branco, impessoal. Um hospital. Pisquei, tentando limpar a névoa do meu cérebro. Um soro estava ligado ao meu braço.
Beto estava sentado ao lado da minha cama, o rosto pálido e abatido, sua habitual postura confiante substituída por uma carranca ansiosa e preocupada. Ele estendeu a mão para a minha, mas eu me afastei, virando o rosto para a parede.
"Alina", ele sussurrou, a voz rouca. "Graças a Deus você acordou."
Eu não respondi. A raiva, a dor, o profundo sentimento de traição, não haviam se dissipado. Simplesmente se solidificaram em uma pedra fria e pesada no meu estômago.
"Alina, querida", ele disse novamente, sua voz mais suave, mais hesitante. Ele se aproximou, acomodando-se de volta na cadeira. "Eu... eu tenho algo para te dizer."
Ele respirou fundo.
"Os médicos disseram... você está grávida. Vamos ter um bebê, Alina."
Sua voz falhou, uma mistura frágil de alegria e medo.
"Eu vou ser pai."
Minha respiração falhou. Grávida? Um bebê? Minha mão instintivamente foi para o meu baixo-ventre, uma onda de choque, confusão e uma estranha e indesejada ternura me invadindo. Um bebê. Nosso bebê. Era real. Real demais.
A notícia me atingiu com a força de um golpe físico, ameaçando sobrepujar a raiva. Um bebê. Uma vida pequena e inocente, dependente de mim, de nós.
Beto, interpretando mal meu silêncio, continuou.
"A Gilda se sente péssima, Alina. De verdade. Ela entende que errou. Ela até assinou isso."
Ele tirou um pedaço de papel amassado do bolso, uma nota promissória escrita à mão para os R$150.000,00 completos.
"Ela disse que pagaria de volta, pouco a pouco."
Eu não precisava ver o papel. Eu conhecia Gilda. Eu conhecia Beto.
"E você, é claro, disse a ela para não se preocupar. Que você cobriria, porque esse é o tipo de 'homem bom' que você é, não é, Beto?"
Minha voz era neutra, desprovida de calor.
Ele estremeceu.
"Alina, qual é. Não seja assim. Ela é mãe solteira, Alina. Ela não fez por mal."
Ele baixou a voz, quase suplicante.
"Por favor, querida. Vamos ter um bebê. Precisamos ser uma família. Eu prometo, a Gilda entende agora. Eu estabeleci as regras. Chega de crianças em casa. Ela vai se ater às suas tarefas, manter distância. Ela sabe o lugar dela. Você tem minha palavra."
Ele estendeu a mão para a minha novamente, desta vez pegando-a gentilmente, seu polegar acariciando meus nós dos dedos em um gesto familiar e reconfortante.
"Eu sei que errei, Alina. Eu estava distraído, minha perna doía. Eu não estava pensando direito. Mas este bebê... este é o nosso futuro. Nosso casamento. Por favor, não deixe isso nos destruir. Eu preciso de você. Nosso bebê precisa de você. Nossa empresa precisa de você. A Gilda... ela salvou minha vida quando eu estava sozinho, quando você estava fora. Eu devo a ela. Mas você é a minha vida, Alina."
Ele se inclinou, seus olhos procurando os meus, cheios de angústia genuína e esperança desesperada.
"Eu prometo, vou consertar tudo. Cada coisinha. Vou te comprar tudo novo. Melhor do que antes. Só... por favor. Volte para casa."
O pensamento do bebê, nosso bebê, girando em minha mente turbulenta. Uma vida pequena dependendo de mim, de nós. Fechei os olhos, tentando bloquear a imagem da mão de Gilda nas costas de Beto, o sorriso triunfante de Léo. Mas a imagem não estava desaparecendo. Era uma marca na minha alma.
Pensei no perfume quebrado, nas plantas arruinadas. Nas mentiras descaradas. No desprezo nos olhos de Beto quando ele me acusou de bater em uma criança. Mas então, pensei no pequeno tremor no meu útero, o frágil começo de uma nova vida. Eu poderia negar a este bebê uma família? Eu poderia abandonar tudo o que havíamos construído, tudo o que estávamos prestes a construir?
Abri os olhos e olhei para Beto. Seu rosto estava marcado por uma preocupação crua, mas por baixo dela, vi um vislumbre de esperança. Ele realmente acreditava que poderia consertar isso. Ele realmente acreditava que eu consertaria isso. Pelo nosso bebê. Por ele.
"Desta vez", eu disse, minha voz mal um sussurro, "desta vez, Beto, vamos deixar pra lá."
Uma onda de alívio lavou seu rosto. Ele apertou minha mão, lágrimas brotando em seus olhos.
"Obrigado, Alina. Obrigado. Você não vai se arrepender disso, eu prometo."
Dois dias depois, recebi alta. Gilda ainda estava lá. Ela bateu na porta do meu quarto, oferecendo uma tigela fumegante de canja de galinha. Seus olhos estavam baixos, sua voz suave.
"Sra. Moraes, eu sinto muito por tudo. Eu entendo meu lugar agora. E vou garantir total respeito pela sua casa e sua privacidade."
Olhei para ela, depois para minha barriga ainda lisa. O bebê. Pelo bebê. Eu assenti, um comando silencioso para que ela deixasse a sopa e fosse embora. Ela o fez. A trégua era frágil, mas por enquanto, era o suficiente.