O incidente com Léo, Gilda e o escritório arruinado parecia ter criado uma détente temporária. Gilda era quase agressivamente obediente. Ela batia na porta. Mantinha Léo fora de vista, supostamente na casa de um amigo ou em um programa pós-escola. Ela cozinhava refeições meticulosamente livres de nozes, verificando o cartão de alergia plastificado com um cuidado exagerado.
Beto, por sua vez, era o retrato de um noivo dedicado. Ele me mimava, me trazia flores, falava incessantemente sobre o bebê e folheava revistas de casamento com um entusiasmo que quase parecia genuíno. Passávamos as noites planejando nosso futuro, discutindo projetos de quarto de bebê e até debatendo nomes. Parecia que estávamos consertando os danos, tijolo por tijolo.
A peça final dos nossos preparativos de casamento, nossos convites e lembrancinhas personalizados, chegou alguns dias depois. Eram perfeitos. Elegantes, sutis, refletindo a estética da nossa empresa. Eu havia pensado tanto em cada detalhe, cada linha em relevo, cada fita de seda. Segurando-os, senti uma onda de alegria e antecipação genuínas. Era isso. Nosso novo começo.
Decidi surpreender o Beto. Ele estava tão animado com isso. Imaginei seu rosto, sua alegria genuína. Meu coração, ainda machucado, palpitou com uma esperança hesitante. Talvez ainda pudéssemos fazer isso funcionar. Por nós. Pelo bebê.
Dirigi para casa mais cedo, a caixa de convites cuidadosamente colocada no banco do passageiro. O sol do final da tarde lançava longas sombras pela rua arborizada. Ao me aproximar da casa, uma onda de calor se espalhou por mim. Lar.
Abri a porta da frente, o delicado aroma de gengibre fresco e caldo de galinha vindo da sala de estar. Gilda definitivamente estava cozinhando algo reconfortante. Sorri, imaginando Beto relaxado no sofá, talvez assistindo a um jogo.
Andei na ponta dos pés até a entrada da sala, ansiosa para surpreendê-lo. Meu sorriso, já largo, vacilou, depois morreu uma morte rápida e agonizante. Meu coração se contraiu, um espasmo físico de dor.
Beto não estava no sofá. Ele estava no chão, encostado nas almofadas macias, sua perna machucada apoiada em um pufe. Gilda sentava-se ao lado dele, no chão, uma tigela de sopa na mão. Ela estava dando sopa na boca dele.
Ele engoliu uma colherada, depois olhou para ela, seus olhos quentes, íntimos. Gilda deu uma risadinha, um som suave e sedutor, e bateu de brincadeira no peito dele com as costas da colher. Não um toque forte, uma carícia leve e familiar. Beto riu, inclinando a cabeça para trás, seus olhos se fechando em contentamento absoluto. Era uma cena de felicidade doméstica. Uma cena da qual eu deveria fazer parte. Uma cena da qual eu deveria ser a protagonista.
Eles pareciam amantes. Um casal. Duas pessoas completamente à vontade, completamente absortas uma na outra, uma bolha invisível de intimidade os cercando.
A caixa de convites de casamento se amassou em minhas mãos. O papelão pesado dobrou, as fitas delicadas rasgaram. Minha visão embaçou. O mundo ao meu redor escureceu, as cores vibrantes da nossa sala de estar desbotando para um cinza opaco. O ar foi sugado dos meus pulmões.
Meu rosto, que estava radiante de feliz antecipação momentos antes, parecia congelado, uma máscara grotesca de traição. A esperança cuidadosamente construída, a trégua frágil, se estilhaçou em um milhão de pedaços.
Beto abriu os olhos, sentindo uma mudança no ar. Seu olhar encontrou o meu. Seu sorriso desapareceu. Gilda também ergueu os olhos, sua colher caindo na tigela com um barulho. Seu rosto, antes suave e quente, endureceu em uma familiar máscara de compostura.
"Alina?", Beto gaguejou, o rosto empalidecendo, um rubor subindo em seu pescoço. "O que você está fazendo em casa tão cedo?"
Sua voz estava carregada de culpa, seus olhos disparando de mim para Gilda.
Olhei para ele, depois para Gilda. A cena se repetiu em minha mente: a sopa na boca, a risadinha, o toque íntimo, o suspiro contente de Beto. Eles não estavam apenas brincando de casinha. Eles estavam vivendo a nossa vida.
Minha voz, quando veio, foi um sussurro, frio e plano.
"Parece que interrompi alguma coisa."
Caminhei até a lixeira mais próxima, aquela geralmente reservada para correspondência indesejada. Minhas mãos, ainda tremendo, lenta e deliberadamente, esmagaram a caixa de convites de casamento, esmagando nosso futuro, esmagando minha esperança, em uma bola amassada de papel e seda. Joguei-a na lixeira. Aterrissou com um baque suave e melancólico.
Beto encarou a caixa amassada, seus olhos arregalados.
"Alina, o que você está fazendo? Por que você estragou os convites?"
Ele tentou soar irritado, mas sua voz era fina, desesperada.
"Não há mais necessidade deles, Beto", eu disse, meu olhar varrendo-o, depois Gilda. "Não há necessidade de um casamento. Não há necessidade de um futuro. Parece que você já encontrou sua nova parceira doméstica."
"Alina, isso não é justo!", Beto lutou para se levantar. "A Gilda estava só me ajudando com a sopa! Ela tem sido tão gentil, tão atenciosa porque você está sempre ocupada, sempre trabalhando!"
Gilda, sempre a atriz, interveio:
"Sra. Moraes, eu nunca! Eu respeito a senhora e o Sr. Almeida. Eu estava simplesmente seguindo as instruções dele para ajudá-lo a comer, já que a perna dele ainda está se recuperando."
Sua voz era suave, inocente, mas seus olhos continham um brilho desafiador.
"Não insulte minha inteligência", eu disse, minha voz se elevando, perdendo a compostura. As palavras tinham gosto de cinzas. "Eu sei o que eu vi. E eu sei o que isso parece. Vocês dois estão um pouco confortáveis demais, não estão?"
"Já chega, Alina!", Beto berrou, finalmente de pé, apoiando-se pesadamente em Gilda. "Você entra aqui, faz acusações, joga fora nossos convites! Qual é o seu problema? Por que você é sempre tão dramática?"
"Dramática?"
Eu ri, um som oco e amargo.
"Você quer falar sobre drama, Beto? Vamos falar sobre o drama de uma noiva me traindo na minha própria casa, com a empregada, enquanto estou grávida do seu filho!"
Ele estremeceu, seu rosto empalidecendo novamente. Os olhos de Gilda se estreitaram, um brilho de algo sombrio em suas profundezas.
"Gilda", eu disse, minha voz perigosamente baixa, meus olhos fixos na colher ainda em sua mão. "Você gosta de alimentar meu noivo? Gosta de ser a ajudante 'atenciosa' dele?"
Antes que ela pudesse responder, um grito agudo e desesperado cortou o ar. Não era humano. Era Apolo. Um grito gutural e aterrorizado.
Minha cabeça se virou na direção do som. Veio da varanda dos fundos, perto do galpão. Meu coração pulou para a garganta. Apolo. Eu não o via desde que cheguei em casa.
Passei por Beto e Gilda, ignorando seus suspiros de surpresa, e corri para a porta da varanda. Estava ligeiramente entreaberta. Eu a escancarei.
Lá, em uma pequena e enferrujada caixa de transporte, geralmente usada para pequenos animais, estava Apolo. Ele estava enrolado em uma bola apertada, tremendo violentamente. Seu pelo ruivo, antes liso e brilhante, estava emaranhado e opaco. Seus olhos verdes, geralmente vibrantes, estavam arregalados de terror, com olheiras escuras. Sua tigela de água estava completamente seca, seu prato de comida vazio e coberto de poeira.
E então eu vi. Um hematoma escuro e feio florescendo sob seu olho esquerdo. Um arranhão vermelho, fresco e irritado, marcava seu nariz.
Não. Isso não era possível. Apolo era o gato mais doce e gentil. Meu amado companheiro, nosso animal de estimação compartilhado. Ele nunca fez um som como aquele, nunca pareceu tão aterrorizado.
"Apolo!", gritei, minha voz embargada de horror e fúria. Tentei abrir o trinco, meus dedos desajeitados com o choque. Estava duro, como se não fosse aberto há dias.
Finalmente, ele se abriu. Apolo saiu correndo, não em minha direção, mas para longe, tentando se esconder atrás de um vaso de plantas, seu corpo inteiro tremendo.
Beto havia mancado para a varanda, Gilda logo atrás dele, uma expressão presunçosa e indecifrável em seu rosto.
"O que é isso, Beto?!", gritei, minha voz rouca de angústia. "O que você fez com o Apolo?"
Finalmente consegui atrair meu gato aterrorizado para meus braços. Ele estava mais leve do que eu me lembrava, seu pequeno corpo rígido de medo. Parecia um feixe de ossos.
"Ah, o gato", disse Beto, descartando-o com um aceno de mão. "Ele tem estado um pouco... agressivo ultimamente, Alina. Arranhando a Gilda, tentando entrar no quarto do Léo. Tivemos que colocá-lo de castigo. A Gilda disse que era 'treinamento animal'. Ele está bem, Alina. Só sendo um gato."
"Agressivo?", engasguei, apertando Apolo contra o peito. Ele se pressionou contra mim, cravando as garras na minha camisa, seu ronronar um murmúrio baixo e rouco de medo. "Apolo nunca foi agressivo! E o que é isso?"
Apontei para o hematoma, o arranhão.
"Você bateu nele, Beto? Você bateu no meu gato?"
Gilda deu um passo à frente, sua voz surpreendentemente doce.
"Ah, Sra. Moraes, ele está só fazendo drama. Ele foi muito levado. E mulheres grávidas não devem ficar perto de gatos, sabe. Toxoplasmose. Estávamos apenas tentando mantê-la segura. Talvez seja hora de... encontrar um novo lar para o Apolo? Pelo bem do bebê."
Beto assentiu, sua expressão séria.
"Ela está certa, Alina. Provavelmente deveríamos doá-lo. Pelo bebê."
O mundo girou. Meu bebê. Meu gato. Meu noivo. Minha casa. Tudo isso, distorcido e profanado. Eles o negligenciaram. Abusaram dele. E agora queriam se livrar dele. Pela minha segurança. Pela conveniência deles.
Olhei para Beto, para sua expressão indiferente, quase condescendente. Ele havia escolhido. Ele a havia escolhido. E ele havia escolhido machucar meu amado e inocente gato.
Meu peito se apertou. A raiva que senti era fria, absoluta. Eclipsou todas as outras emoções. Toda mágoa, toda traição, toda decepção. Isso era imperdoável.
Abaixei Apolo gentilmente, que imediatamente correu para trás de mim, buscando refúgio. Olhei para Beto, meus olhos ardendo.
"Você quer doá-lo?", eu disse, minha voz perigosamente calma. "Tudo bem. Mas eu o levo comigo."