Não olhei para o sangue. Não olhei para as lágrimas de crocodilo que Cássia forçava a sair de seus olhos para ganhar simpatia.
Entrei direto em seu escritório.
Este era seu santuário. O cômodo pelo qual paguei a um designer cinquenta mil reais para decorar.
Prateleiras de mogno. Poltronas de couro importado. E por toda parte, sinais do menino com quem me casei, escondido dentro do homem que ele fingia ser.
Action figures de animes alinhavam as prateleiras superiores, vergonhosamente escondidos atrás de pesados livros de medicina. Almofadas estampadas com personagens de desenhos animados estavam amontoadas no canto, fora de vista.
Ele não passava de uma criança brincando de se vestir em um mundo de homens.
Peguei uma das almofadas. Era macia, estampada com algum personagem de olhos grandes pelo qual ele era obcecado.
Eu a rasguei.
O enchimento voou pelo ar como neve sintética, pousando no tapete caro.
Daniel correu para o quarto. Cássia estava logo atrás dele, agarrando seu braço como uma tábua de salvação.
"Pare com isso!", ele gritou. "O que você está fazendo?"
Peguei um troféu pesado de sua mesa. "Cirurgião do Ano". Um prêmio que meu pai comprou para a gala do hospital para inflar o ego de Daniel.
Joguei-o na parede.
Amassou o gesso com um estrondo violento e caiu no chão com um baque oco.
"Estou te despejando, Daniel", eu disse, virando-me para encará-lo.
"Estou tomando de volta cada coisa que já te dei."
Daniel deu um passo à frente, seu peito arfando.
"Você não pode fazer isso", ele cuspiu. "Somos casados. Metade disso é meu. Vou te processar. Vou tirar tudo o que você tem."
Eu ri. Foi um som seco e quebradiço.
"Você acha que a lei se aplica a nós?", perguntei suavemente. "Você acha que um pedaço de papel te protege da família Ferraz?"
Antes que ele pudesse responder, o celular de Cássia tocou.
Uma melodia alegre e dissonante cortou a tensão sufocante.
Ela olhou para a tela e seu rosto se contorceu.
"É da escola", ela soluçou. "O Joca está doente. Ele está com febre."
A raiva de Daniel desapareceu instantaneamente.
Ele se transformou. Não era mais o marido traidor. Era o pai preocupado.
"Temos que ir", disse ele, sua voz baixando para um registro calmante.
Ele colocou um braço protetor em volta da cintura dela. "Eu te levo. Vamos levá-lo para o hospital. Eu mesmo o examinarei."
Ele me deu as costas.
Ele deu as costas para a esposa que jurou honrar. Ele deu as costas para a mulher que detinha as chaves de toda a sua existência.
Ele acompanhou Cássia para fora do quarto sem olhar para trás.
Ouvi a porta da frente bater.
O som ecoou pela casa vazia como um tiro.
Fiquei ali por um longo tempo.
Olhei para a almofada rasgada. Olhei para a parede amassada.
Pensei no jeito como ele a olhou. No jeito como entrou em pânico por causa do filho dela.
Joca.
Um dos cinco meninos. Os meninos que ele alegava não serem seus.
Mas ele agia como se fossem. Ele os protegia como se fossem.
Um nó frio e nauseante se formou em meu estômago.
E se eles fossem?
E se a infertilidade fosse uma mentira? E se ele estivesse roubando meu dinheiro para criar uma família secreta enquanto eu chorava por testes de gravidez negativos?
Minha mão tremeu quando alcancei meu bolso.
Tirei meu celular e disquei um número que conhecia de cor.
Guilherme atendeu no primeiro toque.
"Onde você está?", ele perguntou.
Sua voz era um rugido baixo - perigosa, firme, letal.
"Estou em casa", eu disse. "Preciso de um favor."
Guilherme fez uma pausa. Ao fundo, eu podia ouvir o baque rítmico de um saco de pancadas sendo golpeado.
"Peça, Princesa."
"Preciso de olhos no Daniel", eu disse, minha voz endurecendo. "E na garota. Cássia Valdez."
"Quero saber tudo. De onde ela veio. Quem é o pai daqueles meninos. Cada mensagem. Cada transferência bancária. Cada mentira."
O som dos golpes parou.
O silêncio na linha era pesado.
"Ele te machucou?", Guilherme perguntou, sua voz baixando uma oitava.
"Se ele tocou em você, Alana, eu vou arrancar a pele dele."
"Ainda não", eu disse.
Olhei para o sangue no chão onde Daniel esteve.
"Eu não o quero morto, Guilherme. Ainda não."
"Eu o quero arruinado. Quero que ele não tenha nada. Quero que ele deseje estar morto."
"Entendido", disse Guilherme. "Vou colocar os soldados nisso. Me dê vinte e quatro horas."
Eu desliguei.
Fui até a janela e observei a chuva começar a cair contra o vidro, borrando o mundo lá fora.
Mas por dentro, tudo estava cristalino.
O casamento acabou.
A Vingança havia começado.