Capítulo 4 ATO III: "MANHÃ"

Assim que colocara os pés para o lado de fora, o frio violento de Manhattan quase fez Katherine arrepender-se de sua total nudez. Seus músculos ficaram tensos, seus pêlos eriçaram-se e os mamilos endureceram de imediato. Munida apenas de um cigarro e um isqueiro, tapou a chama com a mão para que pudesse dar a primeira tragada.

Sua cabeça logo ficou leve, sua testa formigou um pouco. O primeiro cigarro do dia sempre deixava-a calma, um pouco tonta até, e precisava daquela serenidade intoxicante para esquecer a decepção de mais uma tentativa frustrada na noite anterior de ter um mísero orgasmo. Encarando o cigarro, viu que ainda tinha um pouco de sangue seco sob as unhas curtas. Tinha se machucado por dentro. Ofereceu um sorriso apático aos dedos pensando como cada maluco possuía seu próprio estilo de autopunição. Tentou adivinhar qual seria o de Hutton. Aquele covarde de merda. Ele tinha um ego grande demais para se mutilar. Seria forçada a arranjar outro emprego só para não precisar olhar para aquela cara - hora presunçosa, hora deprimida - de mauricinho rico que fode fraco.

Deu uma tragada profunda quando um vento gélido subiu pela face envidraçada do prédio, agitando seus cabelos, distribuindo calafrios quase dolorosos. Se tivesse sorte poderia pegar uma neve rala ou um resfriado. Apoiou os cotovelos no gradil transparente, inclinando-se para a paisagem, inalando mais um pouco do cigarro e não demorou muito até perceber algo no prédio vizinho, do outro lado da rua. Um par brilhante de lentes que tiveram o azar de refletir o primeiro raio de sol dourado na brancura da manhã.

Um tarado a observava fumar nua.

Aquilo a excitou um pouco, o suficiente apenas para sorrir para ele, deixá-lo saber que havia sido traído pela natureza. Soltou a fumaça em sua direção e em seguida ofereceu-lhe seu dedo do meio e seu sangue seco embaixo da unha.