Minha cabeça ainda doía, mas a dor física era insignificante comparada à ferida em meu coração. Eu observava Lucas, seu rosto iluminado por um sorriso que nunca dedicara apenas a mim, e uma pontada de rancor me atingiu. Ele estava feliz. Livre. E eu, ali, fingindo ser uma estranha para ele.
Eu decidi que jogaria o jogo dele.
"Parabéns," eu disse, com a voz tão suave que mal me reconheci.
"Desejo toda a felicidade a vocês."
Minhas palavras pareciam vazias, quase sem vida, como se tivessem sido ditas por outra pessoa. Ele me olhou, surpreso pela minha reação, ou talvez pela falta dela.
Nesse exato momento, Serena apareceu na porta, um vestido de seda branco esvoaçando ao seu redor, e um sorriso predatório em seus lábios. Ela parecia uma deusa, uma visão etérea, mas seus olhos brilhavam com uma malícia que eu conhecia bem. Ela se aproximou de Lucas, envolvendo seu braço no dele, como uma hera venenosa.
"Lucas, meu amor," ela disse, sua voz açucarada.
"Você já contou a ela?"
Ela me encarou com um olhar de vitória, um brilho perverso em seus olhos.
"Você está feliz por nós, Isadora?" ela perguntou, a voz como mel, mas os olhos lançando farpas.
"Ou ainda está procurando maneiras de sabotar minha felicidade?"
Eu já havia esquecido, não é? Aquele dia, anos atrás, quando ela me viu com Lucas pela primeira vez. Ela me acusou de roubar "o homem dos seus sonhos". Foi uma ironia cruel, porque Lucas nunca foi dela, e ela nunca foi a mulher para ele.
"Serena, não seja cruel," Lucas disse, franzindo a testa.
"Ela não está em condições de..."
Mas Serena o interrompeu, seus olhos ainda fixos em mim.
"Não se preocupe, Lucas. Ela não vai lembrar de nada, não é mesmo?"
Essa era a faca que ela cravava em meu coração, a certeza de que eu seria apagada, como se nunca tivesse existido.
"Lucas não é mais seu, Isadora," ela continuou, apertando o braço dele.
"Ele é meu agora. E eu não quero que você se aproxime dele. Não quero que você tente nos separar. Você já fez isso uma vez, não vai fazer de novo."
Lucas, talvez percebendo o constrangimento, tentou intervir.
"Serena, por favor..."
Mas as lágrimas já escorriam pelo rosto dela, um choro silencioso que logo se transformou em um soluço. Ela era uma atriz talentosa. Eu sempre soube.
"Ela ainda me odeia, Lucas," ela soluçou, aninhando-se em seu peito.
"Ela sempre me odiou. Eu só quero ser feliz."
Ela me lançou um olhar por cima do ombro de Lucas, um olhar de puro ódio.
"Não se esqueça, Isadora," ela disse, a voz cheia de veneno.
"Lucas é meu agora. E você não é mais nada."
Lucas, comovido pelas lágrimas de Serena, a abraçou ainda mais forte.
"Não se preocupe, meu amor," ele disse, beijando o topo de sua cabeça.
"Eu não vou deixar ninguém te machucar. Nunca mais."
Ele então me olhou, seu olhar carregado de um falso carinho.
"Isadora, você deve descansar. Vou pedir para alguém te levar para casa."
"Não se preocupe, Lucas," eu respondi, a voz fria e distante.
"Eu posso ir sozinha. E, afinal, você tem um noivado para celebrar. Não quero atrapalhar."
Minhas palavras o surpreenderam. Ele esperava resistência, lágrimas, súplicas. Mas encontrou apenas um vazio frio. Um vazio que ele mesmo havia criado.
Um brilho de alívio passou por seus olhos, seguido por uma pontada de estranha culpa que ele rapidamente suprimiu. Ele se virou para Serena, que agora sorria satisfeita.
"Vamos, meu amor," ele disse a Serena, "temos muito o que planejar."
Ele a conduziu para fora da sala, sem olhar para trás.
Eu estava sozinha. Mais uma vez.
Senti uma dor aguda no peito, como se estivesse sendo esmagada. Mas não era a droga. Era o coração partido, finalmente percebendo a verdade. Ele nunca me amou de verdade. Nunca.
"Isadora!" a voz indignada de Gabriela cortou o silêncio.
Minha melhor amiga, advogada astuta e protetora feroz. Ela entrou na sala, os olhos em chamas, o rosto vermelho de fúria.
"Aquele desgraçado! Como ele pôde? Eu sabia! Eu sempre disse que ele não era bom o suficiente para você!"
Ela me abraçou, apertando-me forte.
"Aquela droga... o que foi aquilo? Ele te deu algo para apagar suas memórias? Isso é um crime, Isadora! Vou denunciá-lo! Vou garantir que ele pague por isso!"
Eu a abracei de volta, sentindo o calor de sua amizade, o único refúgio em meio à minha desolação.
"Não, Gabi," eu disse, minha voz ainda um sussurro.
"Não faça isso. Já é tarde demais."
Ela se afastou, me olhando com pânico.
"O que você quer dizer? Você não se lembra? Isso não pode ser! Me diga que você não se lembra de nada!"
"Eu me lembro de tudo," eu sussurrei.
"E é por isso que não vou fazer nada. Deixe-o ir. Deixe-o ter o que ele pensa que quer."
A verdade era que eu estava cansada. Cansada de lutar, cansada de sofrer. Cansada de amar alguém que não valia a pena.
"Eu não me importo mais," eu disse, surpreendendo-me com a própria sinceridade.
"Talvez seja melhor assim. Esquecer. Começar de novo."
Eu já havia recebido uma oferta de emprego há algumas semanas. Um convite de um conglomerado rival, o Grupo Rêgo, para liderar um laboratório de pesquisa de ponta. Na época, eu o recusei, fiel a Lucas.
Agora, eu aceitaria.
"Eu preciso sair daqui, Gabi," eu disse, olhando para as paredes que antes abrigavam meus sonhos.
"Não há mais nada para mim aqui. Nenhum motivo para ficar."
Eu me agarrava à esperança de que, sete dias depois, quando a droga supostamente fizesse seu efeito completo, eu realmente esqueceria Lucas Franco. Seria um novo começo. Uma nova Isadora. Uma Isadora que nunca o amou.