Saí da AuraTec, sem olhar para a torre de vidro que ajudei a construir, o lugar onde enterrei tanto de mim mesma. O motorista do meu pai estava me esperando, o sedã preto elegante um contraste gritante com o campus de tecnologia estéril. Entrei, os assentos de couro macio um pequeno conforto.
"Leve-me para casa, por favor", eu disse, minha voz cansada, mas firme.
De volta à cobertura espaçosa que Bruno e eu um dia compartilhamos, comecei a fazer as malas. Não tudo, apenas o essencial. As coisas que ainda pareciam minhas. Meus cadernos de programação, meu moletom velho favorito, algumas joias que não eram presentes de Bruno. Movi-me com uma eficiência silenciosa, minha mente já acelerada, planejando os próximos movimentos no meu tabuleiro de xadrez.
No meio da arrumação dos meus livros, meu celular tocou. Era Bruno. Ele devia ter acabado de receber os documentos legais. Deixei tocar. E tocar. E tocar de novo. Finalmente parou. Alguns minutos depois, tocou novamente. E de novo. Ele era persistente, se não outra coisa. Finalmente atendi na quinta chamada.
"Helena! Que porra é essa?", sua voz era crua, furiosa. "Papéis do divórcio? Uma intimação por fraude corporativa contra a Diana? O que você está tentando fazer, queimar tudo?"
"Olá, Bruno", eu disse, minha voz calma, quase distante. "Sim, são papéis do divórcio. E uma intimação. É exatamente o que parece. Estou indo embora. E Diana está enfrentando as consequências de suas ações."
"Consequências?", ele rosnou. "Isso é vingança! Você está fazendo isso porque está com ciúmes, porque é uma vadia rancorosa! Você quer nos arruinar! Não ouse pensar que pode simplesmente ir embora com tudo e me deixar sem nada!"
"Ah, eu não estou indo embora com tudo, Bruno", contrapus, um tom gélido na minha voz. "Estou indo embora com o meu tudo. Minha equipe, minha propriedade intelectual, minha dignidade. O que resta da sua é inteiramente por sua conta e da Diana."
"Não seja ridícula! Apenas diga ao seu pai para parar com isso. Diga aos seus advogados para recuarem. Eu sei que você está apenas tentando me assustar. Você só quer um pedido de desculpas, não é? Tudo bem, me desculpe. Me desculpe por tudo. Apenas volte, Helena. Vamos conversar sobre isso. Não jogue fora tudo o que construímos!" Sua voz, antes cheia de raiva, agora se dissolveu em um apelo desesperado, tingido de manipulação. Ele pensou que um pedido de desculpas vazio consertaria isso. Ele pensou que eu ainda era a mulher que cederia sob pressão, que o perdoaria em nome da 'família' que deveríamos ter.
Meu estômago se revirou. A exaustão era profunda, do tipo que se instala na medula. "Não, Bruno", eu disse, minha voz cansada, mas resoluta. "Não há nada para conversar. Os papéis estão assinados. Minha decisão está tomada. Você encontrará uma cópia do meu acordo de divórcio assinado e o termo de consentimento para interrupção da gravidez anexados aos documentos digitais que enviei. Apenas assine do seu lado. É tudo muito simples."
Houve um silêncio atordoado do outro lado. Ele não esperava que eu realmente fosse em frente, muito menos que tivesse tudo preparado tão rapidamente.
"O que... o que você disse?", ele gaguejou, sua voz mal um sussurro. "Interrupção... do que você está falando?"
"Significa", eu disse, minha voz desprovida de emoção, "que nosso futuro, aquele que você descartou tão descuidadamente, não existe mais. Não há bebê, Bruno. Não há 'nós'. Há apenas a dissolução legal do nosso casamento. Assine os papéis." E com isso, desliguei.
Desliguei meu celular, jogando-o na cama. A equipe de segurança e os carregadores do meu pai já estavam chegando, movendo meus pertences pessoais para um novo local, não revelado. Observei-os trabalhar, uma estranha sensação de paz se instalando sobre mim. A velha Helena, aquela que se comprometia e se sacrificava, se foi. A nova Helena, fria, calculista e totalmente implacável, estava apenas começando. Bruno pensou que tinha vencido. Ele pensou que tinha me quebrado. Ele estava prestes a aprender que me quebrar apenas afiou minhas arestas.
Enquanto isso, na cobertura, Bruno olhava para o celular, o tom de discagem zumbindo em seu ouvido. "Helena? Helena!" Ele tentou ligar de volta, mas foi direto para a caixa postal. Ele pressionou redial furiosamente, seu coração batendo um ritmo frenético contra suas costelas. Ainda caixa postal.
"O que ela disse?", perguntou Diana, emergindo do quarto, seus olhos ainda vermelhos e inchados de chorar. Ela viu o olhar de pânico no rosto de Bruno. "O que há de errado?"
"Ela... ela enviou os papéis do divórcio", disse Bruno, sua voz rouca. "E aquelas acusações de fraude contra você! E... e ela disse algo sobre... interrupção. Eu não entendi direito. Que porra ela quer dizer com interrupção?" Ele a encarou, seus olhos arregalados com um terror crescente. "Ela deve estar blefando, certo? Ela não faria... ela não poderia..."
Diana franziu a testa, suas engrenagens manipuladoras já girando. "Interrupção? Ela está grávida, Bruno. Ela não faria isso. Ela está apenas tentando te assustar, tentando fazer você se sentir culpado. É o movimento clássico dela. Lembra como ela costumava ameaçar ir embora quando você passava muito tempo comigo? Ela vai voltar ao normal. Ela sempre volta." Ela colocou a mão no braço dele, seu toque destinado a ser calmante, mas pareceu pegajoso para Bruno. "Apenas a ignore. Dê a ela um pouco de espaço. Ela vai perceber que precisa de você, que precisa da AuraTec. Ela precisa do seu nome, do seu charme. Ela voltará, implorando. Assim como ela sempre faz."
Bruno assentiu lentamente, uma esperança desesperada se apegando às palavras de Diana. Sim. Era isso. Helena sempre foi dramática. Ela estava se fazendo de difícil, tentando puni-lo. Ele só precisava se manter firme. Ele precisava mostrar a ela que não seria manipulado. Ele esperaria. Ele daria a ela tempo. Ela voltaria rastejando. Assim como ela sempre fazia. Ele se recostou no sofá, uma determinação sombria se instalando.
*Ring! Ring!*
O celular de Bruno vibrou violentamente na mesa de centro. Ele o pegou, esperando que fosse Helena, ligando para se desculpar, para retirar tudo. Mas era seu assistente, Marcos, sua voz tensa de pânico.
"Bruno! Você precisa vir para o escritório! É o caos! Metade da equipe de engenharia acabou de se demitir! Eles saíram em massa, dizendo que estão seguindo a Helena para um novo empreendimento. E o código principal do produto, os algoritmos proprietários do Projeto Quimera, ele... ele sumiu! Eles levaram com eles! E toda a documentação do projeto, a pesquisa de usuário, os mock-ups de design... tudo simplesmente SUMIU! Não conseguimos nem acessar o repositório! O Projeto Quimera está morto sem isso!" Marcos quase gritou, sua voz falhando de desespero. "Estamos perdendo talentos, e as ações estão despencando! O que vamos fazer?" O celular escorregou das mãos de Bruno, caindo no caro tapete persa. Seu sangue gelou.